Na sub-região da Vidigueira, dois produtores de referência decidiram mudar um pouco a tradição da região e optaram por investir em novas uvas para fazer os seus vinhos. Não abandonaram a tradição; apenas a modernizaram. Os vinhos já aí estão…
TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA Valeria Zeferino e Luís Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga
NO Baixo Alentejo, a sub-região da Vidigueira – uma das oito existentes – é das mais tradicionais na produção de vinhos. Um bom conjunto de produtores faz aqui a sua vida, lançando, ano após ano, vinhos de grande qualidade média. O terroir ajuda, é verdade. A Vidigueira fica numa zona do Alentejo com particulares características edafoclimáticas.
Expliquemos: dizem os especialistas que esta zona, graças à protecção da Serra de Portel, usufrui de um clima mais ameno do que regiões mais desprotegidas. A Serra de Portel estende-se por cerca de 50 quilómetros numa orientação Este-Oeste e faz a divisão do Alto com o Baixo Alentejo. Francisco Mata, o secretário executivo da ATEVA (Associação Técnica para o Melhoramento da Viticultura do Alentejo), disse-nos em tempos que “este clima proporciona maturações mais completas e homogéneas, o que, por sua vez, dá origem a uvas que dão mostos mais equilibrados e a vinhos mais frescos e aromáticos”.
A casta rainha da região é a branca Antão Vaz, uma variedade com grandes qualidades e que tem dado muitas alegrias aos produtores da Vidigueira. No entanto, não é perfeita (e existe alguma que o seja?). Talvez por isso está a acontecer um outro fenómeno que tem vindo a ganhar peso nos últimos anos. Falamos da plantação de outras castas brancas, que vários enólogos e viticultores têm vindo a introduzir. Falamos de Alvarinho ou Viognier, por exemplo. Nas tintas acontece o mesmo: Petit Verdot, Touriga Franca ou Tinta Miúda. Os segredos são dois: melhorar a frescura dos vinhos com castas que melhor mantêm os ácidos com o calor e, ao mesmo tempo, dar alternativas aos produtores, que têm que se confrontar com clientes cada vez mais ávidos de novidades.
Um pouco neste sentido, fomos procurar dois exemplos onde isto tem vindo a acontecer na zona da Vidigueira: a Casa Agrícola HMR e a Herdade Grande. Estes dois produtores acumulam o facto de serem já clássicos na zona, com décadas nos vinhos engarrafados. E, por outro lado, cedo manifestaram a intenção de produzirem vinhos de muita qualidade, com respeito ao terroir, mas sem fazerem excessivas concessões ao que poderia ser considerado tradicional.
Casa Agrícola HMR
A Herdade do Monte da Ribeira – e daí o H.M.R do nome da empresa – está numa das franjas da região da Vidigueira, no caminho em direcção a leste, antes de se chegar à gigantesca albufeira do Alqueva. Adquirida pelo industrial Victor Carmona e Costa em 1987 e hoje propriedade da Fundação Carmona e Costa, a herdade tem mais de 1.000 hectares e acede-se a ela depois de passarmos a povoação de Marmelar. Desde 1991 que a empresa produz vinhos, um histórico pouco comum nos produtores não-cooperativos do Alentejo.
O terroir dos 47 hectares de vinha possui uma morfologia do terreno em planície, mas com encostas íngremes logo ao lado. Esta é uma zona mais quente do que a Vidigueira e por isso a herdade possui 3 barragens para armazenamento de água, para rega da vinha e do olival. Na nossa visita, todas estavam praticamente vazias, que a seca extrema deste ano não deu tréguas. Infelizmente, não existem ainda canais de abastecimento do Alqueva, planeados para daqui a uns anos. E está só a uns meros 5 quilómetros de distância…
A empresa tem passado por várias fases mas nos últimos anos, com gestão de António Nora e consultoria do enólogo Luís Duarte e do enólogo residente Nuno Elias, privilegiou a qualidade nos seus vinhos, reformulando a estratégia de marcas e a filosofia comercial. Algumas marcas ficaram em banho-maria (Quatro Caminhos e Varal, por exemplo),
enquanto a marca Pousio ganhou especial destaque. Em 2012 surgiu na adega o primeiro vinho icónico da casa, há anos planeado: o Marmelar tinto, que sai apenas quando a qualidade o justifica. Saiu só em 2015 e a colheita de 2014 avançou agora para o mercado. Estes vinhos são planeados na vinha, mas as coisas nem sempre funcionam como os enólogos querem. Por isso, a equipa não sabe ainda qual será a próxima edição e só o comportamento dos vinhos em estágio o dirá.
Como é óbvio, a mudança de estratégia não ficou apenas pelo marketing: no campo nasceram novas vinhas nos últimos anos, com novas castas a fazer complemento às mais tradicionais do Alentejo. O que era bom e provou bem, ficou. Outras castas, com menor interesse enológico, foram substituídas para dar lugar a variedades que conseguem dar uma mais-valia qualitativa aos vinhos. Falamos, por exemplo, da Baga, do Petit Verdot e do Petit Syrah. Nos brancos entraram Verdelho e Alvarinho. O mercado parece ter aceite bem esta estratégia (que envolveu uma subida dos preços médios) e os provadores também, com a marca Pousio a ganhar boas classificações em provas e concursos. A gama Pousio pende mais para um estilo moderno, com exuberância (sem excessos) e alguma elegância. O Marmelar é um portento de força e estrutura, com taninos ainda bem presentes, mas com frescura a contribuir para dar longevidade ao vinho.
A casa tem uma loja on-line que vende toda a gama de vinhos e os azeites Pousio, a preços simpáticos. Aponte para www.casaagricolahmr.pt.
