O programa da feira incluiu duas visitas a produtores da região. A primeira levou-nos a casa de Filipa Pato e William Wouters, um casal apaixonado pelo vinho e pela terra onde eles nascem. Da vinha e da horta vieram os produtos que se combinaram na perfeição para um almoço inesquecível.
TEXTO Luís Francisco FOTO Ricardo Palma Veiga NOTAS DE PROVA Luís Lopes
A Bairrada é uma terra intrincada. Por causa do minifúndio, por causa dos bairrismos, por causa da sua variedade de micro-climas. E também por causa da sua rede viária – a linha do comboio obriga a desvios por vezes quase labirínticos. Por isso, quando Filipa Pato recebe a comitiva e explica que escolheu aquele caminho para podermos contemplar as vinhas antes de chegarmos à adega, muito poucos sabem do que ela está a falar. Mas não é preciso tirar um curso de bairradino para apreciar a beleza da paisagem. E perceber que a filosofia da casa assenta, antes de mais, numa enorme devoção à terra.
Estamos em Óis do Bairro, uma das mais afamadas localizações da região, o olhar percorrendo o mar de vinhas que se estende logo abaixo da linha do casario, escorrendo encosta abaixo até encher o vale confinante. Crescem em terrenos argilo-calcários, cultivados em modo biodinâmico (a certificação biológica virá em 2018) com recurso a plantas e animais locais – soltam as galinhas para estas controlarem os caracóis, ovelhas “emprestadas” tratam de limpar o terreno de ervas daninhas. Da vinha subimos à adega, por onde passamos antes de subirmos ao andar de cima, onde está posta a mesa. Na cave, pipas, tonéis e ânforas de barro com tampas metálicas alinham-se por baixo das vigas onde repousam as garrafas vazias dos vinhos que se vão bebendo. E, a fazer fé na amostra, Filipa e William Wouters, o marido, fazem muita “espionagem industrial”…
William é belga e um chef de grande nível. Durante anos, teve o seu próprio restaurante (e “alimentou” a selecção belga de futebol no Mundial 2014 e no Europeu 2016), mas agora cozinha em casa, alinhavando refeições inesquecíveis para quem visita a casa. O enoturismo, aliás, é a nova aposta deste casal, com um programa que inclui, invariavelmente, a harmonização dos vinhos da casa com os pratos ali confecionados, usando produtos locais. A receita estaria sempre condenada ao sucesso, mas o talento de William e a qualidade dos vinhos acrescentam um toque de magia.
Nos seus 15 hectares de vinha, Filipa procura fazer jus ao lema “Vinhos Autênticos, Sem Maquilhagem”. Aposta nas castas locais (Baga, nos tintos; Bical, Maria Gomes, Cercial e Arinto, nos brancos) e na adega tenta ao máximo respeitar a expressão dos diferentes terroirs. A vinificação é feita separadamente para cada parcela e como cada uma tem características diversas, é possível, por exemplo, fazer vinhos diferentes com a mesma casta. “Só trabalhamos com Baga, mas assim temos várias Bagas.”
Na mesa isso torna-se bem evidente. Um Post Quer..s tinto 2016 casa na perfeição com um “Gazpacho de tomates e morangos com manjericão”; o Nossa tinto 2015 acompanha o carré de cordeiro assado no forno. Ambos são Baga, mas em registos completamente diferentes. Daí a pouco, no pátio, com a serra do Caramulo na linha do horizonte, a memória mais recente é a do licoroso Espírito de Baga 2013, um surpreendente generoso com alma de chocolate preto. A Baga é um mundo.