A distribuidora Vinalda fez agora 70 anos. Um número bonito, redondo, que evidentemente merece todos os encómios e os mais calorosos parabéns. Um número que é um marco assinalável, sobretudo num sector tão volátil e sujeito a tantos ciclos económicos como é o mercado de vinhos e das bebidas alcoólicas em geral.
PARA mim, contudo, e enquanto consumidor, a Vinalda está longe de ter essa provecta idade e terá apenas nascido lá para os finais dos anos 80 do século passado, sendo que só passamos a “privar” mais de perto em meados da década de 90.
É aí que a história da Vinalda se começa a cruzar com a minha aprendizagem pessoal do mundo dos vinhos. Esta não foi uma história linear e coerente. Foi feita de descobertas esparsas e muitas vezes ocasionais, sem método nem propósito. Na aldeia de província onde cresci e vivi os primeiros anos da vida adulta as novidades chegavam devagar e filtradas por uma espessa cortina de circunstâncias em que a distância, os parcos recursos económicos e a falta de informação dificultavam o conhecimento mas ao mesmo tempo tudo envolviam numa névoa misteriosa e inegavelmente sedutora.
Foi esse o tempo em que comecei a coleccionar o “Jornal dos Vinhos”, suplemento de um semanário de referência, como agora se diz, em que prontificavam nomes como José António Salvador e João Paulo Martins, na altura personagens sem rosto mas de experiências e saberes fascinantes. As descrições dos jantares vínicos que a publicação então promovia enchia a minha memória de nomes e marcas que tentava, na medida do possível, conhecer. A Vinalda surge aí, um vocábulo estranho e que rapidamente aprendi incontornável nessa demanda. Onde compro um Palácio da Brejoeira, o primeiro e durante muitos anos o único dos Alvarinhos que provei? Como chego a esses fabulosos Quinta do Carmo de Alicante Bouschet de que dizem maravilhas? Quem afinal tem o Quinta do Côtto Grande Escolha, o vinho que prometia resistir ao tempo e que desafiava os sentidos? Porque é difícil encontrar os Quintas de Pancas de que toda a gente fala? Que tem de especial esse Marquês de Borba que acabou de irromper sem aviso mas com estrondo suficiente para estar nas bocas do mundo? E o Porto LBV da Taylor’s – o Vintage era então uma miragem longínqua – como lhe posso por a vista em cima?
Não foi uma relação sempre pacífica, devo dizer. Os vinhos, sobretudo os vinhos de quem toda a gente falava e que todos procuravam, eram muitas vezes colocados a conta-gotas no mercado e as lojas rateavam, garrafa a garrafa, os preciosos néctares. “A Vinalda só me entregou uma caixa”, “só lá para o fim do ano voltam a distribuir esse vinho”, “e provavelmente virá com novo preço”, tantas vezes ouvi respostas semelhantes em lojas de vinhos que cheguei a pensar que haveria alguma intenção maquiavélica de fazer sofrer os consumidores. Para mim, que nada percebia de estratégias de marketing e conceitos como a construção de marca, tudo aquilo era estranho e frustrante.
Foi bastante mais tarde, já trabalhava no meio, que descobri que por detrás da Vinalda estava um rosto e um nome: José Casais. Um self made man, que deu corpo e consistência a esta empresa, que a moldou de tal forma que a sua história pessoal se confunde com aquela. É uma figura singular que evidencia uma forte determinação, um enorme conhecimento do mercado e do consumidor, uma dureza negocial acutilante, aliada a um trato pessoal encantador. É daquelas personagens que nos deliciam com uma conversa sem fim à vista com o desfilar de muitas histórias e episódios de uma vida cheia e de outros tempos. Mas é sobretudo, e é justo que isso se diga isso neste momento em que a Vinalda vive uma nova fase e ele se afastou da gestão, uma das pessoas a que os vinhos portugueses mais devem.
Distribuidor é uma palavra muito pobre, é um conceito bastante redutor, para definir o que José Casais fez nos anos que esteve à frente da Vinalda. Ele foi um verdadeiro construtor de marcas, foi o porto seguro e a tábua de salvação de muitos projectos vínicos que são hoje sucessos assinaláveis. Não é possível revisitar a história do vinho português nas últimas décadas sem ter presente o papel da Vinalda de José Casais na criação de um mercado de vinhos moderno e maduro.
Foi por isso bonito ver num recente jantar de comemoração dos 70 anos da Vinalda a homenagem que a actual gestão da empresa lhe prestou e onde recordou os principais marcos da sua história. Mas foi anda mais marcante ver como se quiseram associar à homenagem não só empresas e marcas que fazem parte do portefólio da casa mas muitas outras que entretanto os acasos da vida e dos negócios levaram por outros caminhos e que no entanto ali estavam, naquele momento simbólico, a reconhecer o óbvio. Que haverá poucas pessoas a quem o epíteto de “Senhor do Vinho” se encaixe melhor do que a José Casais. Como consumidor, também lhe devo o meu quinhão de agradecimento.