Editorial: Então é assim

Editorial da edição nrº 101 (Setembro de 2025)

É uma das mais clássicas interrogações do jornalismo: até que ponto a isenção é condicionada pelos gostos ou preferências de quem escreve? A deontologia profissional exige que o jornalista seja independente e isento. Mas o jornalista não deixa de ser uma pessoa. E podendo e devendo salvaguardar, com afinco, a sua independência, dificilmente consegue assegurar a completa isenção.

Os jornalistas escondem, sempre, as suas preferências. Na tradição europeia, os que escrevem sobre política nunca dirão em quem votam nem apelarão a um sentido de voto. E, no entanto, enquanto apaixonados pelo tema, é certo que se identificam com determinadas ideias, pessoas e partidos. E rejeitam outras e outros. Pode então a sua análise aos méritos deste ou daquele político, ou desta ou daquela proposta, ser inteiramente isenta?

Algo quase impossível no jornalismo desportivo, sobretudo no futebol, onde o adepto é irracional por natureza. Não existe uma razão para se ser deste ou daquele clube. É-se, simplesmente. Sendo os jornalistas desportivos também adeptos, com que isenção avaliam um jogo ou um jogador?

Já quem escreve sobre gastronomia (ou vinhos) não vê o mundo a duas cores. É normal apreciar sabores muito distintos ou estilos bem diversos. Ainda assim, terá favoritos e ódios de estimação. Se um jornalista detestar abóbora (é o meu caso…) com que rigor vai avaliar um prato baseado naquele fruto?

Felizmente, não escrevo sobre comida. Mas escrevo sobre vinhos. E tal como os jornalistas de outras áreas, tenho as minhas preferências. E tal como eles (ou, acredito, a maioria deles) esforço-me ao máximo por impedir que os meus gostos influenciem o meu julgamento. Sei que, conscientemente, não beneficio ou prejudico um vinho em função de apreciar mais este ou aquele estilo ou região. Mas não posso garantir, com toda a certeza, que nunca o faça sem dar por isso. Essa garantia, nenhum ser humano pode dar.

Um crítico de vinhos (ou comentador político) não é suposto ser isento. Mas um crítico de vinhos que seja, ao mesmo tempo, jornalista, tem a obrigação de, a todo o custo, procurar sê-lo. E embora entenda que a exposição pública possa ser mal interpretada, seria bem melhor para o profissional do jornalismo, qualquer que seja a sua área, se os seus leitores soubessem para onde o seu coração (ou cabeça, ou estômago…) se inclina.

Não me importo de dar o primeiro passo. Então é assim. Sou bastante eclético, aprecio vinhos muito distintos no perfil. Mas nos tintos, gosto de garra tânica, estrutura e boa acidez. E nos brancos, sou pela untuosidade, elegância e frescura crocante. Não sou fã da fruta exuberante, prefiro os aromas e sabores vegetais de bosque ou frutos citrinos, às framboesas, groselhas e frutos tropicais. Entre vinhos de igual qualidade, escolho beber os menos alcoólicos. Mas detesto vinhos de uvas verdes (uma moda ridícula que, espero, passe depressa). A barrica em nada me incomoda se for boa e discreta. Nos varietais tranquilos, vou nos Encruzado, Baga, Alvarinho, Loureiro, Alicante Bouschet e Cabernet e passo Viognier, Merlot, Moscatel, Pinot e Gewurztraminer. Adoro espumantes “bruto zero” e com longo estágio em cave (aqui o Pinot é muito bem-vindo) e dispenso Pet Nat, Late Harvest e destilados.

Regiões? Na minha garrafeira estão todas bem representadas. Mas se fosse possível aferir as favoritas pelas garrafas que espreitam nas prateleiras, poderia dizer que, em tintos, prevalecem Bairrada, Douro e Alentejo, em partes quase iguais. E em brancos, Monção e Melgaço (dominante), Bairrada e Dão. Nos licorosos, Porto (bem maioritário), Madeira e Setúbal. Para terminar esta declaração de interesses, devo acrescentar que gosto imenso de tintos Barolo e Bordeaux e brancos Mosel, Bourgogne e Jerez mas, infelizmente, não abundam cá em casa… L.L.

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