Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano.
TEXTO Luís Lopes
O vinho é um produto da civilização. Ao contrário de outros bens que a natureza nos oferece, o vinho não pode existir sem a intervenção humana. Essa intervenção começa na própria videira, a vitis vinifera, resultado da domesticação da videira selvagem, e prolonga-se em todos os trabalhos de campo, sem os quais a videira não frutificaria. Diferentemente do que acontece com uma ameixeira ou macieira, por exemplo, uma vinha abandonada, passados alguns anos, deixa de dar frutos.
A progressiva banalização da palavra terroir pode levar-nos a pensar que a natureza tudo determina, e que o perfil de um determinado vinho é quase exclusivamente definido pelas características do local. Mas não é verdade.
A natureza é importantíssima na definição de um vinho, todos o sabemos. A mesma casta, trabalhada na adega da mesma forma, origina vinhos diferentes consoante o local onde nasceu, ou as condicionantes climáticas do ano vitícola. Mas a quantidade de variáveis introduzidas pela intervenção humana acaba sempre por sobrepor-se aos desígnios da natureza, com um impacto determinante no resultado final. Um exemplo, muito simples: perante um dado talhão de vinha, posso vindimar agora com 11% de álcool provável ou optar por colher as uvas mais tarde, com 14%. A decisão é minha, e desse exercício de livre arbítrio nascem vinhos completamente distintos. Multipliquemos isto por todo o tipo de variáveis aplicáveis na vinha e na adega decorrentes da intervenção humana e facilmente percebemos que cada decisão (mesmo a de não intervir) condiciona sempre o resultado final.
Nesta edição da Grandes Escolhas temos vários exemplos do poder do factor X na definição do perfil de um vinho. Desde logo, a grande prova de vinhos brancos de Monção e Melgaço. Em pouco mais de 30 vinhos provados, a diversidade de estilos patenteada é enorme. Estamos a falar da mesma casta (Alvarinho) e da mesma região, ainda que com diferenças de produtor para produtor ao nível de tipologia de solos, exposição solar ou altitude, que introduzem nuances distintas no aroma e sabor. Mas quando avaliamos dois vinhos produzidos em vinhas contíguas e nos deparamos com um deles exuberante, intenso e tropical, e outro, austero, citrino, mineral, percebemos então facilmente o efeito do factor humano no perfil de um vinho.
Veja-se, também nesta edição o caso de Cortes de Cima. Um produtor da Vidigueira resolve plantar vinha à beira mar, em Vila Nova de Milfontes. Podia ter dado mau resultado, pois não havia histórico vitivinícola no local. Dez anos depois, com muito trabalho para superar os exigentes desafios que a humidade atlântica traz, o novo terroir é uma aposta ganha. O mesmo se pode dizer de José Afonso, um médico que gosta (literalmente) de deitar as mãos à terra, em Souropires, Pinhel. Ali, a quase 700 metros de altitude, trabalha as vinhas antigas com as castas tradicionais, mas também faz belos vinhos das “imigrantes” Verdelho ou Chardonnay. Esses vinhos são, tal como os outros, produto daquele terroir. Um terroir do qual o Homem faz obrigatoriamente parte.
O factor X tem obviamente limites. Não é possível fazer um grande vinho num terroir que não está vocacionado para isso. Do mesmo modo, o ser humano é capaz, e demonstra-o com frequência, de desperdiçar um terroir de excelência fazendo vinhos vulgares. Ainda bem que assim é. É preferível tomar decisões, agir e aprender com os erros, até alcançar o máximo que um terroir pode dar, do que deixar um produto criado pelo Homem ao cuidado dos insondáveis desígnios da natureza. A natureza não faz vinho. Mas pode fazer um bom vinagre….
Edição n.º29, Setembro 2019