Portugal está na moda e os seus vinhos também. Milhões de visitantes cheios de “sede”; portugueses cada vez mais interessados; restaurantes e bares atentos à onda. Tudo isto conjugado e fica assim explicado o aparente paradoxo de, em contraciclo com o resto da Europa, o consumo de vinho estar a aumentar entre nós. Bebe-se mais e bebe-se melhor.
TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga
FINAIS da segunda década do século XXI. O consumo de vinho desce um pouco por toda a Europa produtora de vinho. Toda? Não! Num cantinho da península sudoeste do continente, um punhado de irredutíveis lusitanos continua de copo na mão a desafiar a lógica. Bom, valha a verdade que não estão sozinhos… Mais de 20 milhões de visitantes em 2017 deram o seu contributo para esta curiosidade estatística: Portugal é o país do mundo com maior consumo de vinho per capita!
Se dividirmos os 54 litros anuais que em 2015 as estatísticas “serviram” a cada um dos portugueses com mais de 15 anos, isso representa um copo diário por cabeça. Não parece muito, mas é. As médias são sempre enganadoras. Porque há muita gente que não consome bebidas alcoólicas (as estatísticas apontam para quase metade da população) ou bebe apenas ocasionalmente. Assim, os outros teriam de ficar com a sua quota-parte…
Dados revelados recentemente pela Nielsen mostram que, pela primeira vez nos últimos dez anos, o crescimento do mercado do vinho na restauração é superior ao da distribuição. Na verdade, foi o dobro, nos primeiros três trimestres de 2017: oito por cento, contra quatro no comércio.
E, no entanto, os números existem. Bebe-se mais em Portugal (per capita, convém salientar) do que em qualquer outro país de mundo, incluindo o insuspeito Vaticano, estrela da tabela em muitos anos anteriores. E bebe-se mais do que no passado recente: registavam-se valores de mais de 60 litros per capita no final do século XX, mas depois a tendência foi sempre descendente, até se aproximar nos 40 litros no início desta década.
Mistério? Não. As explicações estão à vista de todos: primeiro, a vaga de notoriedade dos vinhos portugueses; segundo, o boom no turismo; terceiro, e conjugando os dois anteriores, a crescente popularidade do vinho entre os consumidores, que agora podem frequentar wine bars, beneficiar de serviço a copo em cada vez mais locais, desfrutar de um serviço cada vez mais atento nos restaurantes e ancorar as suas escolhas num número crescente de fontes de informação. Beber vinho está na moda.
Dados revelados recentemente pela Nielsen, a empresa de estudos de mercado que trabalha, entre outros, com o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), mostram que, pela primeira vez nos últimos dez anos, o crescimento do mercado do vinho na restauração é superior ao da distribuição. Na verdade, foi o dobro, nos primeiros três trimestres de 2017: oito por cento, contra quatro no comércio. E isso representa outra inversão nas tendências recentes: em 2001, indicam os números da Nielsen, o comércio retalhista representava 67 por cento do mercado de vinho, enquanto a restauração movimentava os restantes 33 por cento; pouco mais de década e meia depois, em 2017, essas percentagens passam, respectivamente, a 82 e 18 por cento. Ou seja, a restauração estava há muito a perder importância. Agora, os restaurantes são o sub-grupo mais dinâmico do mercado, com um crescimento de 12 por cento face a 2016.
Portugueses gastam mais por garrafa
Outro fenómeno está a acontecer: Vende-se mais vinho e a um preço mais alto no chamado “on-trade” (retalhistas), com uma subida de 3,22 euros para 3,33 euros/média por garrafa e as pessoas a optarem cada vez mais por vinhos um pouco mais valorizados; vende-se mais vinho a um preço ligeiramente menor no “off-trade” (canal Horeca), com a média por garrafa a passar de 8,68 para 8,51 euros. Porque muitos responsáveis pelos restaurantes e cafés estão a apostar numa política de preços mais atractiva, que fomenta o consumo de vinho às refeições.
“Prefiro vender mais a menor preço. Assim as pessoas não se encolhem de pedir a bebida e pedem vinho. E os que já pediam acabam por beber um vinho melhor.” Sara Almeida, gerente da Casa Aleixo, um clássico restaurante do Porto, resume uma ideia muito ouvida por estes dias: quando não se exagera na margem de lucro dos vinhos engarrafados, essa opção acaba por compensar financeiramente devido ao aumento do volume de vendas. “O consumo de vinho tem vindo a subir na nossa casa, penso que devido à política de não carregar no preço”, corrobora José Pinto, proprietário do icónico lisboeta Os Courenses, onde a clientela é maioritariamente portuguesa.
Por outras paragens, e com outra freguesia, a verdade é que o discurso não muda muito. Manuel Janeiro, proprietário do algarvio Veneza, enumera os factores que explicam a subida do consumo de vinho no seu estabelecimento: “O turismo, a qualidade dos nossos vinhos e os preços acessíveis.” Aqui, não há percentagens sobre o preço das garrafas. Cobram-se dez euros pelo serviço, seja num vinho de seis euros (que passa a custar 16), seja num de 30 (que fica pelos 40)… O resultado é um consumo bem mais acentuado de vinhos de gamas mais altas.
Sabia que…
Em 2017, não só a mítica barreira dos 750 milhões de euros em exportações foi ultrapassada como se previa que o total das vendas para o exterior superasse os 800 milhões.
No lisboeta Solar dos Presuntos, Pedro Cardoso, o proprietário, não tem notado um aumento do consumo de vinho. E era difícil… “Sempre vendemos muito vinho e continua a ser assim. É quase impossível vender mais do que isto.” Já no Porto, Maria Luísa, proprietária do restaurante Antunes, tem notado “a diferença desde que começou esta vaga do turismo” e destaca o facto de a clientela estrangeira apontar para mais alto na tabela de preços. “O português bebe mais o vinho corrente; os turistas vão para preços mais razoáveis, não os mais caros, mas a outro nível.”
