No ano 2018 a Herdade da Amada, situada em Elvas, foi adquirida pelo grupo empresarial da família Marvanejo (Armazéns Marvanejo), um grossista que se dedica à comercialização de inúmeros produtos do ramo alimentar, com especial incidência nas carnes de porco preto “Patanegra”, vinhos e destilados. Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da herdade, ao plantarem 14 hectares de vinha, o resultado de uma aspiração e de um sonho familiar.
“Quisemos fazer algo diferente do que já existia no mercado, e apresentar, ao mundo, vinhos que reflectissem, na nossa ideia, um novo e renovado Alentejo. Não queríamos produzir vinhos sobre-maduros, com excesso de álcool ou madeira a mais, mas antes apostar num perfil claro de elegância e frescura, vivacidade e autenticidade”, referiram Luís e Helena Marvanejo.
Bacelos bravos
E foi com esta ideia de vinho que, começando as coisas pelo princípio, como deve de ser, decidiram tomar a opção de, ao contrário do habitual, plantarem em bravo, talvez a primeira manifestação de amor para com a futura vinha, lembram-se da frase do Poeta?
Plantar bacelos bravos, por si só, não resulta em nada. É necessário, posteriormente, enxertar neles as videiras das castas que se pretendem criar. O processo começa pela escolha dos porta-enxertos. Os da Herdade da Amada foram seleccionados em vinhas velhas da região, recuperando assim a genética das vinhas velhas de sequeiro. Foram, depois, plantados na terra, tendo ficado a criar raízes durante um ano, um sistema radicular com maior profundidade para que a planta aguente melhor as altas temperaturas do Alentejo, garantindo, assim, um vinha durante mais anos, e, ao mesmo tempo, dando alguma resposta ao problema das alterações climáticas
Adicionalmente, este método, segundo Luís Marvanejo, permite que, a longo prazo, se poupe dois terços da água geralmente usada nas regas de uma vinha normal.
Quando os porta-enxertos já revelam a circulação da seiva, são colocadas, então, as videiras, meticulosamente identificadas e colhidas durante o Verão, uma a uma, tendo ficado armazenadas numa câmara frigorífica até Março-Abril, altura em que são colocadas nos porta-enxertos. O terreno foi dividido em parcelas identificadas, tendo sido enxertada, em cada uma delas, a casta que previsivelmente melhor se adaptará, depois de previamente estudados e analisados os respectivos solos.
Este método de plantação em bacelo bravo, para além de ser uma prática muito antiga, é também mais morosa e dispendiosa, existindo sempre a opção alternativa de adquirir porta enxertos já prontos. No entanto, a opção pelo método de enxertia tradicional constitui um forte motivo de orgulho para Luís e Helena Marvanejo, razão pela qual lhe é dada menção de destaque no rótulo dos vinhos da casa, ou não fosse a Herdade da Amada um dos maiores vinhedos da região inteiramente plantado com enxertia no local.
A vinha está entregue ao viticólogo José Luís Marmelo, e a enologia conta com as contribuições do enólogo residente Bruno Pinto da Silva e o conhecimento e experiência da enóloga consultora Susana Esteban que, por si só, dispensa grandes apresentações.
Produção integrada
A viticultura da Herdade da Amada, certificada pelo Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, é baseada no modo de produção integrada e segue o princípio da intervenção mínima, no respeito pela natureza das castas e do seu terroir. Este tipo de viticultura tem, como base, a prevenção aliada a uma forte monitorização e acompanhamento. Por seu lado, a enologia segue também o princípio da intervenção mínima. Trata-se de uma enologia subtractiva, de forte base científica, que trabalha ao máximo com a química da uva e o factor tempo, quase sem recurso a produtos enológicos, exceto quando estritamente necessário. E este será, provavelmente, o segundo momento de demonstração de amor para com a vinha.
Resta saber se o termo “intervenção mínima” será o verdadeiramente correcto, pois toda a atenção, constante monitorização e acompanhamento da vinha, aliado ao forte trabalho científico com a química da uva e factor tempo, não serão antes uma verdadeira e salutar “intervenção máxima”? Mas isso são contas de outro rosário…
Com solos argilo-calcários, clima tipicamente Mediterrâneo, caracterizado por verões quentes e secos e invernos chuvosos, foram escolhidas dez castas a serem plantadas, após selecção massal. Nas brancas, Arinto, Fernão Pires de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Roupeiro e Verdejo de Rueda DO. Nas tintas, Alicante Bouschet, Castelão, Syrah do Rhône, Grand Noir de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Touriga Nacional do Crasto e Tempranillo (Aragonez) de Toro DO. De momento, para a vinificação, ainda se recorre aos serviços de uma adega em Arronches, mas está já em andamento o projecto para a construção da própria adega na Herdade da Amada.
A primeira vindima foi em 2022, tendo resultado vários vinhos, um branco e um tinto de lote, com produção de 6898 e 11630 garrafas, respectivamente, ambos já disponíveis no mercado, e ainda três monocastas, Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet, que deverão sair durante a Primavera de 2024, em virtude de precisarem de mais tempo depois de um curto estágio em madeira.
E eis-nos chegados ao momento em que podemos constatar a frase inicial do Poeta, será que a vinha correspondeu a tanto amor, cuidado e dedicação? A resposta é francamente positiva. Brindemos pois!
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)