Finalmente. As castas portuguesas começam a ter o lugar
que merecem nas a(in)tenções vitícolas, não só por parte dos
viticultores, mas, assinalavelmente, por parte das entidades
oficiais, regulamentadoras e outras tais.
SE tenho algum ponto forte, esse não será certamente o de escrever “Crónicas”. Não consigo tornar interessante um texto inspirado em trivialidades ou fait-divers. Não tenho essa arte. Assim, quando me decido a fazê-lo, tenho de sentir que algo que considero importante deve ser partilhado com quem tem a paciência de ler as palavras que escrevo.
A crónica que assinava na Revista de Vinhos, que construímos passo a passo, mês a mês, ano a ano, chamava-se “Contra Corrente”. Em várias destas crónicas quis chamar a atenção para a importância das castas portuguesas, e de nelas fazermos âncora para navegarmos seguros em busca no mundo. Sempre me indignei com quem bajula vinhos estrangeiros e despreza vinhos portugueses, sempre me inconformei com quem nega este fantástico Portugal e aquilo de que é feito. Sempre me entristeci com a facilidade da “cópia” e volatilidade das “modas” e sempre me revoltei com a falta de interacção, respeito pela tradição e sentido de “rumo sólido”.
Continuo a não compreender porque muitos enólogos usam a mesma receita nas várias consultorias para que trabalham, continuo sem entender porque é que um vinho de Trás-os-Montes tem de saber a Douro, ou porque a Touriga Nacional tem de ser plantada no Alentejo, ou porque o Vinhão tem de substituir o Sousão no Douro. E pergunto: porque razão continuamos a querer desarrumar aquilo que estava tão bem arrumado? Ou porque razão fazemos tudo igual quando podemos fazer tudo diferente?
A nova crónica chama-se Unplugged, porque sempre preferi a discrição. E se tenho de ter a coragem de chamar atenções quero fazê-lo desligado, para que o ruído seja o “quanto baste”.
Esta primeira crónica para a VINHO Grandes Escolhas não é para dizer “reparem…”, mas sim para saudar a recente mudança das opções vitícolas tomadas não só pelo programa VITIS como também pelo IVV, pelo INIAV e pela PORVID. Ainda não é o “óptimo”, mas já é um grande passo.
O VITIS (programa de apoio comunitário à reestruturação ou plantação de vinha) privilegia a partir deste ano de 2017 todos os projectos que tenham a intenção de plantar apenas castas de origem nacional. Com a limitação que existe hoje ao crescimento de área de vinha, é de aceitar que as castas francesas, italianas ou outras tais que não as nossas serão afastadas das novas plantações. Nada mau, já só plantamos (à partida) o que tem cunho nacional.
No INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária) várias reuniões têm sido feitas para recuperar as castas minoritárias nacionais, ou seja, todas aquelas que não têm clones, nem material com garantia sanitária e garantia de casta, que possa ser multiplicado. Das mais de 250 castas para vinho que possuímos, cerca de 60 já têm clones certificados e mais 12 juntaram-se-lhes recentemente como material vegetativo garantido que pode vir a ser (caso haja pedidos) multiplicado em viveiristas certificados. O viticultor pode hoje requerer a marcação de videira de castas minoritárias na sua propriedade, para que o seu material vegetativo venha a ter possibilidades de multiplicação certificada.
Do Instituto da Vinha e do Vinho, outro projecto. Este bastante ambicioso. Objectivo: estudar cultural e enologicamente castas raras (na ordem de algumas dezenas) num período curto de tempo. Existe para já uma lista de 100 destas castas raras, das quais serão plantadas vinhas com material cedido pela PORVID, e num futuro muito próximo será feito vinho destas castas e destas vinhas. O projecto vai arrancar este mesmo ano e tem a participação de várias instituições e empresas (Instituto Superior de Agronomia, Real Companhia Velha, Sogrape, Esporão…).
Na PORVID, o cofre forte de toda diversidade genética das videiras (castas) portuguesas, os trabalhos não se limitam a guardar o que existe e decorre um programa de prospecção de novas castas. Ou seja, acontece que por vezes castas com o mesmo nome são completamente diferentes, como é o caso da casta Amaral. Muito em breve, serão efectuados cerca de 100 testes para obter resultados moleculares que definirão o DNA de muitas videiras em estudo, com a certeza de que algumas novas castas surgirão destes testes. Em perspectiva a aprovação de financiamento para prosseguir e alargar substancialmente estes testes moleculares, que poderão mostrar que o nosso Portugal tem bastante mais castas para vinho do que à partida se pensava.
Pequenino, velhinho e muito rico em diversidade. Saibamos nós aproveitá-lo. Tenho dito!