O que é que o Vale do Sousa tem?

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Estamos em Lousada onde, dizem-nos, existe uma das maiores concentrações de casas solarengas de toda a região do Vinho Verde. Terras de vinha onde reina a casta Arinto, também conhecida por Pedernã, muitas vezes acompanhada da Azal. Conduzidos pelos produtores Rogério de Castro e João Camizão, fomos à descoberta do Vale do Sousa.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Anabela Trindade

Quinta de Lourosa.

Quando se visita a Quinta de Lourosa do produtor Rogério de Castro, não estamos apenas a visitar uma propriedade, estamos a entrar num laboratório, num verdadeiro campo de ensaios. Não se estranha. Rogério de Castro é uma autoridade nacional e internacional no que diz respeito à viticultura, um académico que terá formado muitos dos actuais técnicos que trabalham nas vinhas e nas adegas. Como académico e cientista, Rogério gosta de experimentar, testar para então concluir. Outros preferem “achar” coisas e ter opiniões que não têm qualquer validação científica. Aqui testa-se quase tudo o que diga respeito à vinha: as castas e os seus clones, o sistema de condução, a poda, a vindima, os solos, as exposições, as produções por hectare. É assim que, com muito trabalho de campo, se podem tirar conclusões, é desta forma que se conseguem ter boas produções por hectare sem perda de qualidade. Se lhe ouvimos dizer que aqui se chega facilmente às vinte toneladas de uva por hectare, logo pensamos que se trata de um exagero, sobretudo se aquela quantidade for comparada com a região vizinha do Douro. “Aqui estamos em terra fértil, húmida e de vegetação abundante, por isso a produção é naturalmente mais elevada”, diz-nos. A filha Joana, agora responsável também pela vinha e adega e residente na zona, confirma que muitas das experiências do pai exigem presença permanente na vinha, “às vezes se não se intervém no dia certo podemos deitar tudo a perder”, lembra-nos. Apesar da paisagem luxuriante que sugere grande abundância de água, ficamos a saber que “temos falta de água no Verão e se não regarmos na altura certa perde-se tudo em termos aromáticos; por isso há rega instalada”.

Vinha da Arrochela & Camizão.

Também viticultor e produtor em Lousada, João Camizão, agora à frente do projecto dos vinhos Sem Igual, tem longa tradição familiar ligada ao vinho. Na família produz-se ainda a marca Casa de Oleiros. Quanto a este tema da rega João é claro quanto ao uso: “a rega é uma ferramenta e devemos usá-la bem. Aqui temos água de minas e nem sempre é preciso usá-la, mas em 2017 foi mesmo necessário, ao contrário de 2019 em que não regámos nada”. A sua aposta vai também para as castas Arinto e Azal. A presença da Alvarinho tem razão prática, “não queremos fazer vinhos Alvarinho, mas vendemos a uva que é, diga-se, paga a bom preço (75 cêntimos/quilo) bem mais que todas as outras que são pagas a 50 cêntimos”, diz.

Diferentes histórias, compromissos idênticos

A Quinta de Lourosa era pertença do tio-avô do nosso anfitrião, que deixou 13 herdeiros. A falta de vocação para as lides da terra levou os descendentes a quererem vender a quinta. Quando a venda já estava com data marcada, Rogério de Castro resolveu in extremis ficar com ela. Criou-se assim uma empresa familiar de quatro sócios, os pais e dois filhos. Casa quase em ruínas e vinha a precisar de muito trabalho foi o que herdou, mas hoje funciona ali um turismo rural e a vinha tem 27 hectares. Sente-se algum orgulho quando lhe ouvimos que “isto não é uma quinta, é um laboratório!”
A paisagem espelha bem o nome da região. Ao visitar a quinta (e tivemos sorte com o tempo…) percebemos que o verde é a cor dominante da paisagem, agora que praticamente todas as cepas estão despidas de folhagem e só aqui e ali ainda se encontram folhas com as magníficas cores outonais. São várias as parcelas, não estamos num contínuo de vinhas. Existem vinhas com Alvarinho numa encosta bem exposta e por aqui acredita-se na casta que, diz, “está condenada a ser uma grande casta em qualquer lugar, mas sabemos que é em Monção e Melgaço que ela melhor se expressa”.
Já João Camizão não estava talhado para produtor de vinhos, era na área das tecnologias de comunicação que trabalhava e foi isso que o levou a Macau e à India. A sua mulher, hoje também ela dedicada ao projecto e a fazer formação em vinhos, nasceu em Angola mas viveu grande parte da vida em Macau. O apelo da terra fez com que regressasse e deixasse o apartamento do Porto para se vir instalar nas terras da família.
Os vinhos Sem Igual nasceram com a colheita de 2011. João é também defensor dos vinhos de lote, “são eles que expressam melhor as características deste vale, um terroir que ainda estou a tentar compreender. Espero também a ajuda do meu professor Rogério de Castro que conheci na pós-graduação que fiz nesta área”. Algumas vinhas velhas em ramada foram preservadas e originam um dos vinhos da casa e “se soubesse o que sei hoje talvez tivesse conservado mais cepas mas foi a pressão do VITIS (um programa de apoio à reconversão da vinha) que nos fez arrancar muita vinha”, disse.

