Muito provavelmente, a primeira recordação de qualquer português sobre a história do nosso território, anterior à nacionalidade, está ligada à palavra da antiga professora ou professor da escola primária, hoje denominada primeiro ciclo de escolaridade. Atualmente, os manuais digitais e os quadros multimédia substituíram os livros com magras ilustrações e o quadro negro com letras gordas desenhadas pela letra irrepreensível da professora. Ainda assim, dependendo do maior ou menor virtuosismo profissional e da atenção dos alunos, há algo que não mudou: a boca semiaberta ou os olhos bem despertos pela surpresa e admiração dos discentes quando ouvem falar pela primeira vez dos tempos do Conde D. Henrique, do Condado Portucalense e da sua descendência. Os edifícios deste período histórico nem sempre são de fácil acesso a todos os alunos de Portugal. Mas o Norte do país continua a apresentar inúmeros pontos de referência dos tempos que ficaram perdidos nos interstícios da história de Portugal. Um magnífico exemplo é a Casa-solar dos Azevedo, datada do século XI, localizada na freguesia de Lama, próximo de Barcelos, que foi utilizada pela primeira vez por D. Guido Viegas de Azevedo, rico-homem do tempo do conde D. Henrique.
A Casa-solar dos Azevedo foi, literalmente, o berço ancestral desta família que governou um vasto território que se estendia desde o além Cávado até Braga e Lanhoso. Desta família despontaram cavaleiros que ajudaram a construir e consolidar o reino de Portugal, depois em África e na Índia. Mais tarde, geraram altos embaixadores que firmaram alianças e tratados nas várias cortes europeias. No século XX, o brilho histórico começou a desvanecer-se e, em 1936, o Solar foi vendido em hasta pública.
De ruína, a quinta imponente
Em 1982, a Sogrape adquiriu o Solar, pela mão de Fernando Guedes. Estava praticamente em ruínas, e compreendia a torre do século XI, reedificada no primeiro quartel do século XVI, o corpo residencial do século XVIII, com a varanda colunada sobre o jardim e o edifício do século XIX.
Durante quatro anos, Fernando Guedes e a sua mulher, auxiliados pelo arquiteto Eduardo Rangel, dirigiram as obras de restauro e decoração do solar utilizando mobiliário e peças do século XVII e XVIII. O esforço e o desvelo aplicados na requalificação do imóvel pela família Guedes foram de tal ordem que este rapidamente se transformou, como referiu Fernando da Cunha Guedes, neto de Fernando Guedes e atual líder da Sogrape, “na menina dos olhos do meu avô que manteve e obrigava a manter em perfeito estado de conservação”.
Foi igualmente realizado um estudo profundo sobre a adaptação das castas aos 23 hectares dos terrenos iniciais da propriedade, tendo-se optado por um primeiro encepamento alicerçado nas castas Loureiro e Arinto que, em 2007, contabilizava 11,7 hectares. Atualmente, e depois de várias replantações, a Quinta de Azevedo tem 24 hectares de vinha, de um total de 34, alicerçada em duas castas: Loureiro e Alvarinho. A primeira ocupa a maior área de plantação, 23 hectares, e a segunda apenas 10 hectares. Existe ainda um campo experimental com cerca de um hectare que congrega, nas palavras do enólogo Diogo Sepúlveda, “um lote de seis castas mais aptas a resistir às alterações climáticas: Arinto e Sauvignon Blanc, entre outras”.
Curiosamente, a aquisição da propriedade, em 1982, e posterior requalificação da Quinta do Azevedo marcou o início de uma longa e famosa lista de compras de inúmeros projetos vínicos nacionais e internacionais. Pouco tempo depois, em 1987, a Sogrape adquiriu, num sonante e muito mediatizado negócio, a empresa A. A. Ferreira, marcando a entrada no setor do vinho do Porto e passou a integrar, no seu portefólio os vinhos, já muito reconhecidos e ambicionados pelos consumidores, da simbólica e histórica Casa Ferreirinha. Em 1995, a Sogrape integrou a Forrester, detentora da marca Offley, reforçando a sua presença no setor do Vinho do Porto e guindando-se a uma das maiores empresas exportadoras do setor. Dois anos depois completa a aquisição da Herdade do Peso, no Alentejo e da Finca Flichman, localizada na Argentina, mais propriamente na região de Mendoza. Com este último passo iniciou-se uma estratégia aquisitiva de cariz verdadeiramente internacional. O novo milénio consolidou a presença da empresa no setor do vinho do Porto e a sua estratégia internacional com a aquisição da marca Sandeman, que incluía vinhos do Porto, Jerez e Brandy. Em 2008 adquiriu a Viña Los Boldos, no Chile e, em 2012, estendeu as operações a Espanha com a aquisição das Bodegas LAN que, para além da operação principal, na região de Rioja, se estendeu às Rías Baixas, Rueda e Ribera del Duero.
