Um dos mais icónicos vinhos portugueses, o Casa Ferreirinha Reserva Especial, tem mais uma edição em 2009. É um tinto glorioso, cheio e sedutor, mantendo a excelência a que o produtor nos tem habituado, e que na senda das versões de 2007 e de 2003 se afasta progressivamente no estilo do primeiro vinho da casa, o mítico Barca Velha.
TEXTO Nuno de Oliveira Garcia FOTOS Ricardo da Palma Veiga
À primeira vista, trata-se do mais conhecido segundo vinho português, na medida em que é tributário do Barca Velha, o topo da Casa Ferreirinha (parte do universo Sogrape desde 1987). Mas a verdade é que, rigorosamente, não se trata de um segundo vinho (pelo menos à imagem bordalesa que criou o conceito), pois não se trata de uma segunda escolha. Ao invés, trata-se da verdadeira primeira escolha, ou seja, do melhor que a Casa Ferreirinha pode produzir em cada ano, mas cuja prova ao longo do tempo impõe a classificação apenas como Reserva Especial.
Efetivamente, o engenhoso processo de seleção é terrivelmente eficaz. Primeiro, separa-se o melhor lote do Douro da Casa Ferreirinha, antigamente proveniente em grande parte da Quinta do Vale Meão, atualmente da Quinta da Leda, e trata-se com todos os carinhos e atenções (o que inclui, obviamente, estágio nas melhores barricas). Depois, engarrafa-se o vinho, nesse momento denominado Douro Especial, e espera-se entre meia a uma década. Durante esse tempo, provas sucessivas ajudam a que a equipa de enologia faça a derradeira escolha.
Não espanta, por isso, que a decisão de ser Reserva Especial mereça, após cada lançamento, tanto escrutínio e acesa discussão entre os enófilos esclarecidos. Em 17 edições, em pelo menos 3 delas ficou a dúvida se o vinho não poderia ter chegado a Barca Velha; falamos das colheitas de 1980, 1986 e de 2001. De resto, Luís Sottomayor, o atual responsável máximo pela enologia do Douro da Sogrape, reconhece isso mesmo, ao assumir que uma boa garrafa do Reserva Especial de 1980 é dos melhores néctares jamais produzidos no Douro, e que o Reserva Especial de 2001 ainda hoje o surpreende.
As últimas colheitas e lançamentos, todavia, têm trazido um novo vetor de diferenciação entre Reserva Especial e Barca Velha. Na verdade, se as últimas duas edições de Barca Velha (2004 e o fantástico 2008) trouxeram consigo um relativo corte com o passado na adoção de um perfil mais fresco, jovem e focado, já os mais recentes Reserva Especial (2003 e 2007) mantém um perfil clássico, marcado pelas típicas notas licoradas e a tabaco doce, bem como deliciosos taninos suaves. O Reserva Especial de 2009 agora lançado segue essa demarcação, com a prova de nariz a evidenciar já leve evolução e revelando-se sedoso e lácteo em boca, prontíssimo a beber, mas podendo ser guardado em cave sem hesitação.
De resto, o ano de 2009 não foi muito diferente de 2007 e caracterizou-se, à semelhança de 2003, por ser muito seco, com um Verão extremamente quente, principalmente durante o mês de agosto, o que levou a um rápido desenvolvimento da maturação. Essa maturação está bem patente no vinho, com os taninos absolutamente macios e bem maduros.
Se a nossa tese estiver certa, haverá mais probabilidade de declarações de Barca Velha em anos frescos, e de Reserva Especial em anos quentes. Mas, no final do dia, uma coisa é certa: a qualidade tem sempre sido excecional, e por isso não se espera coisa diferente para o futuro. E esse fantástico resultado é em grande parte explicado, além da reconhecida capacidade da região para grandes tintos e da mestria da equipa de enologia da Sogrape, pelo exaustivo processo de elaboração deste néctar.
Nesta edição de 2009, e após a escolha das melhores uvas, estas sofreram uma maceração suave em lagares com robots, com a fermentação alcoólica a ocorrer em cubas de inox com remontagem à mão. Depois, o vinho seguiu para Vila Nova de Gaia, onde realizou a fermentação maloláctica em barricas usadas. Após nova seleção, apenas os melhores vinhos foram transferidos para barricas novas de carvalho francês, onde estagiaram durante 12 meses. Finalmente, e uma vez selecionado o lote final, este voltou para as barricas durante mais 4 a 5 meses. É caso para dizer que foi uma autêntica via sacra para as 18.000 garrafas que estarão para venda pouco antes deste Natal. Resta dizer que o preço, sendo significativamente elevado para o padrão nacional, é menos de metade do último Barca Velha.