E se reunisse 19 diferentes conservas numa só refeição? Sem qualquer dificuldade, diríamos, até porque existem 36 espécies de pescado e marisco em lata, de acordo com os dados da Associação Nacional dos Industriais das Conservas de Peixe (ANICP), trabalhadas por 20 empresas ativas em Portugal, e mais de 800 referências, tendo em conta a diversidade de molhos e coberturas. Mas o Chef transmontano Vítor Adão foi além do que se estava à espera, no restaurante Plano, em Lisboa, com as quase 20 variedades. Objetivo? Mostrar quão versáteis são os enlatados e quão criativa se pode tornar uma refeição.
Do início ao fim, o Chef Vítor Adão juntou três ingredientes conservados em cada momento. O primeiro reuniu uma manteiga sem sal de salmão, cavala e anchovas, as duas últimas servidas sem qualquer intervenção. Para acompanhar, foram dispostos, na mesa, pão de trigo e pão de centeio, o azeite biológico de Valpaços e as azeitonas, que fazem parte dos menus de degustação deste espaço de bem comer, onde os fermentados, os preservados e as conservas caseiros são uma constante.
A delicadeza de cada criação foi revelada ao longo do almoço. O piso de espinafres selvagens e amêndoa a acompanhar a raia, o lingueirão e o berbigão, encimados por um pickle de pêra, testemunhou a arte conjugar sabores e texturas. A subtileza do detalhe foi comprovada igualmente pelo mil folhas de sardinha e batata, constituído por três variedades deste tubérculo: Kennebec, Désirée e outra de Aljezur. “Os camarões foram aquecidos directamente na lata”, aos quais o Chef Vítor Adão juntou “uma salada, para realçar o sabor”. A tartelete de mexilhões de escabeche complementou este prato.
O mais arrojado prato foi o das ovas de bacalhau e búzios, inusitadamente conjugados com coco e batata doce. Os citrinos mão-de-buda e limão galego, usados com parcimónia, conferiram a acidez necessária, a par com os amendoins ligeiramente caramelizados. No fundo, comprovou, uma vez mais, que uma simples conservas é a base de uma criatividade infinita, aprimorada pela pelo trio composta por pescada, polvo e enguia. A estes, o Chef Vítor Adão juntou choco, halófita, batata Atlântica, de Boticas, no distrito de Vila Real, e acrescentou beurre blanc, bem como espuma da pescada.
Para finalizar o almoço, inteiramente harmonizado com vinhos da Quinta de Cypriano, localizada em Ponte de Lima, na região dos Vinhos Verdes, o Chef transmontano preparou um lingote de chocolate e lemon curd, cuja acidez cítrica se conjugou na perfeição, com o granizado de Queijo Terrincho, sendo este feito a partir de leite de ovelha Churra, existente na Terra Quente de Trás-os-Montes. Este último fez a ligação com as raspas deste produto, que Vítor Adão coloca generosamente por cima do pão-de-ló, a clássica sobremesa do Plano.
De volta às conservas, arte ancestral de preservar sabores e de promover a sustentabilidade alimentar, é de salientar que cerca de 80 por cento da produção é destinada à exportação, segundo as palavras de Marta Azevedo, Directora de Marca e Comunicação da ANICP, fundada em 1977. Além da diversidade, a nossa cicerone salienta a praticidade deste produto, que facilmente ganha protagonismo numa refeição intensamente saborosa e claramente criativa. Para o ano, ficou no ar a ideia de se fazer um almoço em que os presentes iriam “pôr a mão na massa”.
Enquanto esse dia não chega, nada melhor do que assinalar este Dia Nacional das Conservas de Peixe, que se comemora hoje, 15 de Novembro, com uma visita (2,50€ estudantes, professores e reformados/5€ público geral) à exposição “O Milagre da Sardinha – Memórias e Mistérios de um Ícone Nacional”, patente no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, até 30 de Dezembro. A mostra convida a viajar pelas variadas fases inerentes à conserva, desde a pesca à preservação de uma espécie de peixe que é símbolo de Portugal, e é complementada com uma conversa partilhada entre António Marques, do Centro de Arqueologia de Lisboa, e Ana Ferreira Fernandes, autora da transcrição sobre o regulamento de venda das sardinhas, no próximo dia 23 de Novembro, sob o título “O Milagre da Sardinha”.











