AdegaMãe: Lisboa de carácter e ambição

Mais de uma década depois do seu nascimento, a AdegaMãe assume-se como um projecto maduro e sólido, um dos produtores que mais contribuem para a afirmação qualitativa da região de Lisboa. Nos vinhos, e no enoturismo.

Texto: Mariana Lopes    Fotos: AdegaMãe

Ventosa, Torres Vedras, apenas a 10 quilómetros do oceano atlântico. É aqui que fica a AdegaMãe, erguida em 2011 pela família fundadora do Grupo Riberalves, entre o mar e a Serra de Montejunto. Dois factores muito importantes: a proximidade ao mar, porque define largamente o perfil de vinhos da casa, e o profissionalismo e experiência empresarial de quem a criou e gere que, sabendo rodear-se das pessoas certas, fez com que a AdegaMãe se afirmasse, em pouco mais de 10 anos, como um dos mais promissores produtores da região de Lisboa. É assim mesmo que se escreve, “AdegaMãe”, sem espaço entre as duas palavras. João e Bernardo Alves, pai e filho, homenageiam desta forma Manuela Alves, a matriarca da família. Mas “Mãe” é, aqui, também referência aos conceitos de “nascimento” e “criação”, de uvas, de vinhos e de experiências.

Actualmente, é Bernardo Alves que está ao leme, enquanto director-geral, do projecto e dá continuidade ao sonho do pai, que começou em 2010 com a primeira vindima, altura em que as infra-estruturas da AdegaMãe estavam ainda em processo de construção. Em 2011, é concluído o edifício principal, a adega, e lançado o primeiro vinho para o mercado, o Dory tinto 2010. A marca Dory — inspirada nos Dóris, pequenos barcos que se presume terem surgido no século XVII ou XVIII, usados na pesca do bacalhau — é ainda hoje a principal e mais “famosa” do portefólio da casa, que integra também o entrada de gama Pinta Negra e a linha AdegaMãe, dedicada sobretudo a vinhos varietais e de parcela. Em 2021, para marcar 10 anos de existência, a empresa sofreu um rebranding total, da autoria da M&A Creative Agency, mas a imagem dos rótulos dos Dory manteve o seu elemento principal: o Dóri nº 37 e o seu tripulante, um pescador português embrenhado na sua função. Este cenário foi retirado de uma fotografia original e bem antiga, que a AdegaMãe obteve permissão para usar, onde se vê também a embarcação-mãe, o Creoula, em plano de fundo. Construído e lançado ao mar pela primeira vez em 1937, o ex-bacalhoeiro Creoula pertence hoje à Marinha Portuguesa. Entretanto, já depois desta imagem ser utilizada nos rótulos dos Dory, o verdadeiro Dóri 37 foi oferecido à AdegaMãe, pela família que o detinha, e está exposto mesmo à entrada da adega, não deixando dúvidas sobre a influência do mar na génese e herança espiritual do produtor.

Montejunto: três de um lado, três do outro

Embora tudo tenha começado com um tinto (provavelmente porque, na altura, era o que mais sentido fazia a nível de mercado), rapidamente a equipa da AdegaMãe percebeu que o potencial daquela zona de Lisboa residia nas uvas e vinhos brancos, pelo clima e pelos solos. Anselmo Mendes e Diogo Lopes — hoje talvez a dupla de enólogos mais cobiçada do país — acompanham a empresa desde a sua fundação e orientaram, logo no início, a restruturação das vinhas que circundam a AdegaMãe: substituíram as castas tintas que, na verdade, não faziam ali grande sentido, como Alicante Bouschet ou Aragonez, entre outras, por uvas brancas. Nos 30 hectares de vinhedos que ali estão hoje, apenas uma tinta ficou, a Pinot Noir. Amândio Cruz, viticólogo consultor da AdegaMãe e também ele uma referência na sua profissão, entrou em cena em 2014, e explica que a Pinot Noir se comporta “mais como uma branca, a nível de exigências térmicas”, por isso faz sentido ali. E ainda bem para Bernardo Alves, que confessa ser uma das suas favoritas…

Porém, para Amândio Cruz, o maior potencial da casa reside nas três brancas mais plantadas ali, Chardonnay, Viosinho e Sauvignon Blanc, “o ex-libris da AdegaMãe”. Em 2021, lembra, plantaram Gouveio, que era praticamente inexistente nas vinhas do produtor, e este ano reforçaram a área de Alvarinho. Ainda na zona da adega, há também Riesling e Arinto, mas é noutra vinha de 32 hectares, na zona mais interior do concelho, que estão Fernão Pires e Viognier, além de Arinto e Sauvignon Blanc. Adicionalmente, já na encosta poente da Serra de Montejunto, em Pereiro, encontra-se uma vinha de 3 hectares com a casta Vital, uma das pouquíssimas ainda existentes na região. Durante vários anos, a equipa de enologia da casa esteve a estudar o que fazer com ela, culminando no lançamento do AdegaMãe Vinhas Velhas Vital, em 2021, integrado numa nova gama de vinhos de parcela. “O clima de Torres Vedras é excepcional para castas brancas, é o factor principal”, elucida Amândio Cruz. “É mais fresco em geral, as temperaturas máximas são mais baixas e as nocturnas também, e temos uma neblina matinal óptima. Há até menos horas de sol, porque está muitas vezes nublado até às onze da manhã”, desenvolve. Mas também o solo tem a sua importância no potencial da zona para brancos: “O solo é argilo-calcário, o que imprime excelente acidez nas uvas, com a particularidade de ter muito cálcio, mais do que potássio. Isto é bom porque o potássio, embora importante para a nutrição das uvas, em excesso retira-lhes alguns ácidos essenciais”, refere o viticólogo.

