Entre o rio e a serra, rodeada de vinhas, enquadrada por espaços naturais onde abunda a caça de grande porte e com um pezinho na maior barragem do país. A Herdade do Sobroso fica no Alentejo, mas escapa a todos os estereótipos. Aqui, encontramos belos vinhos e todas as mordomias do luxo. Mas sempre com os pés muito assentes na terra.
TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga
ANDAMOS há cerca de dez minutos aos solavancos pelos trilhos de terra batida da serra do Mendro, mas é tal o encantamento com a envolvência e as panorâmicas sobre o Guadiana e a interminável planície do Baixo Alentejo que até nos esquecemos que estava prometido um “safari fotográfico”. Tirando algumas perdizes, de bichos, nada… E então, à saída de uma curva, encaramos com um enorme veado, que depressa se lança em galope estrada fora. Na Herdade do Sobroso é mesmo assim: há surpresas e recompensas ao virar de cada esquina.
Encostado à vertente sul da serra do Mendro, o núcleo urbano desta enorme (1.600 hectares) propriedade pontua o centro do quadrilátero verde formado por 65ha de vinha. Visto de cima, do alto da serra ou a bordo de um balão de ar quente (sim, sim, já lá vamos!), o contraste é gritante: o verde vivo das videiras destaca-se sobre o fundo amarelado das searas ou pastagens circundantes. Mas há também a mancha branca do casario, as sombras cinzentas das escarpas mais rochosas, o espelho azul-esverdeado do Guadiana, um céu azul e os tons pastel do mato rasteiro que cobre as encostas. Uma paleta de cores verdadeiramente mágica.
Sofia Machado sente que tudo isto lhe estava na alma, mesmo sem se dar conta. A sua avó paterna é de Portel e ela, uma menina do Porto, passou belas temporadas no Alentejo quando era criança. Mas nada a tinha preparado para a sensação de pertença que a arrebatou quando chegou pela primeira vez à Herdade do Sobroso. Para quem cumpre os 9km de estrada que ligam a aldeia de Alqueva a esta unidade vitivinícola, cinegética e de alojamento, talvez possa parecer fácil apaixonarmo-nos por um local tão belo, harmonioso e pacífico. Mas isto não era nada assim em 2000…
Ruínas. Mato. Lixo. “Costumo dizer que não começámos do zero, começámos abaixo do erro…”, desabafa Sofia, perante o sorriso cúmplice de Filipe Teixeira Pinto, marido e enólogo residente (com consultoria de Luís Duarte). E também ele com as raízes no Porto. “Tive a sorte de o meu marido também se ter apaixonado por este sítio!” Talvez tenha sido amor à primeira vista, mas não foi fácil. A história, que começa com as visitas cinegéticas do pai de Sofia à região, continuou com a aquisição de três herdades, o que permitiu estender a propriedade desde o Alto Alentejo (Alqueva, ali muito perto do paredão do maior lago artificial da Europa) até às primeiras vagas das planuras do baixo Alentejo, abrangendo de caminho uma porção significativa da serra do Mendro (412 metros de altitude).
Dormir num monte alentejano
A tarefa inicial foi plantar os primeiros 50 hectares de vinha, logo em 2001, a que se seguiu uma intervenção radical de limpeza de matos na serra, complementada com a vedação da propriedade e a plantação de sobreiros (vão em 660.000 e ainda não terminaram). Mais tarde, também os pinheiros mansos vieram enriquecer a paisagem, aproveitando os socalcos na serra antes ocupados por eucaliptos. O casal virou-se então para a recuperação das ruínas, mas, apesar da aposta assumida pelos materiais, estéticas e, até, mão-de-obra locais, o processo não foi fácil. O hotel acabou por abrir apenas em finais de 2008.
Hoje, o Sobroso é um mimo de autenticidade e qualidade de vida. As construções são rústicas, mas os quartos (há cinco na casa principal e outros seis – dois deles contíguos em apartamento T2 – numa edificação secundária, junto à piscina de horizonte infinito sobre as vinhas e a serra) estão dotados de todos os confortos modernos. O restaurante, onde brilha a mão afinada da D. Josefa, serve almoços e jantares a hóspedes e visitantes mediante marcação. Há bar, salas de estar, alpendres com redes e cadeiras, biblioteca, canil. Este é um hotel onde experimentamos, verdadeiramente, a sensação de dormir num monte alentejano.
