Engenheiro civil de formação, banqueiro por definição, Jardim Gonçalves é agora também produtor de vinho. Em Sintra, com enologia de Francisco Figueiredo, nascem os vinhos In-fi-ni-tu-de. Pretende-se que seja uma causa familiar.
TEXTO Luís Francisco NOTAS DE PROVA Nuno de Oliveira Garcia FOTOS Ricardo Palma Veiga
A vida de Jardim Gonçalves não se conta numa frase, mas ele não vê diferenças abissais entre os vários mundos que pisa: “Juntar meios e acrescentar valor” é o seu lema. Foi por isso que, ao olhar para o terreno sobranceiro ao jardim da casa que construiu em Galamares, Sintra, pensou de imediato que havia ali terreno desaproveitado. “E eu gosto de ter as coisas aproveitadas.” E porquê plantar vinha? “Passei a ter mais tempo. E uma vinha bem tratada equivale a um jardim…”
Assim, no ano 2000, nasceu a vinha, parte dela já replantada em 2010. A área é pequena, cerca de um hectare, com 7.000 metros quadrados de Pinot Noir dentro dos muros da quinta e outros 3.000 de Merlot num terreno contíguo. O primeiro vinho data de 2010, destinado ao consumo caseiro. Mas agora as ambições são outras: sair para o mercado e alargar a operação. Estão aí os vinhos In-fi-ni-tu-de e “o nome diz-nos que isto é para continuar”.
É, também, uma questão de família. “Todos temos consciência de que produzir mais ajudará a dar notoriedade ao vinho. Se todos [os filhos] quiserem produzir com esse nome, tudo bem. É o vinho da família”, explica o patriarca. E a semente está a germinar. O filho mais novo, Rodrigo, planeia plantar, já no próximo ano, outros 2,5 hectares ali perto, numa propriedade que se propõe recuperar e de cujos solos argilo-calcários sairão uvas de Pinot Noir e Merlot, mas também das castas brancas Chardonnay e Malvasia de Colares, mais “um cantinho para o Colheita Tardia”. O projecto inclui também uma adega.
Por enquanto, as uvas são vinificadas separadamente nas instalações da Adega de Colares, sob a batuta enológica de Francisco Figueiredo. E é ele quem explica as virtudes da opção por estas castas estrangeiras, sugeridas há vários anos por um enólogo amigo da família Jardim: “O Pinot amadurece mais cedo do que as castas tradicionais da região, pelo que não colide com os trabalhos da Adega; o Merlot resiste bem ao ar do mar, fica fresco e adapta-se bem à região.”
Como o processo de certificação das vinhas não estava ainda concluído, os vinhos desta edição (a segunda engarrafada, mas a primeira no mercado) saem com a classificação de Vinho de Mesa, mas os próximos já serão Regional Lisboa. São vinhos diferentes – e não apenas pela aposta em castas estrangeiras. Tanto o Pinot/Merlot (4.000 garrafas) como os varietais de cada uma das variedades são lotes de vários anos, uma filosofia que se vai manter. “O Pinot, por exemplo, tem 50% de 2012 com barrica usada e outros 50% de 2014 e 2015”, explica Francisco Figueiredo.
Raízes na vinha
Vistas daqui, da sala envidraçada onde provamos os vinhos nesta manhã soalheira, as vinhas da Quinta da Azenha são, de facto um prolongamento do jardim, limitadas lá mais no alto por uma linha de arvoredo interrompida pela silhueta quase irreal do Palácio de Sintra, encarrapitado na crista da serra. Sim, “é um desperdício ter património e não aproveitar… na banca como na agricultura”, mas esta harmonia fala-nos também de emoções, não apenas de racionalidade. O vinho é negócio, mas será só isso? Porquê a vinha e não outra cultura qualquer?
“Sou da Madeira e o lado paterno da minha família fazia vinho, eu assistia à vindima na casa de um tio”, recorda Jardim Gonçalves. “Mas a relação mais profunda só surgiu na casa dos meus sogros, em Mondim de Basto, onde comecei também a beber excelentes vinhos da região (Tarouca, Lamego).” Dessa aprendizagem faz também parte o contacto diário com a sua mulher, Maria d’Assunção: “Ela é a minha grande professora; não conhece nomes ou marcas, nem quer, mas se não for muito bom, não bebe!”
Esta quinta construída de raiz (“Não queria uma casa com passado e para um madeirense é fácil gostar de Sintra…”) já foi cenário de verdadeiras cimeiras de gente poderosa e influente. “Procurámos fazer uma casa cómoda, de um só piso, que fosse funcional e servisse também de local para receber gente de todo o mundo e gente do banco [BCP] de todo o país”, explica Jardim Gonçalves, recordando a passagem de banqueiros, empresários e governantes por estas quatro paredes debruadas a relvados, jardins e árvores.
Agora, o cenário é outro. Não lá fora, mas cá dentro. É aqui que a família (são cinco filhos e mais de duas dezenas de netos) se reúne, espontaneamente ou de forma mais organizada. E é aqui que crescem as uvas para o vinho da família. Também se fala disso, claro. Jardim Gonçalves já tem um filho-sócio a caminho e deixa a porta aberta a todos os outros. Em Sintra/Colares, “uma região que está a ganhar protagonismo”, ou noutras paragens. “Todos os filhos gostam muito das raízes da mãe na Beira Alta, não está fora das conversas haver um dia um In-fi-ni-tu-de em Mondim da Beira…”