GRANDE PROVA: TOURIGA NACIONAL

O painel de prova que levámos a efeito contou com a resposta de 46 produtores. Com a expansão que a casta tem tido em todo o país, este painel poderia ter 100 ou mais vinhos presentes, um sinal evidente que as qualidades que esta variedade apresenta podem expressar-se em climas e solos diferentes, sem perda de qualidade. Essa é também a marca das grandes castas, as tais que mudam de país, mudam de ares, mas produzem sempre bem e originam grandes vinhos. Nem é preciso ir mais longe. Basta pensar em variedades internacionais como Cabernet Sauvignon, Merlot ou Chardonnay para exemplificar o que estamos a dizer.

Uma grande variedade

Recordemo-nos, sucintamente, que o percurso da casta não foi fácil. Era assumida como uma grande variedade, nomeadamente no Dão onde integrou as experiências do Centro de Estudos de Nelas. Alberto Vilhena, à frente daquele Centro, levou a cabo entre 1958 e 88 muitas microvinificações que mostraram as enormes qualidades da casta e as potencialidades para gerar vinhos de guarda. Muito estudada depois pelos cientistas da vinha, como Antero Martins e Nuno Magalhães nos anos 70 e 80, a casta foi depois objecto de plantio em campos de ensaio em várias quintas, sobretudo na Quinta da Leda (Douro Superior), onde foram ensaiados 179 clones e se procedeu então à selecção dos melhores, posteriormente disponibilizados para a produção. Foi com esse estudo que se conseguiram bons resultados nas primeiras experiências feitas na quinta dos Carvalhais (Dão) em 1992, e depois nos primeiros produtores do Douro que se aventuraram a fazer vinhos que, para a época, eram uma verdadeira novidade para os consumidores. Muito rapidamente os produtores perceberam que tinham, em mãos, uma casta de elevado potencial enológico e logo de seguida ela começou a ser mencionada nas garrafas. As más-línguas vieram logo dizer que a Touriga Nacional era “a casta mais plantada nos contra-rótulos”, tal a frequência com que aparecia essa informação. Terá sido assim, no início, ninguém hoje duvida, mas a verdade é que a área de vinha de Touriga ganhou uma dimensão que a trouxe para o patamar das grandes castas nacionais.

Vejamos alguns exemplos. No Douro poderá ter começado “nos contra-rótulos”, mas adaptou-se de tal forma às condições da região que hoje ocupa 10% da área de vinha duriense, ou seja, 4 400 ha. E para ajuizar da valia da casta bastará dizer que, se se fizer uma escolha de grandes vinhos do Douro, sobretudo dos mais conhecidos topos de gama, o que mais frequentemente encontramos é tintos que resultam de um lote de Touriga Francesa com Touriga Nacional. Também existem muitos varietais da casta. Mas a ligação das duas Tourigas parece ser fórmula garantida de sucesso. Não esqueçamos que as variações de terroirs que o Douro tem, as variantes de exposição e altitude, originam vinhos de perfis diferenciados. Mais uma das características das grandes castas, camaleónicas por natureza.
Se o Douro é a região com mais área de vinha de Touriga Nacional, o Dão vem logo de seguida. Ali, onde a casta deverá (ainda sem certezas) ter nascido, a área de Touriga Nacional é de cerca de 2750 ha, qualquer coisa como 21,3% da área total de vinha. Por enquanto a Jaen ainda é a casta mais plantada (com 22,8%). A Tinta Roriz queda-se no terceiro lugar com 17,6% da área de vinha. Pelo crescimento que tem tido, a Touriga poderá vir a ultrapassar a Jaen num futuro próximo.

No Alentejo, o crescimento da casta tem sido constante, ainda que num ritmo moderado. Se em 2019 ela ocupava 1 416 ha, essa área subiu, em 2023, para 1 543 ha. Para se ter uma noção comparativa, a Touriga Nacional é actualmente a 5ª casta mais plantada no Alentejo. Em primeiro lugar temos a Aragonez, com 4 155 ha, seguida (por ordem decrescente) de Alicante Bouschet, Trincadeira e Syrah. Num quadro comparativo das áreas de vinha da região entre 2019 e 2023, percebemos que as principais castas têm tido um crescimento, ainda que moderado, e nota-se alguma quebra nas Castelão e Moreto. Onde a Touriga Nacional tem crescido mais é em Borba e Reguengos. Anotem-se mais duas informações de duas regiões. Em Lisboa a casta ocupa cerca de 500 ha e, segundo informação da CVR Lisboa, esse quantitativo tem-se mantido estável. Já em Setúbal, com uma área muito grande, que se estende do Montijo até Sines, a Touriga Nacional, que ocupa 258,38 ha, tem tido um crescimento, moderado, mas constante, de 11 ha por ano.

 

Se o Douro é a região com mais área de vinha de Touriga Nacional, o Dão vem logo de seguida.

 

Uma leitura da prova

O perfil dos vinhos de Touriga Nacional tem acompanhado o gosto dos consumidores e tem sido desafiante para os enólogos a missão de ultrapassar alguns constrangimentos inerentes à própria variedade. No primeiro tema – o gosto dos consumidores – a Touriga de hoje afasta-se bastante do perfil que tinha no início do século. Enquanto durou a “era Parker”, com o gosto moldado pelo crítico americano Robert Parker, a Touriga Nacional foi macerada, extraída e abusada de madeira nova. Vemos agora que era difícil captar-lhe todas as subtilezas com esse perfil, como o seu lado mais floral, e que o excesso de madeira nova em nada contribuía para uma melhor apreciação do vinho. Ao mesmo tempo que este estilo vigorava, os enólogos foram percebendo que algo de particular se passava com a Touriga Nacional, uma vez que ela tinha a capacidade de, já depois de engarrafada, desenvolver fenóis voláteis, o famigerado suor de cavalo. A casta é também muito rica em ácido felúrico e cumárico, que existem naturalmente nas uvas e são necessários para o metabolismo da bactéria Brettanomyces formar os fenóis voláteis. Por isso, o controlo dos níveis de sulfuroso e as filtrações são fundamentais para diminuir os riscos. Hoje o problema está ultrapassado para os produtores que aceitam os avanços e conhecimentos que advêm da ciência.

Desta prova podemos tirar algumas conclusões: que continua a haver espaço para variados tipos de tintos de Touriga Nacional, uns mais estruturados, ricos e cheios, e outros mais elegantes e finos; que o que mais se ajusta à casta é um moderado estágio em madeira nova, sendo preferível um amadurecimento em barrica usada, que tudo possa envolver mas sem marcar muito o vinho; que a qualidade elevada não é exclusivo desta ou daquela região. Os vinhos provados revelaram uma qualidade muito alta, com uma evidente vocação gastronómica, característica que, sobretudo em Portugal, convém ter sempre presente.

A Touriga veio para ficar e hoje não há quintal, por mais pequeno que seja, que não tenha a casta plantada. Estranho fascínio, quase hipnotizante, poder-se-ia dizer. Acreditamos que outras variedades não se importariam de ter o mesmo desígnio.

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)

 

 

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