Os frequentadores dos restaurantes bebem mais e estão muito mais informados. Nomeadamente os portugueses: “Começam a perceber cada vez mais de vinho, bebem melhor e mais caro.” Quanto aos estrangeiros, “conhecem menos, não arriscam em
marcas menos conhecidas”, relata Pedro Cardoso. Mas… “Quem os viu e quem os vê! Há 30 anos, havia quem pedisse gelo para pôr no vinho. Agora extasiam-se com vinhos de 20/30 euros que nos seus países custam o triplo.”
“Nota-se a evolução, em termos de vinho e de gastronomia. Mesmo os estrangeiros, em muitos casos, sabem o que procuram, o que mostra que tem havido um bom trabalho de divulgação dos produtores lá fora”, acentua Sara Almeida. Quanto a Manuel Janeiro, depois de salientar que “há muita gente mais informada” sobre o que quer na mesa, ressalva, no entanto, que no Veneza muitos ainda pedem aconselhamento. “Talvez porque temos 1.500 referências na carta de vinhos…” Pois.
Novos padrões de consumo
O universo do vinho tem sofrido uma autêntica revolução em Portugal nas últimas duas/três décadas, olhando para o campo da produção. Mas os últimos anos têm sido ainda mais intensos no outro extremo da cadeia: o consumo. E grande parte do cenário actual fica marcado pelo turismo. Subitamente, o mundo descobriu Portugal e apaixonou-se. Pelo país e pela sua mesa: gastronomia e vinhos são um dos factores de agrado mais citados por quem nos visita. Simultaneamente, a imprensa especializada norte-americana começou a dar destaque aos vinhos portugueses, intensificando, claro, a curiosidade de quem nos visita.
É a “tempestade perfeita”, mas em bom, para os vinhos portugueses. O mercado interno dispara (e os dados da Nielsen não incluem, por exemplo, os negócios feitos em lojas de produtores), as exportações batem recordes. Mas deixemos os mercados externos para outras análises e vamos então olhar mais de perto para a frente interna. E aí dominam os vinhos do Alentejo, com 35,7 por cento do mercado na distribuição e 30,3% na restauração. Nos restaurantes e similares, o Minho (+10%, para uma quota de mercado de 16,7%) e o Douro (+24%, para uma quota de 8,0%) estão a crescer muito, mas os vinhos do Tejo (+48%, para 2,6%) são os que mais sobem nas preferências dos clientes. Lisboa (+26%), Península de Setúbal (+18%), Douro (+15%) e Dão (+14%) são as regiões que mais crescem no retalho.
Com a economia a crescer, o desemprego em baixa e a confiança dos cidadãos em alta (85%, apenas dois pontos percentuais abaixo da média europeia), os portugueses estão mais disponíveis para gastarem dinheiro no lazer e tempos livres.
No terreno, na relação com os clientes, as tendências são mais palpáveis. Para começar, a localização de um restaurante pode potenciar vinhos da região em que está inserido. No Veneza, “vende-se muito vinho do Algarve”; na Casa Aleixo, “principalmente Douro e Vinhos Verdes – estes últimos são os preferidos dos japoneses”. Para quem visita um país de vinhos, há sempre a curiosidade de provar o produto da terra, claro. Mas, como realça, Pedro Cardoso, o gosto pessoal e a aposta do dono do estabelecimento também são relevantes. “Como gosto muito do Douro, esses são os vinhos que mais vendo no Solar dos Presuntos.” Nos Courenses, Douro e Alentejo são líderes, naturalmente, mas José Pinto destaca ainda outra região: “O Dão está a aparecer com coisas diferentes e boas.”
Outra nota unânime é o peso crescente dos brancos no total de vendas. “A nota mais forte dos últimos tempos é mesmo o vender-se cada vez mais branco”, relata Pedro Cardoso. “Estão cada vez melhores…”, justifica Manuel Janeiro. Quanto ao Vinho do Porto, “é mais estrangeiros do que portugueses”, sintetiza Sara Almeida.
Com a economia a crescer, o desemprego em baixa e a confiança dos cidadãos em alta (85%, apenas dois pontos percentuais abaixo da média europeia), os portugueses estão mais disponíveis para gastarem dinheiro no lazer e tempos livres. Aliando esse factor ao poder de compra dos milhões de visitantes que por cá passam, entre outras coisas, para beber um copo, então o sector do vinho tem todos os motivos para encarar o futuro próximo do mercado interno com confiança. E não há grandes segredos para ganhar esta batalha: “O crescimento passa por continuar a criar a apetência ao vinho como produto nacional de grande qualidade e com uma boa relação qualidade/preço, ganhando consumidores a outras categorias”, sintetiza Manuel Carvalho Martins, New Business Development Manager da Nielsen.
Números
45
Quase metade (45%) das vendas de vinho nas grandes superfícies comerciais em 2017 aconteceu no âmbito de promoções. Esta percentagem mais do que duplicou em dez anos (era de 21% em 2008)
42,5
A garrafa (42,5%) foi a embalagem mais popular nos primeiros nove meses deste ano, seguida do bag-in-box (39,6%), “outras” (14,2%) e garrafão (3,6%). Nos últimos quatro anos, o bag-in-box estabilizou e a garrafa ganhou terreno.
61,7
Quase dois terços (61,7%) do vinho vendido em Portugal este ano tem denominação de origem. O resto do mercado pertence aos vinhos de mesa (38%) e estrangeiros (0,3%).