A marca do Cabernet Sauvignon

Edição nº12, Abril 2018

Omnipresente, nobre e famosa, a casta Cabernet Sauvignon tem personalidade vincada e deixa a sua marca em tudo por onde passa. Facilmente reconhecível, na maior parte das vezes faz uma aposta segura em provas cegas. Produz vinhos varietais em todos os cantos do mundo e, mesmo quando entra em lotes, não passa despercebida.

TEXTO: Valéria Zeferino
FOTOS: Ricardo Palma Veiga

Não obstante a fama que tem, a Cabernet Sauvignon é uma casta relativamente recente. Apareceu no departamento da Gironda, em Bordéus, apenas nos finais do século XVIII, originada pelo cruzamento espontâneo entre Cabernet Franc e Sauvignon Blanc, facto descoberto em 1997 pela Universidade de Davis, na Califórnia. Isto explica porque a Cabernet Sauvignon tem aromas semelhantes a ambas as suas progenitoras.
Tem cachos e bagos pequenos, com uma pele muito grossa e muitas grainhas. Isto traduz-se num perfil de vinho com uma estrutura robusta, tanino poderoso e cor intensa, características aliadas a uma acidez pronunciada. Para além disto revela uma grande capacidade de expressar o terroir e envelhecer positivamente em garrafa ao longo de muitos anos.
Mas a força não é tudo. O seu esqueleto maciço também precisa de carne, de um traje elegante e de um perfume sedutor, o que muitas vezes se resolve por loteamento com outras castas como Merlot, Cabernet Franc, Malbec, Petit Verdot, Syrah etc.
A fama e a disseminação têm o outro lado de moeda. A expressão varietal muito pronunciada pode tornar-se cansativa e provocar uma certa fadiga sensorial no consumidor. Não é por acaso que nos Estados Unidos, onde a casta é extremamente popular, surgiu o conceito ABC – acrónimo de Anything But Cabernet (or Chardonnay), o que quer dizer “Eu bebo qualquer coisa menos Cabernet” ou Chardonnay, respectivamente. Por outras palavras, exprime a ideia de que existe uma grande variedade de castas e não vale a pena consumir sempre a mesma.

O cartão de visita aromático

O aroma mais conhecido de Cabernet Sauvignon é o de pimento verde, pelo qual é responsável um composto chamado pirazina, que se encontra presente nas uvas do Cabernet Sauvignon (e não só). O palato humano detecta pirazina num vinho com apenas 2 nanogramas por litro. Na altura do pintor a casta contém cerca de 30 ng/l de pirazina, que é lentamente destruída pelo sol. Por isto, nos países com clima mais frio é difícil evitar a presença deste aroma herbáceo no vinho, enquanto num clima mais quente e soalheiro, onde o Cabernet Sauvignon consegue atingir um perfeito ponto de maturação, a pirazina pode ser quase imperceptível. O aroma de pimento verde não é considerado um defeito, mas pode-se tornar desagradável, se for em excesso.
Outros aromas do Cabernet no registo de fruta são mirtilos e cereja preta que, com a sobrematuração, transformam-se em doces e compotas, aquilo que os ingleses chamam “jammy”.
Aromas mentolados são muitas vezes associados a regiões que são suficientemente quentes para manter o nível de pirazina relativamente baixo, mas não demasiado quentes. Um bom exemplo será Coonawarra, na Austrália, ou algumas áreas de Washington, nos EUA.
Com tempo, vinhos feitos de Cabernet Sauvignon desenvolvem aromas de cedro, tabaco, terra e, por vezes, couro.

À volta do mundo

Das castas destinadas à produção de vinho, Cabernet Sauvignon é a mais plantada a nível mundial, ocupando uma área de 341.000ha (é superior a toda a área de vinha em Portugal), o que representa 4% da área de vinha no mundo, de acordo com os dados da OIV de 2015.
Até há relativamente pouco tempo a França era o país com o maior número de hectares de Cabernet Sauvignon, mas em 2015 a China ultrapassou o país de origem da casta, e não foi por pouco. Hoje, Cabernet encontra-se em 60.000 hectares da vinha chinesa e em França em 48.000ha. E, ao contrário da ideia comum, Cabernet Sauvignon não é a casta mais plantada em França – fica muito atrás da Merlot e ocupa apenas 6% da área de vinha. Mas na China sim, é de longe a casta mais plantada, excluindo uvas de mesa.
No Chile tornou-se a casta mais importante, ocupando uma área de 43.000ha. Nos Estados Unidos, com 41.000ha, ultrapassa a Merlot em quase o dobro, perdendo um pouco para a Chardonnay.
Fora de Bordéus há algumas zonas no mundo onde a Cabernet Sauvignon é muito bem sucedida. Nos Estados Unidos, Napa e Sonoma. Na Austrália, Coonawarra (no Sul do continente) e Margaret River (na Australia Ocidental), esta conhecida pela versão particularmente refinada e elegante da casta.