Joana e Rogério de Castro.

Sousa com Arinto e Azal

A Quinta de Lourosa está integrada na sub-região do Vale do Sousa e aqui cabem empresas gigantes, como a Aveleda ou a Adega de Felgueiras, mas também alguns pequenos produtores, como a Quinta da Tapada, Casa de Juste, Quinta da Raza, A &D Wines e João Camizão.
Assim como a zona de Ponte de Lima é considerada a pátria da casta Loureiro, o vale do Sousa pode ser o solar minhoto do Arinto. Nesta zona dos Vinhos Verdes a casta que melhor espelha as características do solo franco-arenoso e do clima é, segundo Rogério de Castro, a Arinto, logo seguida da Azal. Esta opinião não é partilhada por todos os produtores e, dizem-nos, nem mesmo a Aveleda lhe confere esse estatuto. Mas Rogério é grande apreciador da casta, “é a variedade mais plástica que temos no país, mas exige uma poda correcta para poder, por exemplo, ser vindimada à máquina”. À máquina? “sim, 50% da nossa vindima é feita à máquina; conseguimos assim vindimar 5 hectares num dia e fomos dos primeiros da região a vindimar com máquina. Custa cerca de €400 por hectare, mas vale a pena. É que aqui, em tempos, chegámos a ter 26 dias de vindima, era um sufoco”, diz-nos. Na sua quinta Rogério de Castro também tem Loureiro, mas escolheu os melhores clones; a diferença em relação ao vale do Lima é que “lá, mesmo sem clones seleccionados conseguem-se bons mostos enquanto que aqui há clones que não se dão bem e por isso temos de ser mais cuidadosos”. Eis um bom exemplo para explicar o conceito de terroir, dizemos nós.
Os aspectos específicos da viticultura e do clima nesta zona do país levam a que a incidência de doenças e pragas seja maior, tornando extremamente difícil, por exemplo, praticar uma agricultura biológica; a pressão do míldio é muito forte e os tratamentos sucedem-se. “Fazemos de 8 a 10 tratamentos por ano e há mesmo um pesticida que é obrigatório ser usado por todos, bios ou não, contra a flavescência dourada. A esse não se pode fugir. Temos também muitos problemas de esca, uma doença do lenho que obriga ao arranque e queima da planta para evitar contaminações”, diz Joana. É também por esta razão que Rogério de Castro não é um apaixonado pelas vinhas velhas e também não nutre grande simpatia pela ideia das castas misturadas na vinha (field blend) nesta região, em virtude da grande diferença de momento óptimo de maturação e consequente vindima de cada casta. Também João Camizão tem consciência das dificuldades: “ainda fazemos uma agricultura tradicional, com muita consciência e com vontade de diminuir tratamentos, mas as alternativas não são fantásticas”; pouca mobilização do solo, uso do intercepas são algumas práticas essenciais.
João, que trabalha com o enólogo Jorge Sousa Pinto, assume que a forma como se trabalha, o que se corta e o que deixa, como se poda e como se vinifica, tudo está dependente do conceito de vinho que se tem e dos objectivos que se pretendem. Por isso “para fazer isto eu tinha de estar por perto e tinha de saber o que estava a fazer; agora a minha mulher também está a aprofundar os conhecimentos, mas hoje sei que se não tivesse passado pela Índia não tinha vindo para aqui; foi lá que percebi que este poderia ser um projecto de vida”.
O desafio da região é conseguir aumentar a quantidade produzida sem perda de qualidade, algo que contradiz algum a ideia instalada de que produzir menos resulta sempre em melhor vinho. Mas tanto João como Rogério sabem que os projectos para vingarem têm de ser viáveis e conseguir uma boa produção com boas uvas é essencial. Os terrenos são fertéis mas “se houver umas ovelhas na vinha conseguem-se excelentes resultados, são as melhores amigas da viticultura, limpam as ervas, fazem a pré-poda e fertilizam o solo”, diz Rogério de Castro. Mas aos projectos não chega serem bons, essa qualidade tem de ser reconhecida por quem consome e isso só se consegue com uma boa comunicação, “é preciso estar no frontline e saber apresentar o nosso projecto, porque temos de saber explicar o que é o Sem Igual, onde está a nossa originalidade. A viagem começa na vinha e só acaba na comunicação e venda” assume João. Conseguir posicionar-se num nível de preço superior também leva o seu tempo. Apesar da pressão para fazer uma gama mais barata, “não é esse o nosso caminho”, refere produtor do Sem Igual, “os nossos vinhos vão dos 12 até aos 24 euros nas lojas e isso exige trabalho de comunicação; em algumas situações estamos associados com outros produtores para uma acção conjunta, como a Quinta de Santiago, Vale dos Ares e Cazas Novas; vamos à Prowein e já exportamos 60% da produção para vários destinos. Ao todo o projecto corresponde a 13 000 garrafas”, diz. João assume o lema do seu projecto: “Temos obrigação de fazer dos vinhos mais frescos e elegantes de Portugal!”

