As vinhas, ainda que ocupando 60 hectares, parecem ser um parceiro muito discreto neste gigante universo agrícola, muito vocacionado para exportar quase toda a produção. Dizemos discreto, porque a vinha está ali, sossegada no concelho de Odemira, na Costa Vicentina, enquanto o frenesi de chegada e partida de carregamentos em camiões TIR impressiona o visitante. Falamos da FRUPOR, empresa responsável por alguns alimentos frescos que encontramos no supermercado e muitas das verduras das floristas.
O gosto do vinho era antigo e o norueguês Ole Martin Siem, o proprietário, começou a interessar-se pelas potencialidades daquela zona localizada perto do mar, para gerar vinhos de grande qualidade. Mas, tal como nos confirmou, mais importante do que começar por fazer uma adega state of art, era ter boas uvas e boa maneira de as fazer chegar nas melhores condições à adega. Durante vários anos, tiveram de recorrer a adega alugada (Perescuma), mas, finalmente, a nova adega está a funcionar, “sem ousadias arquitectónicas, uma vez que o mais importante é a câmara de frio para arrefecer as uvas, as boas condições da adega, com cubas de inox e cimento, barricas quantas as necessárias. Tudo funcional”, relembra-nos o produtor. É secundado por Bernardo Cabral, o enólogo responsável pelos vinhos e líder de uma equipa, da qual faz parte Ana Rita Bouça, enóloga, que também assegura os comandos do laboratório e com quem já tinha trabalhado com ele nos Açores, além de Jorge Martins, na viticultura, e Pedro Cavaleiro, na área comercial.

Contrariamente ao que é habitual, a adega está sobredimensionada, porque há ainda o objectivo de fazer prestação de serviços para terceiros. Não tem um restaurante associado, mas, na loja, podem servir-se petiscos regionais, para acompanhar os vinhos servidos aos visitantes. Foi aí exactamente que fizemos as provas. Ter a adega no meio da vinha tem enormes vantagens. Bernardo Cabral recorda: “como temos boas câmaras de frio podemos ir programando a vindima paulatinamente, parcela por parcela.” A vindima estende-se, assim, por um mês e meio, sem pressas.
Nesta zona de forte influência marítima, os brancos ganham uma enorme importância, nomeadamente os que são feitos a partir da casta Sauvignon Blanc. As neblinas que trazem a maresia para terra fazem toda a diferença, “e quando elas não vêm, os vinhos ficam diferentes e menos ricos”, explica o enólogo. A Sauvignon Blanc tornou-se assim a casta-emblema da casa, produzida pela primeira vez em que 2014, logo seguida, em 2015, pela Pinot Noir, a tal casta difícil, grande apreciadora de climas mais frescos. Era também inevitável que a Alvarinho aportasse, agora que se tornou uma variedade a que todos querem chegar. Para complementar este ramalhete, destacam-se a Chardonnay, variedade procurada por todos, na tentativa de fazer um branco de carácter borgonhês.
O projecto pode ser viável, até porque existe uma amizade pessoal entre o produtor do Vicentino e Henri Boilot, conhecido e famoso produtor da Borgonha. Da sua propriedade foram trazidas varas daquela casta, bem como barricas de segunda utilização, para aqui se fazer um Vicentino de perfil “afrancesado”. O projecto está em curso, o vinho já existe, mas não o incluímos nas notas de prova, uma vez que sugere precisar de tempo em garrafa para afinar; a prova fica para mais tarde. A curiosidade foi Henri Boilot, que marcou presença e provou o vinho produzido com a casta Sauvignon Blanc, ter afirmado: “finalmente, provei um bom Sauvignon Blanc!” À frase é preciso descontar o pouco valor que em França se dá aos vinhos de outra região que não a própria… Fica o comentário elogioso, sem dúvida.