Cabernet Sauvignon em Portugal

Em Portugal a casta mais famosa do mundo, embora esteja presente quase em todas as regiões, tem uma posição muito mais humilde. Não encontrou grande protagonismo em termos varietais, limitando-se na maior parte das situações à participação em lotes. Em algumas regiões é permitida para produção de vinhos com designação DO, como é o caso do Alentejo, Do Tejo ou Bairrada, por exemplo.
Encontra-se entre as 35 castas mais plantadas, na 22º posição do ranking, ocupando uma área de 2.649ha, o que corresponde aproximadamente a 1% do total das plantações. Nos últimos 10 anos, mesmo com algumas oscilações, a dinâmica tem sido positiva, especialmente nas regiões do Alentejo, Lisboa e Tejo.
A enóloga Sandra Tavares da Silva trabalha com esta casta há bastante tempo na Quinta da Chocapalha. Foram plantados 2 hectares em 1988 pelo seu pai. Considera a Cabernet Sauvignon “uma casta extraordinária mas muito sensível ao local onde é plantada”.
Acharam “que o Cabernet Sauvignon num lote tem sempre um carácter muito forte, em que mesmo em percentagem muito pequena é facilmente identificável e com características muito diferentes das castas portuguesas” e assim decidiram fazer um monovarietal que “pudesse mostrar bem o potencial e perfil desta casta no nosso terroir”. A primeira edição de um monovarietal saiu em 2000. Os anos de experiência mostraram que “na região de Lisboa o Cabernet Sauvignon adquire um perfil clássico, com excelente equilíbrio, frescura e boa maturação fenólica”.
Hamilton Reis, responsável de enologia de Cortes de Cima, considera que Cabernet Sauvignon é “uma das castas nobres do mundo, que gera amores e ódios e tem crescido muito em popularidade junto do consumidor português”. E continua: “Requer enorme atenção em todo o processo e pode no Alentejo fazer vinhos de topo, sendo que ajuda em lotes entregando profundidade e complexidade.”
Em Cortes de Cima, a casta Cabernet Sauvignon foi plantada há alguns anos em diferentes parcelas. Ao fim de vários anos de ensaios e com base na experiência acumulada, avançaram com um monocasta de Cabernet Sauvignon porque estavam certos de que atingiram “o difícil equilíbrio entre a correcta expressão da casta do ponto de vista aromático e a maturação dos taninos”. Procuravam o mesmo que em todos os seus monocastas: “A tipicidade da casta, aquilo que sendo dela a evidencia ao mesmo tempo que a diferencia de outras castas.”
No caso de Cabernet Sauvignon privilegiam “as suas notas de pimento e fruta vermelha, fugindo no entanto à componente quer vegetal, quer sobremadura que muito facilmente desvirtuam a qualidade e o equilíbrio do vinho”. Hamilton diz que a Cabernet Sauvignon passa muito rapidamente “de carácter vincadamente verde a sobremadura”, onde na primeira situação “os taninos mostram dureza e amargor” e na segunda “ficam flácidos e com doçura”, destruindo o equilíbrio. A textura de boca é também essencial; é um ponto tão difícil quanto vital.

