GRANDE PROVA: PORTO LBV, o futuro aqui tão perto

Era uma vez um bar de vinhos em Lisboa que nasceu no ano da Expo 98. Ali, à revelia do que a legislação autorizava na época, decidiu-se servir vinho a copo; não uma zurrapa que resultava dos restos acumulados das garrafas deixadas nas mesas, mas sim, vinho de marca, de boa marca, servido em bons copos e à temperatura correcta. Ali havia dois Menus de Prova, nome aportuguesado de menu dégustation, constituído por quatro momentos (para usar a terminologia actual). Num dos menus, a sobremesa era servida com Porto LBV e, no chamado Menu Especial, o tal Porto passava a ser Vintage. Tudo raro na época, dos copos Riedel ao menu de prova e com a ousadia do Porto. Menu fixo e, logo, quem o encomendasse, tinha o Porto para beber. Ah e tal “não gosto muito de Porto”, mas, como estava “à mão” e incluído no preço, vamos beber. As surpresas foram mais que muitas. O que mais se ouvia, perante o LBV, eram frases do género: “mas isto é vinho do Porto? Mas eu nunca bebi nada assim! Isto é maravilhoso!” E assim foram muitas as garrafas que ali se consumiram e muitos os consumidores que foram conquistados.

Vamos ver a história de outro ângulo: num dos mais conhecidos restaurantes de Lisboa, daqueles que vendem centenas de garrafas por dia, reparo que, na cave, há muitas garrafas de Porto. Indago: porquê tantas garrafas, se não servem Porto à mesa? Resposta desconcertante de quem manda na casa: “o problema é que se os clientes começam a beber Porto e nunca mais se vão embora e o que eu quero é rodar as mesas!” Não é preciso dizer mais. Se a restauração não aposta no Porto e se as empresas não apostam na restauração ou, para ser mais justo, na promoção em geral, e se o IVDP faz menos do que deveria pela promoção do Porto no mercado nacional, não há grande futuro pela frente. Mesmo que fosse servido como “oferta da casa” ou “mimo do Chef” ou outra designação pomposa, uma garrafa de Porto LBV faria felizes 10 a 15 clientes. Dizer que seria uma boa maneira de os convidar a voltar é tão óbvio que nos abstemos de o comentar.

Verdadeiramente especial

O LBV integra as Categorias Especiais de Vinho do Porto, dentro da família Ruby, os Porto de tonalidade vermelha e vocacionados para a evolução em garrafa, como o Vintage. Na outra família encontramos os Tawnies, os vinhos do casco, onde vamos encontrar as referências com indicação de idade, e os Colheita, todos longamente estagiados em madeira.

Tal como aconteceu com outras categorias de Porto, o LBV nasceu sem nome identificativo; era um Porto que não era Vintage, que tinha ficado para trás e que algumas casas engarrafavam com alguns anos, na expectativa de poderem vender com outra marca. Algumas, como a Ramos Pinto, tinham mesmo vinhos da década de 20 do século passado correspondentes a essa categoria. Assim, quando finalmente a legislação saiu em 1973, e entrou em vigor em Janeiro de 1974, algumas casas – com base nas contas correntes que tinham no IVDP – resolveram colocar no mercado vinhos com a designação LBV, engarrafados entre o 4º e o 6º ano após a vindima, de boa concentração de cor e mais acessíveis, para serem consumidos novos.

Ao operador eram deixadas várias opções: fazer um LBV previamente filtrado ou, em alternativa, engarrafar vinho sem filtração, com essa indicação (facultativa) no rótulo; esta categoria permitia ainda que um vinho fosse guardado na empresa muito mais tempo do que o previsto na lei, podendo então ser usada a designação Bottled Aged.