A casta Sauvignon Blanc tornou-se a marca-emblema da casa, o vinho foi produzido pela primeira vez em 2014, logo seguido, em 2015, pelo Pinot Noir
Sauvignon em destaque
O vinho de Sauvignon Blanc produzido pela Vicentino integra-se na família das Sauvignon de perfil aromático pleno de vegetais verdes, com notas apimentadas, no qual estão ausentes as notas de fruta tropical mais habituais nos vinhos mais gordos e mais maduros, mais característicos do interior do que da costa. A influência do mar, da neblina e a temperatura mais amena são determinantes para o perfil da casta. Os estafados descritores relacionados com o sal podem ser usados com propriedade, já que estamos a escassas centenas de metros do mar, em arribas selvagens e inóspitas, mas, também por isso, tão atractivas.
Aquando da nossa visita, a vinha estava em plena “explosão” vegetativa, com um crescimento “que se vê dia-a-dia”, como nos disse Jorge Martins, também muito satisfeito com o trabalho de reenxertia de algumas castas, a qual se optou por abandonar, como a Fernão Pires. Estar perto do mar tem vantagens, mas é uma dor de cabeça permanente em virtude da propagação das doenças da vinha, como o míldio e o oídio. Optou-se por uma atitude racional e não fundamentalista: quando é preciso intervém-se, com o objectivo último de salvar a produção. As vinhas mais novas têm herbicida nas linhas, porque o entre-cêpas acaba por cortar tudo a eito e a dimensão da vinha não permite um trabalho manual. Já nos espaços entre as filas de videiras, houve o cuidado de permitir o desenvolvimento vegetativo, que possa enriquecer, arejar e vivificar o solo, permitindo uma competição (moderada) com a cêpa.
Se o gosto do consumidor for para vinhos tintos muito estruturados, concentrados e muito ricos, com forte presença de madeira e taninos em evidência, então este não é destino certo. Favorecidos pelo mar, o conceito é outro, mais elegante, mais fino, menos denso. Para sorte (ou não) de Ole Martin Siem, esta é a tendência actual. Provavelmente por isso, as exportações têm cada vez mais significado, quer para a Europa Central, quer para os Estados Unidos e o Brasil. A sorte, como sabemos, dá imenso trabalho e esse, por aqui, não falta.
Da Borgonha trouxeram-se varas e barricas para fazer aqui um Chardonnay de inspiração francesa
500 hectares em produção
A vinha onde se colhem as uvas utilizadas na produção do vinho Vicentino está inserida num complexo agrícola de grandes dimensões. É aqui, bem perto da Zambujeira do Mar e a poucas centenas de metros da falésia, onde encontramos a casa outrora pertença de Amália Rodrigues, que ficam os campos agrícolas e as estufas de Ole Martin Siem, há quatro décadas em Portugal. O proprietário recorda-nos: “quando aqui cheguei, eu era o único estrangeiro. Hoje, temos trabalhadores de 15 nacionalidades no nosso projecto”.
A actividade agrícola estende-se desde a produção de couve chinesa e cenouras baby, até fetos, eucaliptos ornamentais e verduras para os ramos de flores que compramos nas floristas. Falamos então de 500 hectares de terra e 400 trabalhadores. A alimentação de tanta gente é assegurada, quer pela cantina fixa, quer pelas cantinas móveis, que se dirigem às zonas mais afastadas onde estão os funcionários da empresa. A actividade e circulação de pessoas é intensa e são diários os camiões TIR que ali carregam caixas com legumes ou verduras, posteriormente exportadas para os Países Baixos e de lá distribuídas para toda a Europa. Ao fim da tarde, chegam vários autocarros de passageiros, que levarão de volta os trabalhadores aos seus aposentos. O complexo funciona de uma forma muito “oleado” e inclui um espaço de turismo rural. Em breve, este alojamento será alargado a um hotel. A vinha ocupa 60 hectares e a selecção de castas foi muito abrangente, incluindo nacionais e de fora. Assim, temos Alvarinho, Arinto, Viosinho, Sauvignon Blanc e Chardonnay, nos brancos e, nos tintos, Touriga Nacional, Aragonez, Pinot Noir, Syrah, Alicante Bouschet e Merlot. Actualmente, são 16 as referências que constam no portfolio, as quais são distribuídas por cinco gamas: Poente, Nascente, Neblina, Luar e Naked (gama de vinhos sem madeira).
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2025)