Vigorosa na vinha

Cabernet Sauvignon é uma casta vigorosa e forte, aguenta temperaturas bastante baixas, mas precisa de sol e de calor para amadurecer bem. É uma casta de maturação lenta e tardia. Sandra Tavares da Silva nota que na Quinta da Chocapalha, na região de Lisboa, “é sempre a última casta a ser colhida, muitas vezes em meados de Outubro”.
Mas a Cabernet Sauvignon não é de confiança: nos anos mais frescos e húmidos, sobretudo se plantada em solos pesados que não drenam bem, tem dificuldades em atingir uma boa maturação, mantendo uma dose de pirazina bem notável. Por isto em Bordeaux é acompanhada de Merlot e outras castas que amadurecem mais cedo e dão mais segurança, independentemente das condições de cada ano.
O enólogo Bernardo Cabral trabalhou com Cabernet Sauvignon em várias casas e terroirs, desde a Casa Santa Vitória e Bombeira do Guadiana, no Baixo Alentejo, até à Companhia das Lezírias, no Tejo.
Da sua experiência conclui que é “uma casta que precisa de calor para amadurecer os taninos na película, mas que com excesso pode desidratar e perder a elegância aromática”. Dá importância à “conjugação dos solos quentes arenosos com um clima quente durante o dia, mas com noites frescas e húmidas”. Nas zonas mais quentes do Alentejo é “especialmente importante uma grande parede vegetativa para manter os cachos protegidos do sol” e também é “frequente a rega prolongar-se até à data da vindima”, pois “em anos muito quentes e secos, a Cabernet Sauvignon tende a desidratar, exigindo uma desafiante e trabalhosa selecção de uva”.
Sandra Tavares da Silva refere a importância da idade das vinhas, que na Quinta da Chocapalha “já têm 30 anos e fazem toda a diferença em termos de produção equilibrada e bom sistema radicular”. Hamilton Reis também acha que é uma das castas que “necessita de idade para atingir equilíbrio em vinha, para que proporcione maturações consistentes e homogéneas”.
O facto de ser uma casta tardia ajudou a Cabernet Sauvignon na sua adaptação ao Alentejo. Mas Hamilton Reis refere que “a gestão da rega é critica, um stress hídrico por excesso induz maturações extemporâneas e desequilibradas”. Ao mesmo tempo, “com excesso de água, as produções podem ser demasiado elevadas, levando a deficientes maturações e resultando em vinhos verdes e duros”. A condução deve privilegiar a exposição solar e no caso de anos mais frios ou de chuva deve ser considerada a desfolha na zona de crescimento da uva.
A data de colheita de Cabernet Sauvignon “assume na região do Alentejo uma importância extrema, define o estilo e a qualidade, em função do que foi o ciclo de maturação do ano” – acrescenta Hamilton Reis.

Cor, tanino e acidez

Rica em compostos fenólicos, a Cabernet Sauvignon fornece ao vinho os componentes estruturais como o tanino e acidez e confere cor concentrada graças ao alto nível de antocianas. De um modo geral a remontagem, quando o sumo retirado da cuba é bombeado para cima da manta, é preferível à pigeage (quando a manta se empurra para baixo com ajuda de um “macaco”), que dá ao Cabernet Sauvignon um carácter mais rústico; ou a délestage (quando uma parte do mosto é retirada para uma outra cuba e depois bombeada para cima da manta), que é uma técnica bastante extractiva.
Para Bernardo Cabral “a vinificação depende muito da qualidade dos taninos na altura da vindima”. No caso de serem muito bons, gosta de fazer macerações muito longas, que chegam a um mês, “e nesses casos obtêm-se vinhos fantásticos”. Por outro lado, “se os taninos forem mais verdes, é preferível fazer macerações pré-fermentativas a frio e retirar o vinho das massas o mais cedo possivel”.
Hamilton Reis afirma que, garantindo boas maturações de uva, procuram extrações completas. “Esta casta tem intensidade, profundidade e complexidade, se associarmos taninos maduros e frescura aromática, a nobreza da casta permite trabalhos de extração para a obtenção de tintos ricos, densos, completos e reactivos de boca.” No caso de anos difíceis, por excesso ou falta de maturação, “os contactos peliculares devem de ser repensados, encurtando tempos e gerindo prensas ao pormenor”. Já Sandra Tavares da Silva prefere trabalhar “sem grande extracção e boas macerações pós-fermentativas”.
No que todos concordam, é que a Cabernet Sauvignon é uma casta cheia de personalidade, à qual ninguém fica indiferente. A nossa prova evidenciou isso mesmo: independentemente dos estilos, uns mais clássicos, outros mais frutados, presente a 50% no lote ou ocupando os 100%, a Cabernet Sauvignon deixa sempre a sua marca…

Sabia que…

• Cabernet Sauvignon pode estar “escondido” atrás de algumas designações, como por exemplo:
– Bordeaux Blend é um lote tipicamente bordalês que para além do Cabernet Sauvignon normalmente inclui Cabernet Franc, Merlot, Petit Verdot e às vezes Malbec e Carmenère.
– Meritage: vinhos dos EUA inspirados em Bordeaux. O termo apareceu em 1981 para distinguir os blends das castas bordalesas dos monovarietais rotulados simplesmente como “Cabernet Sauvignon”, “Merlot” etc. Apenas os produtores que fazem parte da Meritage Association podem colocar a designação “Meritage” nos seus rótulos. A maior parte deles encontra-se na Califórnia.
– Super Toscana: termo que abrange vinhos de alta qualidade produzidos com Cabernet Suvignon na região de Toscana, Itália. Quando este movimento nasceu nos meados do século passado, a regulamentação de DO não permitia utilização de castas estrangeiras, sendo os vinhos inicialmente rotulados como vinhos de mesa.
• Merlot e Carmenère são irmãos de Cabernet Sauvignon, partilhando o mesmo parente Cabernet Franc.
• Nos Estados Unidos gostam tanto de Cabernet Sauvignon que até definiram um dia em sua homenagem – na terça-feira uma semana antes do Dia do Trabalhador.

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