Editorial – A Serra

Editorial da revista nº54, Outubro 2021

Esta edição da Grandes Escolhas tem como tema de capa os vinhos da Serra de São Mamede. Dizer apenas “Portalegre” já seria suficiente para despertar a atenção, justificada pelos recentes investimentos feitos nesta sub-região do Alentejo e pela qualidade e carácter dos vinhos ali produzidos. Mas Serra de São Mamede, enquanto parte da DOC Alentejo-Portalegre, é diferente, uma unidade geográfica e uma realidade vitivinícola com uma identidade vincada e muito própria.

Quando se fala de Portalegre numa perspectiva de vinha e de vinho, devemos visualizar (pelo menos) três realidades distintas, correspondendo a outras tantas unidades geográficas. Primeiro, o distrito de Portalegre, que coincide com o chamado Alto Alentejo, limitado a norte pela Beira Baixa. É uma vasta região que vai desde Elvas e Campo Maior, a sul, até Gavião e Nisa, a norte. Este é claramente um Alentejo mais verde na paisagem, mais ondulado na orografia e mais fresco no clima. Embora não olhemos hoje para os 15 concelhos do distrito como sendo, globalmente, de forte implantação vitivinícola (ao contrário do que acontece com muitos outros concelhos dos distritos de Évora e Beja), não podemos esquecer que aqui se situam algumas das mais antigas casas de vinho do Alentejo, desde logo Tapada do Chaves (Portalegre), Mouchão (Sousel) e, mesmo, Fundação Abreu Callado (Avis) que, embora sem a notoriedade das anteriores, engarrafa vinho desde os anos 50.

Quando apertamos o foco geográfico, chegamos então a Portalegre enquanto sub-região da Denominação de Origem Alentejo. Aqui encontramos a vinha e o vinho em todo o seu esplendor, numa expressão diferenciadora do carácter Alentejo, já de si muito diversificado em função da multiplicidade de solos, orografias, climas, castas.

A DOC Alentejo-Portalegre abrange o concelho de Portalegre e pequenas partes dos concelhos de Castelo de Vide, Crato, Marvão e Sousel. Os vinhos DOC Alentejo-Portalegre são claramente marcados pela Serra de São Mamede, que exerce a sua influência desde as explorações situadas no seu sopé até aos vinhedos localizados mas zonas mais altas. Muitas das vinhas mais antigas do Alentejo situam-se precisamente em Portalegre (como as parcelas tinta e branca da Tapada do Chaves, com registos de plantação de 1901 e 1903), para além de várias outras espalhadas pela Serra e cuja recuperação e preservação contribui decisivamente para o carácter dos vinhos aqui produzidos.

Dentro da DOC, porém, existe uma unidade geográfica mais pequena que, embora não esteja oficialmente individualizada em termos vitivinícolas (ao contrário do que é habitual noutros países europeus), revela uma forte identidade em termos dos vinhos que origina: a Serra de São Mamede propriamente dita, local mágico onde a altitude dita a sua lei. Ali, a floresta alterna com vinha, plantada, regra geral, entre os 500 e os 700 metros de altitude.

Vinhas velhas e vinhas mais recentes, produtores de perfil mais clássico ou mais moderno, juntam-se num fantástico mosaico vitivinícola e cultural, dando corpo àquilo a que podemos – por enquanto apenas “oficiosamente” – chamar, os vinhos da Serra de São Mamede. Nem melhores nem piores do que outros grandes vinhos de Portalegre ou do Alentejo, mas, sem dúvida alguma, diferentes. E, também por isso, tremendamente entusiasmantes.

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