Editorial: O Douro das vinhas velhas

A chamadas “vinhas velhas” do Douro constituem elemento de notoriedade e qualidade que muitos dos melhores e mais conceituados vinhos da região partilham, um denominador comum, portanto. Mas nem sempre nos damos conta que essas mesmas vinhas são também aquilo que, primeiramente, os diferencia, definindo a sua singularidade e identidade.

Editorial da edição nrº 68 (Dezembro 2022)

A região do Douro foi a primeira a colocar ordem no uso da designação “vinhas velhas” na rotulagem, corrigindo um verdadeiro escândalo de publicidade enganosa. Em dezembro de 2020, o IVDP criou a menção tradicional “Vinhas Velhas”, regulamentando-a. Desde então, em traços muito gerais, para colocar o designativo na rotulagem, um produtor deverá cumprir as seguintes condições: a vinha ter mais de 40 anos de idade (avaliada pela idade média das videiras mais velhas da parcela); o rendimento por hectare não exceder 50% do máximo fixado anualmente para DOC Douro; a vinha ter, pelo menos 5.000 cepas por hectare (com tolerância de 30% para falhas – videiras mortas – e excepção das parcelas com armação pré-filoxérica, com menor densidade); apresentar um mínimo de 4 castas, com 3 delas a representar um mínimo de 25% do total; e o vinho proveniente destas vinhas ser aprovado na câmara de provadores do IVDP com nota mínima de nível 2 (equivalente a Reserva). Para além destes requisitos, o viticultor tem a obrigatoriedade de comunicar anualmente todas as alterações verificadas nestas parcelas, nomeadamente replantações ou reenxertias.

A meu ver, dever-se-ia ter ido mais longe, nomeadamente na nota mínima (passar a nível 3, equivalente a Grande Reserva, seria sensato), na idade (para a realidade vitícola do Douro, 40 anos é curto) e no número mínimo de castas existente no “field blend”. Mas este já foi um passo bastante significativo que veio acabar com grande parte do abuso. Um abuso que, curiosamente, só existe porque o consumidor associa, quase como sinónimos, “vinha velha” e qualidade acrescida. Algo que está muito longe de corresponder à realidade.

Na verdade, o que mais há no Douro são vinhas velhas de má qualidade: mal localizadas, mal tratadas, com predominância de castas de fraco valor enológico. Mas, nos casos em que “os astros se conjugam”, a vinha velha oferece qualidade e carácter inigualáveis. Os motivos são vários e conhecidos, mas aqui elenco, de forma muito simplista, os principais: inexistência de rega, originando um stress hídrico benéfico; raízes profundas, que absorvem outro tipo de nutrientes e minerais; produção muito menor, conduzindo a mais concentração em cada cacho; muitas décadas de adaptação de cada cepa ao solo, ao clima, à exposição solar – a videira “conhece” o território onde está; maior resiliência a condições climatéricas adversas; colheita e fermentação das castas misturadas, em diferentes fases de maturação, originando maior complexidade de aromas e sabores.

No entanto, bem mais do que a qualidade (uma vinha velha com 30 castas não produz obrigatoriamente melhor vinho do que uma vinha com 20 anos de idade e Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinto Cão, por exemplo), o que me fascina nas vinhas antigas do Douro é a sua singularidade. A diversidade de “field blends” que encontramos num conjunto de parcelas dispersas, com 60 ou mais anos, é absolutamente incrível, variando imenso o número de castas, suas percentagens e até a casta predominante. O resultado são vinhos imensamente distintos uns dos outros, cada um expressando a identidade da vinha onde nasceu. Juntemos a isto os vinhos de vinhas “modernas” e obtemos uma pintura duriense multicolor.

A prova de Douro tinto de topo que faz capa desta edição espelha tudo o que acima descrevi. Manoella, Vale Meão, Poeira, Quinta Nova, Duorum, Boavista, Noval, Xisto, Vale D. Maria, Leda e tantos, tantos outros, só possuem em comum duas coisas: a origem geográfica (que se traduz em alguns marcadores de aroma e sabor que nos remetem para uma dada região) e a excelência do vinho. Em tudo o resto são diferentes. E esse é o maior elogio que se pode fazer ao Douro de hoje.

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