Vinhos provados
• Pousio (Reg. Alentejano branco 2016)
Casa Agr. HMR
16 valores
PVP € 4,60
• Pousio (Reg. Alentejano Escolha tinto 2014)
Casa Agr. HMR
16,5 valores
PVP € 7,95
• Pousio (Reg. Alentejano Reserva branco 2015)
Casa Agr. HMR
16,5 valores
PVP € 11,50
• Marmelar (Reg. Alentejano tinto 2014)
Casa Agr. HMR
18 valores
PVP € 30
Sabia que…
De todo o Alentejo, a sub-região da Vidigueira – com 1029 hectares – é a que tem a maior área de vinha branca aprovada para vinhos DOC
Herdade Grande
António Lança é uma das personagens no panorama vínico da Vidigueira. Engenheiro agrícola de formação, com passado familiar na vinha e vinho, já tinha investido em vinha desde 1980, mas as uvas eram, entretanto, vendidas para a adega cooperativa local, de que o pai tinha sido fundador. Lança estava na actividade bancária, mas decidiu, em meados dos anos 90, iniciar a sua própria produção. A primeira colheita data de 1997, vinificada na adega entretanto criada.
Aqui não houve grande critério estético no investimento e, desde essa altura, as mudanças não foram muitas. Apenas existiram nos equipamentos, na modernização. Afinal, a adega é para vinificar e não para encher o olho. António Lança gostaria certamente de ter uma adega de prestígio arquitectónico, mas privilegiou a funcionalidade. O empresário agrícola vai querer, em contrapartida, criar uma pequena unidade hoteleira na herdade, numa encosta com bonita vista sobre a planície. Até este sonho ser realizado, o enoturismo está presente na Herdade Grande, não só com uma loja aberta ao público, mas também através de visitas guiadas.
A Herdade Grande é de facto ‘grande’ para a zona da Vidigueira, mais conhecida pela pulverização da propriedade, factor quase único no Alentejo. Possui cerca de 350 hectares de terra, dos quais 70 hectares estão em vinha e 40 hectares em olival. A área de olival vai crescer, mas são sobretudo as mudanças na vinha que nos interessam. De facto, nos últimos anos entraram novas castas na herdade, em grande parte graças aos esforços de Mariana Lança, filha do proprietário e enóloga de formação. Chegaram assim novidades como Petit Verdot ou Tinta Miúda e ampliou-se a área de Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet. Nos brancos, os vinhos passaram a ter mais Verdelho e Arinto, mas também Viosinho, Rabigato, Chardonnay, Semillon, Viognier e Alvarinho.
A mudança – ou evolução – não deixou de ter os seus engulhos. Por exemplo, a casta Rabigato, que António Lança trouxe do Douro, levou dois anos a adaptar-se. “Pouco passava dos 10 graus de álcool, mas depois, como por milagre, harmonizou-se com o terreno”, diz-nos Mariana Lança. A Touriga Franca, pelo contrário, assentou que nem uma luva nestes terrenos e hoje faz parte dos melhores lotes de tinto. O professor de viticultura Rogério de Castro, amigo da casa, deu o seu aval a estas plantações.
A tradição não foi esquecida: O núcleo dos brancos continua na omnipresente Antão Vaz, a casta mais conotada com a Vidigueira e a principal responsável pela fama que os vinhos brancos conseguiram nestas últimas décadas, com prémios assinaláveis durante este período. O enólogo Luís Duarte, que acompanha a Herdade Grande desde o início (moderno) não pode ser esquecido, muito pelo contrário. Ele é, seguramente, uma espécie de ‘arquitecto’ dos vinhos da casa. Está, como muitas vezes, ‘na sombra’, como o faz, aliás, na Casa Agrícola HMR. Mas a experiência e o conhecimento estão lá…
O aquecimento global esteve nos temas das conversas ao almoço e é algo que preocupa os proprietários, como aliás acontece por todo o país. No entanto, a Herdade Grande está escudada (ou quase) da seca porque recebe água da barragem do Alqueva, através de uma albufeira ali próxima, que serve de depósito. É uma bênção em anos de seca, como este de 2017.
Vinhos provados
• Herdade Grande (Reg. Alentejo Colheita Seleccionada branco 2016)
Herdade Grande
15,5 valores
PVP € 5,49
• Herdade Grande (Reg. Alentejo Gerações Colheita Seleccionada branco 2015)
Herdade Grande
16 valores
PVP € 7
• Herdade Grande (Reg. Alentejo Reserva branco 2014)
Herdade Grande
17 valores
PVP € 14,50
• Herdade Grande (Reg. Alentejo tinto 2014)
Herdade Grande
15,5 valores
PVP € 6,80
• Herdade Grande (Reg. Alentejo Gerações Colheita Seleccionada tinto 2012)
Herdade Grande
16 valores
PVP € 12
• Herdade Grande (Reg. Alentejo Grande Reserva tinto 2012)
Herdade Grande
17 valores
PVP € 23
Procurar outros caminhos
A tradição é quase sempre bonita, mas pode ser espartilhante na altura de um produtor, por curiosidade e/ou opções de estratégia comercial, decidir fazer um pequeno desvio na sua viticultura. Na sub-região da Vidigueira, estas duas casas fizeram isso mesmo: sem abandonarem o bom que a tradição lhes foi trazendo, escolheram plantar castas ‘fora do baralho’ que trouxessem mais-valias e diversidade aos seus portefólios. E obrigou os produtores, por outro lado, a sair da sua zona de conforto. Em ambos os casos a estratégia funcionou e os vinhos que daí resultaram estão já por cá, a provar da justeza das decisões.