Já do outro lado da serra, num clima mediterrânico de influência mais continental e (um pouco) menos atlântica, estão as uvas tintas, divididas por outras três vinhas nas zonas de Alenquer e Arruda dos Vinhos: Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Tinta Roriz, Aragonez e Alicante Bouschet. Deste lado as amplitudes térmicas são maiores (essencial para a maturação das uvas tintas) e os Verões mais quentes.

lisboa adegamãe Especialidade da casa

Os vinhos brancos varietais, incluindo os de uma só parcela, são claramente o campo onde a AdegaMãe dá mais cartas. Durante a última década, a empresa esteve à procura “do seu lugar no Mundo”, e foi aqui que o encontrou. Ainda em 2013, ano em que a AdegaMãe fez um dos vários reforços à gama de varietais brancos, com 4 novos vinhos, Bernardo Alves já dizia: “O objectivo é contribuir para uma nova reputação da região de Lisboa. Esta região e a AdegaMãe têm muito para dar ao país. As condições naturais, a proximidade do oceano Atlântico e os próprios solos oferecem-nos vinhos com características especiais, com uma mineralidade e com uma acidez natural que é de realçar. Temos condições únicas para fazer grandes vinhos”.

Diogo Lopes, que hoje é o principal enólogo da casa, recorda que “os primeiros 10 anos serviram para eu e o Anselmo Mendes aprendermos sobre a região. As variedades, as zonas, os estilos de vinho e todos os seus potenciais. Aprofundar o conhecimento e ter mais certezas do que queríamos fazer. O corolário disto tudo, é a gama dos vinhos de parcela”. Esta gama, com a marca umbrela AdegaMãe, abrange, além do já referido Vinhas Velhas Vital, também o Tinto Atlântico, um 100% Pinot Noir da vinha do produtor mais próxima ao mar, e mais recentemente a novidade absoluta, Parcela Amarela, 100% Viosinho, casta que a equipa considera como a “crème de la crème” da casa, estando presente nos principais brancos de lote). No entanto, não é só a parcela e a casta que fazem este vinho, na edição de 2019, especial. “Com o decorrer da fermentação, ouve duas barricas que desenvolveram um pouco de ‘flor’ naturalmente, e eu deixei ficar… achei que ia dar riqueza ao vinho”. A “flor”, ou “véu de flor”, é uma espécie de manto, formado por leveduras, que se forma no topo do vinho, a maior parte das vezes quando a barrica ou o depósito não estão totalmente atestados, devido ao contacto com o oxigénio. E ainda bem que Diogo Lopes o deixou ficar, porque neste caso o resultado foi excelente, um branco original e com enorme complexidade e elegância, com um lado evoluído nobre.

Igualmente ambiciosa é a gama dos AdegaMãe varietais brancos. Para esta reportagem, provou-se o Sauvignon Blanc 2020, Riesling 2019, Chardonnay 2020, Arinto 2019, Alvarinho 2018 e Viosinho 2019. Em comum, têm o facto de serem vinhos de elevadíssima qualidade, por um preço altamente democrático. Quando se diz a Bernardo Alves que estas referências poderiam custar bem mais, “nas prateleiras”, do que custam, o director-geral da AdegaMãe torce o nariz: “Claro que poderiam custar mais, têm qualidade para isso, mas não é esse o nosso objectivo. Queremos que toda a gente possa beber excelentes vinhos de Lisboa”, sublinha.

lisboa adegamãe

Investir na qualidade

É também Bernardo Alves que critica o sector do enoturismo português, com assertividade. “Enoturismo não é só dormir nas quintas de vinho, nem ter apenas uma porta aberta ao público. Ou se tem à seria, com uma estrutura dedicada, ou mais vale não ter”. Como se costuma dizer “errado ele não está”. É com base nesta premissa que a AdegaMãe tem investido largamente nesta área, com o último investimento maior a recair (a par da área da produção) sobre a abertura do restaurante Sal na Adega, em 2020. O espaço, moderno mas aconchegante em simultâneo, e com vista privilegiada para as vinhas, serve cozinha tradicional portuguesa com um toque de elegância e identidade, da autoria do chef santareno Tiago Fitas Rodrigues. O bacalhau tem, naturalmente, forte presença na carta, mas nem só dele se faz a oferta gastronómica, havendo muito mais por onde escolher, e acima de 20 referências de vinho para harmonizar. À entrada, logo a seguir à loja, uma zona estilo wine bar para quem espera ou para quem não se quer comprometer com uma refeição completa. É também aqui, no Sal na Adega, que se pode desfrutar do Brunch AdegaMãe, que custa €40 por pessoa e inclui harmonização com 4 vinhos da casa: Dory Colheita branco ou tinto, varietal branco, varietal tinto e Dory Reserva branco ou tinto. Ainda no âmbito do enoturismo, há todo um leque de provas comentadas diferentes, visitas guiadas e experiências personalizadas. “As pessoas vêm pouco ao Oeste, e nós estamos a tentar criar motivos para que venham”, conclui Bernardo Alves.

Tendo já todas as fases do processo de produção nas suas instalações, incluindo linha de engarrafamento, a AdegaMãe produz, actualmente, 2 milhões de garrafas por ano, um aumento de 700 mil desde 2018. Cerca de 75% vai para mais de 30 países, com o Brasil, os Estados Unidos, a Ásia e a Colômbia a afigurarem-se como os mercados mais importantes. Também desde 2018, a facturação quase duplicou, com Março a fechar nos 5,8 milhões de euros. E o próximo grande objectivo, qual é? Diogo Lopes responde: “Acho que falta, na região, alguma identidade, e nós já descobrimos a nossa. Queremos assumir a AdegaMãe como um dos grandes produtores de vinho branco do país”.

 

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