A fileira de casinhas geminadas onde se situam os quartos exteriores, o bloco que inclui a adega, a loja e os escritórios, as instalações do pessoal e a casa principal enquadram um enorme terreiro ajardinado e relvado que, no seu extremo Leste, termina num muro branco debruçado sobre um braço lateral do Guadiana, proporcionando extraordinárias vistas sobre a paisagem de vinhas, água e serra. Há muitos Alentejos e, ao que parece, todos eles se encontram aqui ao alcance da vista…
Apesar de algumas das parcelas se encontrarem já nas primeiras inclinações da serra, um pormenor curioso, para quem gosta destas coisas, é perceber que há muita pedra rolada nos solos argilosos da propriedade. A explicação está nos humores dos grandes rios: ao longo de milénios, o Guadiana terá corrido por aqui e por ali, deixando a sua marca nos terrenos circundantes. E esta componente rochosa explica também a mineralidade dos vinhos que aqui se fazem.
São vinhos que vale muito a pena descobrir, ou redescobrir. Porque a aposta comercial do Sobroso foi feita no canal horeca e, portanto, não será nos supermercados que vamos encontrar estes brancos, tintos e rosés que integram a região DOC Vidigueira. Presentes no mercado nacional e em mais 21 países, os vinhos do Sobroso apostam muito nas variedades locais: as castas brancas mais relevantes são Antão Vaz, Arinto e Perrum; nas tintas pontificam Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Syrah e Trincadeira. Por ano, saem daqui cerca de 550.000 garrafas.
Actividades… e estar quieto
Mas “sair” não é um verbo que apeteça conjugar… O silêncio, a vastidão da paisagem, a simpatia e genuíno prazer de quem recebe, as mordomias, os cozinhados da D. Josefa, os vinhos. Não espanta que a vertente hoteleira seja, também ela, uma história de sucesso. Famílias com filhos, casais em busca de uma pausa a dois, apaixonados dos vinhos, caçadores, fanáticos do bird-watching, toda a gente encontra aqui o que procura. Podemos passear a pé, de bicicleta ou em caiaque; pescar num dos vários planos de água; fazer um safari fotográfico pela serra (para além da bicharada menor, há veados, gamos, muflões, javalis, raposas, texugos); agendar um passeio de balão (uma experiência única, de uma suavidade desarmante) ou de barco no Alqueva; visitar a adega e as vinhas com prova de vinhos; observar aves.
Ou, simplesmente, pegar num copo de vinho e deixar-se ficar por uma das muitas sombras, deixando o tempo correr devagar e mirando o ninho das cegonhas, mesmo junto às casas. A visão do majestoso animal, imóvel poucos metros acima das nossas cabeças, é tão inesperada que um dia uma hóspede desabafou: “Parece mesmo verdadeira!” Não teria dúvidas se assistisse a este momento em que se faz ouvir um ruído semelhante ao bater de ripas de madeira e as duas cegonhas adultas se saúdam com os bicos. Pai e mãe trocam de turno e um deles fica a vigiar as duas crias espigadotas que miram lá de cima com curiosidade os humanos maravilhados, enquanto o outro abre as asas e plana majestosamente em busca de comida.
Daqui a algumas horas, de madrugada, embarcaremos num balão de ar quente para, envolvidos por suaves brisas e um silêncio mágico, pairarmos sobre o rio e os campos, as estradas e as casas. Na serra, durante o safari, tínhamos vistos veados, gamos, muflões e javalis. Desta vez, as correntes de ar levam-nos na direcção oposta, para Sul. Mas o cenário é idêntico. Há animais de grande porte por todo o lado. Não estamos em África, mas a comparação é inevitável. E, acreditem, o vinho por aqui é muito melhor! Quem nunca saboreou um copo de branco bem fresquinho às sete da manhã, a bordo de um balão de ar quente, não sabe o que perde.