Novidade, notícia, atenção: este é o primeiro texto com uma seleção exclusivamente dedicada a espumantes rosés portugueses na nossa revista! E os resultados são, no mínimo, excelentes! De tal forma se deram tão bem em prova, que cabe interrogar-nos porque razão não fizemos antes este tipo de seleção? Em primeiro lugar há que dizer que provamos muitos espumantes rosés ao longo do ano. Simplesmente não sintetizamos essa prova num único texto. O mesmo se poderá dizer, claro está, quanto a outro tipo muito específico de vinho, do Vinho de Talha ao Porto LBV, que podem merecer tantas vezes uma seleção à parte, mas, por regra, saem mais dispersamente ao longo de várias edições.
Depois, talvez seja melhor colocar já o dedo na ferida, e apesar dos excelentes exemplares nacionais, todos nós – consumidores, vendedores, críticos e produtores – não andamos a prestar a atenção devida à categoria dos rosés espumantes. Salve-nos, a esse respeito, não ser uma falha exclusivamente nossa, uma vez que em Champagne – pináculo da produção de vinhos espumantes – só muito tempo depois do monge Dom Pérignon aprender a controlar a segunda fermentação, é que se passou a valorizar a respetiva versão rosada. Hoje, ao invés, e dependendo das marcas, a versão rosé dos Champagnes (e em alguns Franciacorta italianos) pode ser mesmo mais exclusiva do que os brancos, em parte devido à sua muito menor produção, em parte por alguns exemplares serem absolutamente magníficos (com distribuição em Portugal recomendamos o mítico Cristal rosé, o gastronómico Gosset Grand Rosé e o sensual Billecart-Salmon rosé).
Uma questão de estilo
Como é evidente, um bom espumante rosé em nada fica atrás de um bom espumante branco (não nos referimos aqui aos tintos que deixamos para outra altura). É uma questão de estilo. Aliás, quando um dos melhores produtores de rosé em Portugal, a empresa bairradina Kompassus, quis iniciar-se em espumantes topos de gama, fê-lo em versão rosés, quer com Baga e Pinot Noir juntas, quer com cada uma das castas em estreme. E assim o é, desde logo, porque a partir de uma casta tinta se pode fazer espumante branco ou rosé. Com efeito, quanto à cor e perfil, e não querendo entrar em muitos detalhes, trata-se de uma opção de vinificação do produtor, sendo que uma uva tinta, dependendo da variedade, naturalmente, pode conduzir a um mosto mais claro do que uma uva branca. De resto, a carga fenólica de grande parte das uvas tintas com que se faz espumante é menor do que a das castas brancas (simplificando, esmagando uvas de Pinot Noir e de Chardonnay lado a lado, o mais provável é que o sumo desta última tenha mais cor do que o da primeira). Por isso, e como escrevíamos, a versão rosé depende da escolha na adega, nomeadamente no que respeita ao tempo de contacto do mosto com as películas da uva. Para os vinhos mais delicados utiliza-se apenas o mosto lágrima (tête de cuvée) utilizando-se o método de bica aberta sem contacto com as películas. Em Champagne pode-se utilizar este mesmo método para os rosés, com maior ou menor contacto com as películas, ou produzir espumantes brancos e tintos que são depois misturados. Não sendo este um método maioritário, contribui para alguns dos champanhes rosés com mais carácter.
Rosés de eleição
Mas voltemos à nossa premissa inicial. Não existe nenhum motivo para não eleger um espumante rosé quando nos apetece bolhas, seja a solo, de aperitivo, ou a acompanhar uma refeição. É verdade que a sua produção continua a ser residual face aos brancos, e é verdade que quem pretende um espumante centrado em notas de panificação, ou até com perfil mais cítrico ou floral, não pensa imediatamente numa bebida com tons rosados. E pode ser até que os espumantes rosés tenham herdado, por parte do público, algum do preconceito que existe em relação à generalidade dos vinhos rosés (preconceito que nos afigura estar a desvanecer). Em todo o caso, provando os vinhos, nas suas melhores versões (vários dos recomendados são topos de gama), é impossível ficar indiferente a uma sedução ligeiramente frutada que equilibra as notas fermentativas típicas de uma segunda fermentação e atenua os matizes mais barrocos provocados pela “reação de Maillard”.
Pois bem, quanto à nossa recomendação, não vale a pena guardar segredo e avancemos para a conclusão que já temos vindo a desvendar nos parágrafos anteriores: temos mais espumantes rosés de excelência em Portugal do que pensamos e, definitivamente, do que andamos a beber. Produto ainda valorizado para momentos festivos, acaba muitas vezes esquecido dentro do coffret (palavra francesa para a caixa decorativa em que os champagnes de edição limitada são comercializados) na dispensa. Todavia, e depois de provarmos muitos vinhos e de selecionarmos mais de uma dúzia, não temos dúvida em classificá-los como o melhor acompanhamento à mesa com uma piza (melhor ainda se for levemente picante), com almondegas ou outros pratos à base de carne picada, mas também, e noutro polo, com peixes secos e para maridagens com pratos exóticos (caril em especial). De preferência quando o espumante rosé é bruto natural como grande parte dos que aqui selecionámos, com uma mousse cremosa, cordão vivo e pressão média.
Há, pois, que valorizar os espumantes nacionais, incluindo os rosés, o que passa por compreender que produzir um espumante é muito mais difícil do que produzir um vinho tinto, por exemplo. Outra coisa que por vezes se esquece é que uma premissa base para um bom espumante é a qualidade das uvas que estão na sua génese. Devem ser uvas destinadas exclusivamente a espumante tendo em consideração o álcool provável, pH e acidez total. Uvas demasiado maduras contribuirão para espumantes com demasiado carácter varietal (o que não se pretende) pelo que se deve privilegiar regiões frias para a sua produção ou, nas menos frias, optar por uma vindima precoce. O vinho base para um espumante deve ter entre 10,5% e 11,5% de álcool, uma acidez total entre os 9 a 10 g/l e um pH preferencialmente abaixo dos três. Não espanta, assim, que a produção de espumante, espalhada por todo o território, se concentre em duas regiões onde não falta frescura: a atlântica Bairrada e a montanhosa Távora-Varosa. Na nossa seleção, os vinhos destas regiões puxaram dos pergaminhos (muito bem o Baga-Bairrada da Aliança, que já produz 65.000 garrafas a um preço imbatível), seguidos por regiões de clima também temperado e húmido como Lisboa (sobretudo nos solos calcários) e os Vinhos Verdes. Mas terminamos como começámos, concluindo que em todo o nosso território se produzem grandes espumantes e também na versão rosé que em nada fica atrás da versão branca. Em alguns casos, bem pelo contrário!
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)