A face mais Verde do Douro

As regiões de fronteira valem sempre mais do que a soma das partes que ficam de cada um dos lados da linha imaginária. E esta regra torna-se ainda mais evidente quando falamos de vinhos. Nas margens do Douro, mas em terra de Verdes, paisagem, património e mesa sempre posta conjugam-se numa experiência única.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Gomez

Portugal é, todo ele, uma imensa região vitivinícola. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, a vinha faz parte da paisagem, o vinho é objecto de paixões e os dois entrelaçam-se no tecido cultural deste rectângulo à beira-mar plantado. Mas esta “globalização” não se faz de unanimidades nem de padronizações de gostos e sabores. Pelo contrário: cresce e multiplica-se em diversidades que aguçam a curiosidade e enriquecem o retrato geral. Se esta é uma realidade incontornável para quem procura descobrir os vinhos portugueses, ainda mais se acentua quando visitamos as zonas de fronteira entre regiões. Foi o que fizemos desta vez, lançando-nos à descoberta da face mais Verde do Douro.
A região dos Vinhos Verdes é extensa e muito variada, desde os microclimas de Monção e Melgaço às especificidades de cada rio que a atravessam, das margens do Atlântico às agrestes escarpas do rio Douro, das terras altas aos vales férteis. Há vinhos de produção maciça e pérolas raras, sabores unânimes e experiências diferenciadoras, grandes casas e pequenos produtores. Que todo este mosaico se encaixe num puzzle que construiu uma das imagens mais fortes e abrangentes da indústria vitivinícola portuguesa pode parecer surpreendente, mas é mais uma homenagem à qualidade dos vinhos que por aqui se fazem. O Vinho Verde tem um nome e uma alma.
Essa capacidade para se diferenciar acaba por ficar ainda mais evidente na região de confluência entre os Verdes e o Douro. Andámos por terras de Baião e Resende para confirmar que, apesar da paisagem assumidamente duriense, há um toque de frescura e de mineralidade que autentica a assinatura Verdes. De caminho, não resistimos a uma escapadela até Penafiel, onde vive um dos gigantes da região. Justa homenagem a uma casa com história e património, mas também uma oferta enoturística que surpreende quem fizer as contas e concluir que estamos praticamente às portas da cidade do Porto, a meio caminho entre o mar e a vertigem vertical das terras de Resende.
Mas é aqui, no limite oriental da região dos Verdes, com o Douro contorcendo-se lá ao fundo, que iniciamos o nosso roteiro enoturístico, desta vez marcado também pela presença maciça (e saborosa) de árvores de fruto. A cereja (e a de Resende tem muita e justificada fama) já foi colhida, segue-se a ameixa. Para muitos pequenos produtores, a vinha passa momentaneamente para segundo plano, mas nunca fica esquecida. E isso fica bem evidente na primeira paragem. Um caminho empedrado leva-nos do asfalto até ao terreiro da propriedade. De um lado, uma fila de cerejeiras, do outro, a vinha. Chegámos à Quinta da Massôrra.

A primeira impressão é quase contraditória. Há três cães que nos recebem com os seus latidos, mas percebe-se que o silêncio está apenas a ser beliscado. As casas, cobertas de hera, e o arvoredo envolvem-nos numa calma apaziguadora, mas para além delas a paisagem é dramática, com grandes montanhas no horizonte e desníveis impressionantes até ao rio. Não demora muito até assimilarmos tudo isto numa certeza incontestável: o local é belíssimo!
Rui e Anabela Cardoso gerem uma propriedade familiar com 12 hectares, quatro dos quais cobertos de vinha. O resto é um mar de fruta: cerejas (há 23 variedades, incluindo uma que pode ser colhida logo em finais de Abril) e ameixas, principalmente, mas também toranjas, nêsperas, laranjas, peras… Há visitantes que vêm por causa do vinho e acabam a apanhar fruta; outros procuram a quinta por causa da fruta e acabam a degustar um copo de vinho. Em 2018 passaram por aqui mais de 2000 pessoas.
Depois de uma “excursão” ao pomar, para apanhar ameixas, Rui abre as portas da loja da quinta e fala-nos do seu carácter peregrino: está em funcionamento há quase 20 anos, numa altura em que nem se falava de enoturismo e, a bem da verdade, nem se produzia ainda vinho na Quinta da Massôrra. Por força nas suas funções, à altura, no Instituto do Vinho do Porto, Rui visitou outros países e ficou a conhecer o que os produtores faziam para atrair visitantes. Quando se estabeleceu na quinta, acabou por abrir uma loja onde vendia vinhos dos “vizinhos” e outros produtos locais.
Ao lado, sempre nos baixos da casa principal e abrindo para um pátio panorâmico com a horta em primeiro plano, a vinha e os pomares a seguir e depois uma imensidão de serranias em equilíbrio precário sobre as águas do Douro, está a adega. Pequena (a produção anual anda pelas 10.000/15.000 garrafas), mas funcional, com dois lagares em granito e uma prensa manual no meio, agora já sem uso, mas que acentua o carácter artesanal das instalações.
Cá fora, um tanque com água delimita o fantástico pátio panorâmico, a mesa rodeada de cadeiras, pormenores rústicos de decoração em redor. A cobertura do pátio está forrada a hera, tal como todas as casas, formando um conjunto de grande beleza e tranquilidade – com o bónus de as folhas mudarem de cor ao longo do ano, fornecendo uma experiência visual sempre diferente.
Quem vem aqui não esquece. E pode sempre reavivar a memória com os vinhos da casa. Rui garante que cerca de 60 por cento da sua produção é absorvida, directa ou indirectamente, por quem visita a Quinta da Massôrra.

