Esta é uma realidade comum, que tanto afeta o consumidor, como prejudica o consumo consciente e sustentado de vinho nos espaços de restauração. Mas, afinal, por que motivo o vinho é mais caro nos restaurantes? E mais importante ainda: poderá esta realidade ser diferente, sem comprometer a rentabilidade do negócio? Vamos explorar esta questão com uma análise clara, justa e através de propostas construtivas.
Porque é que o vinho é mais caro nos restaurantes?
A valorização do vinho na restauração é uma prática comum em todo o mundo e, muitas vezes, assume proporções que afastam o consumidor. Vamos analisar alguns dos vários fatores que influenciam os preços:
- a) Margem comercial: a margem praticada pode variar entre 200% a 400%. Um vinho comprado por 5€ pode surgir facilmente na carta por 15€ a 25€. Esta margem cobre custos operacionais, desperdícios, impostos e, em muitos casos, ajuda a compensar as baixas margens dos pratos.
- b) Custo de armazenamento e stock: o vinho ocupa espaço, exige condições específicas (temperatura, humidade, luz), e nem sempre roda com rapidez. O capital investido em stock parado também é um risco que o restaurante tenta compensar com o preço final.
- c) Perdas e desperdício: uma garrafa aberta que não é vendida até ao fim pode representar perda total. É o maior risco quando temos vinhos a copo. A margem tem de cobrir este possível desperdício.
- d) Custo do serviço: bons copos, sommelier, formação da equipa e serviço de qualidade são diferenciadores. Este conjunto de factores tem um custo real que precisa de ser refletido.
- e) IVA elevado: em Portugal, o vinho é tributado com IVA de 23% na restauração. No retalho, é tributado com IVA de 13%. Esta diferença impacta diretamente no preço final ao consumidor, no restaurante.
- f) Necessidade de margem nos restaurantes pequenos: muitos restaurantes vivem com margens reduzidas na comida e usam o vinho e as bebidas como forma de equilibrar a rentabilidade global do serviço.
Por conseguinte, a valorização do vinho não surge de forma arbitrária. Resulta, isso sim, de uma série de condicionantes económicas, logísticas e fiscais.
O Impacto da margem elevada no consumo
Apesar de compreensíveis, estas práticas têm efeitos colaterais claros:
Menor consumo por parte do cliente: muitos evitam pedir vinho à refeição ou limitam-se ao jarro ou à garrafa mais barata.
Desinteresse em vinhos mais valiosos: vinhos de gama média e alta ficam esquecidos na carta por terem preços pouco atrativos ou, até mesmo, proibitivos.
Perda de oportunidade de valor: um cliente que gasta menos em vinho não representa apenas menos receita; representa menos prazer, menos partilha e menor experiência.
O vinho não deve ser encarado como um extra; pode, isso sim, ser o fio condutor de uma refeição memorável. Contudo, quando o preço se impõe como barreira, perde-se a oportunidade de criar fidelização e valor.
Boas práticas e alternativas sustentáveis
O caminho não passa por eliminar a margem, mas por ajustá-la com estratégia. Aqui ficam algumas sugestões:
- a) Margens mais realistas: em vez de aplicar uma margem linear a toda a carta, importa considerar escalas variáveis. Vinhos mais baratos podem ter margens mais altas, enquanto os de gama média podem ter margens menores, tornando-se mais acessíveis e com maior rotação.
- b) Cartas inteligentes e curadas: menos referências, maior conhecimento sobre os produtos, melhor formação da equipa. Uma carta bem pensada pode rodar melhor e exigir menos margem, ganhando valor no volume.
- c) Parceria com distribuidores competentes: em Portugal, o contacto direto com o produtor ainda é limitado, mas um distribuidor com boa curadoria e apoio ao restaurante pode criar valor.
- d) Opções por copo com sistema de preservação: investir em sistemas, como o Coravin ou semelhantes permite servir vinhos mais caros a copo sem risco de desperdício.
- e) Educação do cliente: cartas com informação clara, storytelling sobre o vinho, origem, produtor e harmonização. Uma carta que educa gera confiança e valor percebido.
Com boas práticas, é possível reduzir as margens e, paradoxalmente, aumentar o consumo e o lucro final. É a diferença entre vender duas garrafas com muita margem ou 10 com margem mais moderada.
Benefícios de um modelo mais acessível
Fidelização do cliente: preços justos aumentam a perceção de valor e a satisfação.
Aumento de ticket médio: se o vinho se torna mais acessível, o cliente pede mais vezes.
Mais rotação de stock: reduz o capital imobilizado e melhora a gestão.
Criar cultura de vinho: torna-se um hábito, valorizando toda a cadeia sem se tornar um luxo ocasional.
Conclusão: um convite ao equilíbrio
O vinho é cultura, prazer, partilha. Mas também é negócio e, como em todo o negócio, o segredo está no equilíbrio: margens justas, experiência positiva, relação de confiança entre restaurante e cliente. Não se trata de abdicar do lucro, mas de pensar a longo prazo. De transformar cada refeição com vinho num momento que fideliza. Num país produtor, onde o vinho faz parte da identidade, não faz sentido continuar a tratá-lo como um produto de luxo inalcançável. O convite fica feito aos restauradores: vamos refletir sobre a forma como tratamos o vinho nas cartas. E se, em vez de pensar em quanto mais podemos ganhar com cada garrafa, pensássemos em quantas mais podemos vender?
Por: Helder Cunha* Enólogo e produtor de vinho
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

