A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a consolidação de dois projectos com muito ainda para crescer e encantar.
Texto: Luis Lopes Fotos: Amorim
O investimento vitivinícola da família Amorim assenta em duas propriedades emblemáticas. A Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo foi adquirida em 1999, integrada na compra da Burmester. A empresa de Porto foi depois vendida à Sogevinus, mas a propriedade ficou na família, desenvolveu-se muitíssimo e é hoje uma referência na região, em termos de vinhos e de enoturismo. A Taboadella é um projecto bem mais recente. Comprada em 2018, a reabilitação vitivinícola ali realizada e a construção de uma adega (desenhada por Carlos Castanheira) absolutamente inovadora do ponto de vista arquitetónico e funcional, tornou muito rapidamente esta propriedade numa das estrelas que mais brilha no Dão. Brilho que vai certamente aumentar com a recente recuperação da casa da quinta, agora baptizada Casa Villae 1255, uma habitação senhorial de 8 quartos disponível para aluguer em regime de exclusividade. Luisa Amorim, CEO do negócio vitivinícola da Amorim, foi a anfitriã na apresentação das novas colheitas, ladeada por Ana Mota, directora de produção e Jorge Alves, responsável de enologia. Os vinhos, esses, não podiam ser mais distintos entre si, traduzindo as naturais diferenças nas suas origens, Quinta Nova e Taboadella.
QUINTA NOVA
A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo é uma imponente propriedade situada na margem direita do Douro, entre a Régua e o Pinhão, referenciada desde a primeira demarcação pombalina, em 1756. Com uma frente de rio de 1,5 km, a quinta tem cerca de 120 hectares, dos quais 85 plantados com vinha. Esta espalha-se por encostas íngremes desde a cota de 80 metros até cerca de 300 metros, com vários modelos de plantação: terraços, patamares e vinha ao alto. Os terraços albergam duas parcelas de vinha centenária, uma de 2,5 hectares e outra com 4,5 hectares, ambas localizadas a 150 m de altitude com uma exposição solar a sul-poente, preservadas em muros de xisto. Ali se conservam cerca de 80 castas tintas e brancas que entram nos lotes dos vinhos mais ambiciosos da Quinta. A produção é, naturalmente, muito baixa, e as parcelas são cuidadas de forma tradicional, o solo mobilizado com charrua e cavalo e adubação natural com recurso à descava. Ana Mota tem procurado manter e replicar o valioso património genético deste tesouro vitícola. Assim, através de selecção massal da vinha centenária, foram nascendo novas estacas e novos talhões de vinha perfazendo actualmente 41 parcelas distintas, cada qual com o seu microterroir.
As uvas brancas da vinha velha entram no lote do Mirabilis, o branco de topo da casa, onde se juntam às castas Viosinho e Gouveio. Lançado pela primeira vez na vindima de 2011, o Mirabilis tem vindo a assumir-se, pela qualidade e pelo preço, como um dos mais reputados brancos durienses. Agora, é a colheita de 2020 que chega ao mercado, mantendo o elevado padrão da marca. O rosé Quinta Nova também já se tornou um “clássico”, criado na vindima de 2015. Chegou a haver duas referências, um “normal” e um “reserva”, mas a partir da vindima de 2019 prevaleceu o primeiro, incorporando embora a fermentação em barrica do segundo. É o caso do agora apresentado 2021, feito de Tinta Roriz (50%), Tinta Francisca e Touriga Franca. Tinta Roriz foi também a casta escolhida por Jorge Alves para a estreia absoluta do Quinta Nova Blanc de Noir Reserva. Da vindima de 2021, é um branco de uvas tintas que estagiou em barricas de carvalho francês. Por fim, o Porto Vintage 2020. Oriundo das vinhas centenárias da Quinta Nova, promete, com alguns anos de garrafa, vir a ser coisa muito séria.
TABOADELLA
A Taboadella constituiu o início das aventuras vínicas da família Amorim fora do Douro. Situada em Silvã de Cima, entre Penalva do Castelo e Sátão, é uma propriedade planáltica, que se desenvolve entre as cotas de 530 a 400 metros. Os 42 hectares de vinha (29 de castas tintas e 13 de brancas) estão protegidos pelos maciços montanhosos que atenuam os ventos frescos de oeste e os ventos agrestes de leste, resultando num clima entre o atlântico e o continental. A vinha está dividida em 26 parcelas diferenciadas. As vinhas mais antigas centram-se nas variedades tradicionais do Dão: Jaen, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Pinheira. Nos anos 80, a vinha da Taboadella foi parcialmente replantada, introduzindo-se novas castas como a Tinta Roriz e as brancas Encruzado, Cerceal-Branco e Bical. Hoje, a idade média das videiras é de 30 anos, mas algumas já atingiram um século. A vinha da Taboadella não é regada e está em processo de transição para produção em modo biológico.
As novidades da casa agora apresentadas assentam em quatro varietais, um branco, três tintos. Primeiro, o Encruzado Reserva branco 2021. Tal como os restantes, apareceu logo na primeira vindima da Taboadella, 2018. Para Jorge Alves, acostumado à realidade duriense, o encontro com a Encruzado no Dão foi uma agradável surpresa. “Hoje”, confessa, “é a casta branca portuguesa de que mais gosto, sem reduções ou oxidações na adega, originando vinhos com muita frescura e longevidade.” O Taboadella Encruzado 2021 fermentou e estagiou em diversos tipos de vasilhas (barricas, cimento e inox) e faz justiça às palavras do enólogo.
Os varietais tintos que agora chegam ao mercado são todos de 2020. O Jaen vem das zonas mais altas da quinta, para aproveitar ao máximo a frescura desta casta precoce e mostra grande potencial. O Touriga Nacional é um belo exemplar da variedade, com tudo o que é preciso: flores, fruto, elegância. E o Alfrocheiro vai deixar muito boa gente a pensar porque é que, no Dão, só se fala na Touriga…
Quinta Nova e Taboadella são duas propriedades bem distintas mas focadas no mesmo modelo de negócio, qualidade e valorização. A primeiro faz 650 mil garrafas/ano enquanto a segunda fica pelas 170 mil, mas com a particularidade de 110 mil serem de “Reservas”, ou seja, de preço médio elevado.
Para Luisa Amorim, estes vinhos “espelham a filosofia da Quinta Nova e da Taboadella, o
desejo de ir sempre mais além.” A verdade, é que a grande mentora destes projectos está longe de estar satisfeita: “queremos brancos, rosés e tintos, ainda mais frescos, mais elegantes, sempre preservando a essência do lugar onde nascem.” Ora ainda bem. É a insatisfação que nos leva mais longe.
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)