QUINTA DA MASSÔRRA
S. João de Fontoura, Resende
Tel: 254 871 578 / 965 053 820
Mail: geral@quintadamassorra.com
Web: www.quintadamassorra.com
GPS: N 41º6’32’’ | W 7º 55’ 27’’
Os visitantes são recebidos pelos proprietários, que vivem na quinta, pelo que a propriedade está aberta a visitas todos os dias, sugerindo-se contacto telefónico prévio. No terreiro da casa, pendurada numa árvore, está uma sineta, para avisar da chegada. A visita custa 7,5 euros por pessoa. Possibilidade de organizar outros programas sob consulta.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Da margem esquerda do Douro para a margem direita. De um projecto enoturístico com quase duas décadas a outro acabadinho de nascer. A Quinta de Santa Teresa, concelho de Baião, é a propriedade mais recente da A&D Wines, juntando-se à Casa do Arrabalde e à Quinta dos Espinhosos. Com 66 hectares (33 de vinha) espalhando-se ao longo de um cotovelo nas encostas que conduzem ao rio Douro, é a maior de todas. E também a mais bonita, graças a um património, natural e edificado, verdadeiramente notável.
A adega fica cá em baixo, junto à estrada, mas é preciso cumprir mais algumas curvas para alcançarmos a casa principal, primeiro, e as instalações de enoturismo, lá no alto. Um pavilhão de estrutura metálica e paredes de vidro paira sobre a piscina para acolher os visitantes. Esta original palafita, de onde se vislumbra o rio e se espraia o olhar por serranias e casario, está assente sobre uma laje que transformou a piscina de saltos num enorme reservatório de água. Ao lado, as piscinas para adultos e crianças estão operacionais.
Para quem visita a quinta, é aqui que tudo começa e acaba. Mas, pelo meio, há muito para conhecer. E deslumbrar. Ao longo da estrada empedrada que percorre toda a propriedade deparamo-nos com muros ciclópicos que sustentam os terraços de vinha, encontramos jardins e hortas, algumas pequenas construções, bicharada surpreendente (a quinta funciona em regime biológico), tanques e minas de água. E até damos de caras com um colossal pé de videira pré-filoxérico, com mais de 200 anos e que cobre uma área aproximada de 20 metros quadrados. Em 2018, produziu 230kg de uva da casta Avesso – alguém se deu ao trabalho de contar todos os cachos… e eram 580!
Mais velha é a videira do que a casa da quinta, que data de 1951. Aliás, com vinhas a rondar os 100 anos, percebe-se que esta sempre foi terra de vinho. O Douro começa logo ali acima, a escassos metros das últimas vinhas da quinta, onde o terreno deixa de ser granítico e passa a ser de xisto. Bate certo.
Ao fundo, um bosque promete frescura e belos cenários naturais para passear. Mas o que os homens construíram mostra-se bem à altura da generosidade da Natureza: jardins românticos, recantos e escadarias que proporcionam privacidade e silêncio, estátuas, fontes, painéis de azulejo. Se isto não é o cenário ideal para um hotel de charme, então não percebemos nada do assunto… “Um dia!”, prometem os proprietários.
Até lá, é preciso partir quando termina a visita. Há quem se faça desentendido e vá ficando de copo na mão – de vez em quando, alguns até se atiram à piscina…

QUINTA DE SANTA TERESA
Rua de Arufe, 530; Loivos da Ribeira, Baião
Tel: 229 419 378/9
Mail: info@andwines.pt
Web: www.andwines.pt
A quinta está aberta para provas e visitas todos os dias, das 10h às 18h; ao fim-de-semana solicita-se marcação antecipada. O número máximo sugerido de participantes por grupo é de 12 pessoas. A prova com visita à quinta custa 15 euros por pessoa (20 euros com tapas) e há duas provas standard: Monólogo e Avesso, ambas com três vinhos. O visitante pode, no entanto, escolher entre os diferentes vinhos do portefólio da casa. Outros programas e actividades mediante consulta.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 1,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18

