Curral Atlantis: vinhos com sabor a mar

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O envolvimento da família Faria com o enólogo Paulo Laureano ao longo de duas décadas tem resultado num portefólio de vinhos de inquestionável qualidade e forte identidade, vinhos que expressam da melhor forma o inimitável terroir da ilha do Pico.

TEXTO Luís Lopes

Há 20 anos, ninguém no Pico sonhava que um dia os brancos da ilha seriam louvados por jornalistas e consumidores exigentes e apresentados como exemplo de singularidade e distinção. Naquela época, o objectivo dos picarotos mais envolvidos com a vinha e o vinho não passava por fazer grandes vinhos brancos e exportá-los para o mundo. A ambição era outra, bem mais simples e prosaica: substituir progressivamente o chamado “vinho de cheiro”, elaborado a partir de videiras não viníferas e autorizado unicamente para consumo local, por vinhos tintos de castas “europeias”, capazes (acreditavam) de relançar a indústria vitivinícola da ilha.
Foi com esse objectivo que o mais experiente viveirista do continente, o alemão Jorge Bohm, fundador da Plansel, começou a visitar o Pico no sentido de ali inserir as suas plantas, enxertadas com as variedades clássicas europeias e com os híbridos desenvolvidos no centro de investigação de Geisenheim. Havia que encontrar uma casta tinta de ciclo curto que, nas condições extremas do clima local, originasse vinhos com taninos maduros e suaves. O seu principal cliente no Pico era Manuel Faria, proprietário de uma empresa de venda de produtos e alfaias agrícolas. Da relação comercial e de amizade entre os dois surgiu a ideia de criar uma empresa produtora de uva e vinho e assim nasceu a Curral Atlantis em 1995.
A dupla adquiriu terrenos e, com o apoio da Universidade de Évora, plantou 3 hectares de uma vinha experimental, com 24 castas, entre elas Viosinho, Chardonnay, Gouveio, Pinot Grigio, Merlot, Syrah, Cabernet Sauvignon e diversos híbridos, videiras que foram conduzidas de forma “moderna”, em espaldeira, ao invés dos currais tradicionais. Em 1997 chegou o enólogo Paulo Laureano para, a partir daí e ao longo dos anos seguintes, vinificar os frutos desta vinha e retirar conclusões técnicas e científicas que alicerçassem o projecto. Não levou muito a perceber que daquela amálgama de castas apenas a Viosinho e as variedades clássicas da ilha, nomeadamente Arinto, Verdelho e Terrantez (tudo castas brancas…) ofereciam as garantias de qualidade pretendida.

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A vinha é desafio permanente
O projecto Curral Atlantis inverteu assim o sentido original e, a partir de 2010, a aposta seria total na vinha e castas tradicionais. Adquiriram-se terrenos, limparam-se matos e reconstruiram-se os currais. Actualmente, a empresa dispõe de 42 hectares de vinha, dos quais 8 hectares em zona plana (outrora em espaldeira, agora transformados em condução baixa, sem arames) e os restantes espalhados pelos inconfundíveis currais de pedra vulcânica. Para além desta matéria prima, o produtor conta com mais 20 hectares alugados a viticultores da região.
Entretanto, a Curral Atlantis tornou-se numa sociedade totalmente familiar, com Manuel Faria a adquirir a parte de Jorge Böhm e a integrar os seus filhos Marco e Rui no dia a dia da empresa. Com o actual “buzz” em torno dos vinhos do Pico e as vendas a crescerem no País e em diversos mercados internacionais, impõe-se agora a construção de uma nova adega, que estará pronta em 2020, primeiro a área de vinificação, mais tarde o enoturismo. Em velocidade de cruzeiro, o projecto conta produzir 250 mil garrafas/ano. A nova adega vai fornecer outras ferramentas a Paulo Laureano para afinar o perfil dos vinhos. O enólogo quer dar consistência ao que existe mas também fazer coisas diferentes (“precisamos saber até onde podemos ir no Arinto e no Verdelho”, diz) e dar outras condições de estágio aos licorosos (que, em rigor, o não são, pois o Curral Atlantis “licoroso” é um branco doce natural, sem adição de aguardente, como é tradição de alguns produtores do Pico).

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Mas também na vinha há muito por fazer. “Os desafios vitivinícolas no Pico são diferentes dos de há 20 anos”, refere. “Temos um terroir extraordinário, mas com enorme dificuldade de maneio e, paralelamente, muita falta de mão de obra. Precisamos controlar de forma mais adequada os infestantes, melhorar a resiliência das plantas e optimizar a produção – que não passa de 1,5 ou 2 kg por cepa”, enumera Paulo Laureano.
Fazer vinha e produzir vinho no Pico não é para qualquer um, é bem evidente. A Natureza impõe-se aqui de forma esmagadora, nada é oferecido, tudo é alcançado com muito labor e cuidados. Mais uma razão para que os produtores da ilha aprendam, cada vez mais, a trabalhar em conjunto em torno de objectivos comuns.

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“Há que saber comunicar e vender a forte identidade vínica do local”, diz Paulo Laureano. “Para o conseguirmos, salvaguardando o modelo de negócio e o estilo de cada um, deveremos todos caminhar no mesmo sentido, valorizando o Pico e os seus vinhos”. Nada mais certo.

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Edição Nº30, Outubro 2019

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