Diogo Sepúlveda, líder dos departamentos de enologia de Mateus, Vinhos Verdes, Dão e Lisboa da Sogrape
Uma nova imagem e filosofia para os novos vinhos da Quinta de Azevedo
A apresentação dos novos vinhos da Quinta de Azevedo decorreu, como não podia deixar de ser, no piso térreo da torre original do atual solar, onde tínhamos à nossa espera Fernando da Cunha Guedes, diretor executivo da Sogrape. Este apresentou o enólogo Diogo Sepúlveda como alguém que “detém um conhecimento de mais de 15 anos do setor, com percurso profissional que inclui vasta experiência internacional, com projetos desenvolvidos em Portugal e no estrangeiro” e, por isso, assumiu a liderança dos departamentos de enologia de Mateus, Vinhos Verdes, Dão e Lisboa.
Os novos vinhos apresentados representam um reposicionamento para a marca Quinta de Azevedo, dotando-a de maior ambição, e possuem diversas características em comum. Em primeiro lugar, as uvas utilizadas em todas as referências foram produzidas em conformidade com as diretrizes de produção integrada de agricultura sustentável, definidas pela Organização Internacional de Luta Biológica contra Organismos Nocivos. A segunda característica é ostentarem a classificação Regional Minho. “Esta nomenclatura foi muito debatida internamente e acabou por ser a adotada”, referiu Diogo Sepúlveda. Por último, as referências apresentadas revelaram uma nova rotulagem mais cuidada e apelativa para o consumidor.
Começámos a prova pelo Quinta de Azevedo Loureiro Escolha, da colheita de 2022. O enólogo relembrou que “foi um ano com acumulados de precipitação inferiores à média dos últimos três anos e com uma primavera e verão muito quentes”. As uvas foram prensadas suavemente a baixas temperaturas e o vinho estagiou durante seis meses sobre as borras com batonnage frequente. Parte do lote estagiou em barricas usadas de carvalho francês.
Em seguida provou-se o Quinta do Azevedo Escolha Alvarinho, do ano 2023 que, segundo as palavras do enólogo, “foi fruto de um inverno bastante chuvoso, que depois se revelou muito seco, conduzindo a uma vindima muito precoce”. Uma pequena parte do lote estagiou em toneis e barricas usadas de carvalho francês.
Para o final estava reservada a estrela do trio. Trata-se de um vinho de lote composto por 70% de Alvarinho e 30% da casta Loureiro, do ano de 2023. Após a fermentação alcoólica, estagiou durante oito meses em toneis de 1200 litros e barricas de 500 litros de carvalho francês de primeira e segunda utilização. Uma pequena parte do lote estagiou sobre borras em depósito de inox para preservação de toda a frescura. Este verdadeiro topo de gama (€30), até agora inexistente no portefólio Quinta de Azevedo, mostra-se um vinho ainda muito jovem, seco e revela um perfil capaz de compaginar untuosidade e frescura.
Os vinhos agora chegados ao mercado espelham a ambição da Sogrape na região dos Verdes onde, com a marca Gazela, é um “player” de referência nos vinhos de maior volume e pretende claramente sê-lo também nas categorias mais exclusivas. Assim, a vetusta Casa-solar dos Azevedo, agora renovada e vestida de vinhedos, volta a inscrever o seu nome na história, desta vez na narrativa vínica do país e do mundo pela mão da maior empresa nacional do setor.
*Nota: O autor escreve de acorno com o novo acordo ortográfico.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)