Editorial da edição nrº 81 (Janeiro 2024)
A chegada de amadores (no sentido daquele “que ama”) ao sector do vinho é relativamente recente, o fenómeno teve o seu “boom” já no século XXI. Gente financeiramente bem-sucedida noutras áreas de actividade, mas completamente desconhecida do grande público, viram nesta bebida uma forma de satisfazer um hobby e, ao mesmo tempo, alimentar o ego de forma saudável. Quem pode ser criticado por gostar de ver o seu nome (ou da sua empresa) no rótulo de uma garrafa? E, com sorte e trabalho, alcançar os ambicionados “15 minutos de fama”?
Mais difíceis de entender serão as razões que levam alguém que já tem dinheiro e espaço nos media a enveredar pelo mundo do vinho. Apesar de glamouroso, o vinho nunca poderá competir com a notoriedade que se alcança enquanto profissional do cinema, da música ou do desporto, por exemplo. Nunca ninguém rico e famoso vai ficar mais famoso por investir no vinho. E vai, quase de certeza, ficar menos rico.
Apesar disso, pessoas a quem pediríamos autógrafos na rua continuam a entrar neste universo vínico, bem mais pequeno e limitado do que aquele de onde vieram. Os exemplos são incontáveis e surgem, sobretudo, dos Estados Unidos da América (mas não só) com gente do cinema à cabeça. Francis Ford Coppola foi pioneiro com a sua marca, em 1979, (em Napa Valley, depois Sonoma, mais tarde Oregon) e o que mais longe chegou no ultrapassar dos naturais preconceitos dos “conhecedores”, tornando-se um produtor de vinho bastante respeitado enquanto tal. Muitos outros e outras o seguiram: George Lucas (Skywalker Vineyards – só podia… – em 1991) Drew Barrymore, Emilio Estevez, Sam Neil, Cameron Diaz, Brad Pitt, Angelina Jolie, Kurt Russell, Goldie Hawn, Antonio Banderas e, até o hoje tão discutido – pelas piores razões – Gérard Depardieu, são apenas alguns dos nomes da sétima arte que possuíram ou possuem adegas e vinhas, nos EUA, Espanha, França, Itália ou Nova Zelândia. Do mundo da música, Cliff Richards (que teve a Adega do Cantor no Algarve), será o exemplo mais próximo. Mas também Dave Matthews, Mary Blige, Brandi Carlile, Mick Fletwood, Kylie Minogue, Sting, Pink e Snoop Dogg fazem parte da lista. Lista essa que se estende ao desporto, com o basquetebolista Yao Ming, o piloto Mario Andretti, os golfistas Nick Faldo e Greg Norman e os futebolistas David Ginola, Ronaldo “Fenómeno” e Andrés Iniesta, entre vários.
Como já perceberam pela capa desta revista, abordo o tema por causa de Francisco Costa, o Costinha do futebol. Quando nos cruzámos pela primeira vez, há quase duas décadas, já Costinha era um apreciador de vinhos, gosto que ganhou no Mónaco, para onde foi jogar com 20 e poucos anos. Hoje, é um profundo conhecedor do que de melhor se faz em Portugal e no mundo. E também um pequeno produtor que participa activamente em todo o processo, na vinha e adega, e engarrafa um vinho de excelência.
Chegados a este ponto, talvez percebamos melhor o que é que o vinho tem, capaz de atrair ricos e famosos a este mundo tão particular. Não é certamente a razão que os move, antes o coração. A paixão, o prazer da descoberta, a exaltação dos sentidos, não coisas que se expliquem. O vinho tem tudo isso e Costinha sabe-o bem.
PS: A peça sobre o novo desafio de Costinha foi a última escrita nesta revista pela jornalista Mariana Lopes. Também ela troca de profissão, mas, felizmente, mantém-se ligada ao mundo vínico. O seu talento vai agora estar do “outro lado”, onde o vinho nasce. No seu lugar, a partir da edição de Fevereiro, coordenando a redacção da Grandes Escolhas, estará o experiente jornalista José Miguel Dentinho, com muitos anos de escrita nesta área. A ambos desejo muita sorte e sucesso.