Sim, eu sei, é um clichê, uma expressão demasiado usada e abusada, em particular no “economês” e “politiquês”. Mas, sinceramente, não encontro nenhuma outra que traduza de forma tão expressiva a rara combinação de circunstâncias negativas com que se debatem as empresas do sector do vinho.
Editorial da edição nº60 (Abril 2022)
Após ter mostrado notável resiliência à pandemia em 2020, e ainda mais extraordinária recuperação em 2021, o sector da vinha e do vinho em Portugal depara-se, hoje, com factores estruturais e conjunturais que, associados, constituem um enorme desafio às suas capacidades. Porque abordo este assunto numa revista orientada, sobretudo, para os consumidores? Pela simples razão de que, ao contrário das ameaças óbvias do covid-19 ao negócio do vinho (encerramento de pontos de venda, enoturismos, lojas e restaurantes), os efeitos que esta “coligação negativa” está a ter nos produtores passam despercebidos aos apreciadores. A “tempestade” resulta de um conjunto de circunstâncias, das quais destaco três: aumento astronómico dos custos de produção, escassez de mão-de-obra e, claro, Rússia.
No que a alguns custos diz respeito, o consumidor está avisado, pois também os sofre na pele. Sabe que gás, electricidade e combustíveis aumentaram e já percebeu que vai pagar mais caro a carne, o leite, os legumes. Mas desconhece, por exemplo, que os produtos para a vinha (de adubos a fungicidas) aumentaram mais de 200% num ano. Não imagina que caixas de papel e madeira, rótulos, cápsulas, garrafas, rolhas, aumentaram em média, no mesmo período, 30 a 45%. Ou que os fretes de exportação inflacionaram entre 300 a 400%. Além da energia, claro. Dizia-me outro dia o enólogo de uma empresa que produz a sua própria aguardente que, há um ano, por 24 horas de destilação pagava €1500 de gás; agora paga €2200. Tudo o que é necessário para que uma garrafa de vinho chegue ao consumidor não está apenas muito mais caro: também não está disponível. Há muitos produtores a atrasarem engarrafamentos por não haver garrafas; e diversos outros têm exportações firmadas, mas não sabem quando haverá contentores.
O que vai sentir quem compra uma garrafa no supermercado? A curto e médio prazo, provavelmente, nada. O vinho no supermercado está demasiado barato e assim irá continuar. Enquanto houver um produtor desesperado disposto a substituir outro, mesmo vendendo abaixo do preço de custo, continuará a haver vinho bom e barato nas prateleiras. Mas é importante que o consumidor saiba o que está por trás dos €2,19 que paga por uma garrafa. Quanto aos vinhos mais ambiciosos, será talvez menos difícil reflectir parte do aumento de custos no preço final. Mas estes vinhos representam uma pequena fatia do mercado.
Depois, a escassez de mão-de-obra. É um problema transversal a todos os sectores de actividade, como sabemos. Mas é ainda mais grave no sector agrícola, em geral, e no vitivinícola, em particular. Boa parte das vinhas portuguesas não são inteiramente mecanizáveis, desde a poda até à colheita. E, para alguns vinhos de topo, essa mecanização nem é desejável. Mas onde estão as pessoas disponíveis para trabalhar? Neste momento, os podadores são tão raros que se vão buscar equipas a centenas de quilómetros de distância. Se a colheita de 2022 for abundante ou a vindima longa e com interrupções, haverá uvas que ficam nas videiras por não haver quem as apanhe ou não compensar apanhá-las. Ou vão ser colhidas demasiado tarde, com reflexo na qualidade dos vinhos.
Finalmente, a insanidade da guerra. A exportação para a Rússia estava a crescer e, para muitos produtores, o país era o segundo ou terceiro mercado. Agora, acabou, e a escassez e custo dos fretes dificultam o desvio das atenções para novos mercados.
O sector do vinho já provou ser um “navio” com elevada resistência ao mar tempestuoso. Agora, de novo, vai ter de mostrar tudo o que vale.