A família de João Camizão está toda envolvida no projecto.

Qualidade e longevidade

Em ambos os produtores visitados, tivemos oportunidade de provar os vinhos mais recentes mas também diversas colheitas antigas. Na Quinta de Lourosa, fomos surpreendidos pelo Alvarinho/Arinto de 2011, ainda citrino na cor, com notas de pólvora, notando-se pouco as castas, mas o tom austero fica-lhe bem. Boa mineralidade na boca, nota de querosene, tudo sustentado por uma acidez perfeita (17 valores). A sair sempre mais tarde para o mercado o Vinha do Avô, a segunda edição de um vinho de lote de vários anos, exclusivamente em magnum, neste caso das colheitas de 2017, 18 e 19. É um varietal de Arinto, fermentado e estagiado em madeira. Provámos a primeira edição, mistura das colheitas de 2014, 15 e 16, onde se sentia um ambiente oxidativo e resinoso, mas sempre com a boa acidez a dar vida ao conjunto. A quinta produz uma gama de entrada – Lourosa – que vende à porta e um espumante, nas versões branco, rosé e tinto, que é muito procurado pelos turistas que visitam e usam o turismo rural.
Com João Camizão, fizemos uma prova vertical de todos os Sem Igual produzidos. O lote normal corresponde a Arinto (70%) e Azal. O primeiro Sem Igual é da colheita de 2012, mostra agora um tom oxidativo bem evidente, mas servido ainda por boa acidez, com 13,5% de álcool. O estilo do produtor mudou e agora pretende fazer vinhos mais frescos e com menor graduação. Na colheita de 2013 surge-nos um vinho ainda austero onde as notas de pólvora marcam presença e apesar da mesma graduação este mostra-se ainda bem fresco, com boa fruta e traços minerais. Apresenta-se em excelente forma, um grande salto em relação à edição anterior. (16,5). O afinamento chegou com as edições seguintes, o 2014, com fruta madura, bons toques minerais, sem qualquer sinal de oxidação, muito apelativo (17); o 2015 mostra-se muito vivo, com bom volume e boa acidez, toque austero bem conseguido, leve nota de pólvora (17); e o 2016, com a acidez em evidência, a fruta muito delicada e a dar elegância ao conjunto (17).
Estas provas evidenciaram bem as características especificas do terroir e também do perfil que cada produtor procura. São vinhos bem distintos no estilo, mas com um denominador comum: o excelente equilíbrio entre fruta, estrutura e acidez, conferindo-lhes elegância e um grande potencial de longevidade. Coisas do Vale do Sousa…[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Edição nº 33, Janeiro 2020

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