A coerência é uma virtude, mas quando levada ao extremo pode tornar-se limitativa. E, por isso, viramos costas à zona de transição entre Verdes e Douro e internamo-nos assumidamente na primeira, rumo a Penafiel, onde, com o Porto a meia hora de distância, encontramos um dos mais notáveis jardins portugueses. E muito mais, como se há-de relatar. Estamos na Quinta da Aveleda.
Em 2018, passaram por aqui 27.000 visitantes, a que se podem juntar outros 23.000 que optaram por visitar apenas a loja. São números impressionantes, mas ainda muito longe do potencial deste local. Os jardins são espantosos – dez hectares (é um dos maiores jardins privados do país) de floresta variada (120 espécies, incluindo exemplares gigantes), recantos ajardinados (há, por exemplo, 90 espécies diferentes de camélias), lagos, espaços abertos e construções pitorescas, povoados por uma fauna riquíssima, que até inclui uma raposa.
Quatro em cada cinco visitantes não são portugueses, o que motiva a equipa de enoturismo da Aveleda a apostar mais na divulgação interna deste local mágico. É que, para além dos jardins, há todo um património edificado que justifica a visita. Uma cozinha tradicional, a cocheira (com carruagens, arreios e outros aprestos da arte equestre), o imponente terreiro da eira, a loja e sala de provas, a vetusta Adega Velha onde, ao som de música monástica, repousam as aguardentes, em centenas de pipas de madeira. Há torres com ameias, paredes cobertas de hera, espigueiros, alpendres e varandas panorâmicas, chaminés incríveis. Em redor, uma centena de hectares de vinha recorda-nos que tudo isto foi construído à volta do vinho.
O enoturismo na Aveleda começou há muito tempo, nos anos 1960/70, apenas porque os donos dos hotéis na costa entre Esposende e Espinho convenceram os proprietários – a família Guedes – a abrirem portas a visitas e provas, para criarem programas que pudessem diversificar a experiência proporcionada aos seus hóspedes. Mas este regime semi-informal só começou a mudar há cerca de quatro anos, com a crescente aposta no sector.
Hoje, a Aveleda é um mar de tranquilidade e beleza, mas também um caldeirão de ideias e projectos. Novos espaços, novas funcionalidades, criação de núcleos museológicos nas casinhas do jardim (algumas delas transportam-nos de imediato para a terra dos hobbits), mais e melhores programas. Mas, na essência, já está tudo lá: uma belíssima moldura natural e arquitectónica para uma experiência vínica de grande qualidade. A apenas meia hora da cidade do Porto, nunca é de mais repetir.

QUINTA DA AVELEDA
Rua da Aveleda, nº 2, Penafiel
Tel: 255 718 242 / 255 718 266
Mail: enoturismo@aveleda.pt; loja.aveleda@aveleda.pt
Web: www.aveleda.pt
GPS: 41.208511 | -8.308196
Visitas guiadas todos os dias às 10h, 11h30, 15h e 16h30, com marcação antecipada. O custo está incluído no das provas de vinho, que podem ir desde os 10 euros por pessoa (Standard – três vinhos) até aos 70 euros por pessoa (Exclusiva – quatro vinhos, mais aguardente). Refeições entre 40 e 80 euros por pessoa, harmonizações entre 5 e 15 euros por pessoa. Há vários programas especiais no menu, incluindo o Momentos Aveleda (64,5 euros com almoço) ou o Make Your Own Wine (40 euros). A quinta acolhe eventos e organiza workshops. A loja está aberta de segunda a sábado (9h-13h/14h-18h).

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18,5

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Os ares do campo abrem o apetite e nem só de vinho vive o Homem… Por isso, aqui ficam duas sugestões para reabastecer o corpo e a alma enquanto vagueamos por terras dos Verdes com vista para o Douro. Muito mais haveria para escolher, mas desta vez destacamos um restaurante urbano e outro rural. Em Penafiel, a Casa Sapo promete surpreender quem julga que já viu de tudo à mesa e exibe uma bela colecção de camisolas de futebol autografadas. Na Gralheira, a 1100 metros de altitude, o Recanto dos Carvalhos recebe-nos numa das terras mais altas de Portugal, por entre uma paisagem verdadeiramente magnífica. Leve fome, traga belas recordações.

  • CASA SAPO – Lugar da Estrada, nº 24; Irivo, Penafiel | Tel: 255 752 326
  • RECANTO DOS CARVALHOS – Gralheira | Tel: 255 571 566 / 962 020 038 | GPS: 41.003960 – 7.969811

Edição nº28, Agosto 2019

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