Nesta Grande Prova vamos encontrar LBV dos três tipos. Algumas empresas têm crescido muito nesta categoria, como a Taylor’s, que faz do LBV a sua principal referência, com cerca de 1.500.000 garrafas/ano. Trata-se de um vinho filtrado e que, por via disso, tem todas as características para ser um “Porto de restaurante”, uma vez que não requer decantação nem manuseamento especial e, sem problema, pode viver com qualidade até um mês depois de aberto. Tudo boas razões que, infelizmente, a nossa restauração não parece querer aproveitar. Ainda no grupo Quinta and Vineyard Bottlers (a que pertence a Taylor’s), a Fonseca faz “somente” 66.000 garrafas. Cremos que pelo facto da sua marca emblemática não ser um LBV, mas sim o Ruby Reserva Bin 27, um Porto que se situa a meio caminho entre o Ruby e o LBV. A Croft, mais comedida, faz cerca de 26. 500 garrafas.

Em Portugal e no mundo

Mesmo o consumidor mais avisado tende, por vezes, a olhar para o LBV como um Porto de consumo enquanto jovem. Tal não deve ser encarado como regra: apesar de ser bebível logo que é colocado à venda, o LBV mantém boas condições de prova durante décadas. Recordo-me de um LBV não comercializado, de um ano menos bom (1969) e que Peter Symington, então enólogo da empresa, resolveu engarrafar para comemorar o nascimento do filho. Passados 50 anos o vinho continua a dar boa prova.

O grupo Symington Family Estates é também muito forte nesta categoria: a marca Graham’s faz 740.000 garrafas, muito acima das restantes marcas do grupo; mais recentemente, também levou a cabo uma edição especial do LBV Graham’s Malvedos 2018, feito unicamente com uvas desta quinta, num total de 36.000 garrafas.

Os principais grupos do sector apostam forte nesta categoria, diversificando muito os mercados de destino. O grupo Kopke (antiga Sogevinus) faz 600.000 garrafas de LBV distribuídas pelas várias marcas; a Granvinhos vende 225.000 garrafas; a Sogrape, engarrafou 120.000 unidades em 2024, com maior foco nas marcas Ferreira e Sandeman, significativamente mais do que engarrafou em 2025. Para a Sogrape, o mercado interno representa 54% das vendas.

Este tipo de Porto presta-se muito para o engarrafamento de BOB, ou seja, vinhos com a marca do comprador (seja um distribuidor ou grande superfície) e isso é válido, quer para o mercado interno, quer para a exportação. A Granvinhos, tradicionalmente muito forte no mercado francês, faz cerca de 150.000 garrafas com a marca do comprador e qualquer visita que possamos fazer a uma loja de vinhos ou supermercado no centro/norte da Europa, vamos encontrar, com certeza, Porto LBV com marcas que não conhecemos.

Quando a categoria nasceu, o mercado inglês terá sido o destino inicial (muito por força das empresas inglesas do sector) mas, hoje, o mercado europeu, os EUA e o Canadá absorvem a maioria da produção, com o Brasil a mostrar igualmente algum interesse. E, claro, o mercado interno, beneficiando da exposição em termos de locais de enoturismo e onde é possível provar e comprar estes vinhos, quer no Porto (e Gaia), quer no Douro.

Vamos lá com calma ou a correr?

Por norma, os LBV são engarrafados logo que a lei autoriza, ou seja, ao 4º ano após a vindima. Quer isto dizer que poderíamos estar a provar agora o 2021 mas, dessa colheita, nesta prova, só tivemos um vinho, do Vallado; a esmagadora maioria dos vinhos avaliados nasceram na colheita de 2020 e, aqui e ali, algum mais antigo, como a Quinta do Grifo. Quanto a antiguidade, já se sabe, por experiência anterior, o LBV da Warre é sempre o vinho mais antigo destas provas. Longamente estagiado em cave, este, agora provado, tem a bonita idade de 15 anos, mas, como se percebe, apresenta uma saúde de ferro. Trata-se de um modelo de LBV que não teve seguidores noutras casas, mas que fazemos força para que continue. Com uma relação preço/prazer absolutamente esmagadora, é sempre dos vinhos que mais gostamos de provar. Depois de quatro dezenas de vinhos provados, fica-nos a eterna dúvida: devemos beber o LBV novo ou esperar por ele e deixá-lo dormir em cave? As respostas seguem dentro de momentos…

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)

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