Moscatel Roxo: De casta extinta, a estrela da companhia

Já se estava quase a rezar pela sua alma quando a casa José Maria da Fonseca resolveu voltar a plantar esta variedade da grande família dos moscatéis. Outros produtores seguiram o exemplo e a casta renasceu. Hoje, deixou de estar na lista das “perdidas para sempre”.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A Moscatel Roxo tem história antiga na região se Setúbal, onde sempre conviveu com a variedade branca da mesma casta. Famosa no séc. XIX, esta variedade foi das que mais sofreu com a moléstia da filoxera e deixou de se plantar. Desde sempre foi nas encostas da serra da Arrábida, nos terrenos calcários e nas zonas mais frescas, que a variedade roxa, tal como a sua parente branca, melhor se desenvolveu. A tradição da região terá sido incluir algumas cepas de roxo no meio da vinha do branco. No entanto, enquanto a Moscatel branca proliferou e se tornou a casta do generoso que deu fama à região, a variedade Roxo foi perdendo protagonismo e esteve, por isso, à beira da extinção, o que também por pouco não ia acontecendo ao Bastardo com que se fazia o célebre Bastardinho de Azeitão.
Quanto à origem da casta, parece haver agora mais certezas, identificado que está o seu berço – neste caso, a Grécia. A uva, tida também como mutação do Moscatel Galego do Douro, existe noutros países do Velho Mundo com diversos nomes, mas sempre salientando o lado roxo (ou tinto) do Moscatel.
Tal como nos disse Vasco Penha Garcia (Bacalhôa Vinhos), a casta sempre preferiu terrenos da serra, sobretudo nas encostas viradas a norte, mais frescas. Deste local, onde foi primeiro plantada, a Moscatel Roxo acabou por ser levada para as areias de Palmela quando António Francisco Avillez, então proprietário da J. P. Vinhos, precisou de grandes quantidades de Moscatel para “alimentar” um do ex-libris da casa, o branco João Pires, baseado em Moscatel, que se tornou um estrondoso sucesso quer interna quer externamente. Foi então a partir daí, e estávamos nos anos 80 do século passado, que a casta desceu da serra e chegou às areias. É também por essa razão que hoje muito do Moscatel produzido vem precisamente das areias, embora se continue a produzir nas encostas da serra.

Talhada para generoso
A casta Roxo, de película levemente rosada, está talhada para ser vinho generoso. Penha Garcia adianta que “é uma casta que não perde aroma com a aguardentação e, logo na altura da fermentação, desenvolve um notório aroma a pétalas de rosa que a distingue da sua congénere branca; mas, no entanto, esse lado floral pode dissipar-se com o envelhecimento em casco”. “Assim”, explica, “em dois vinhos com bastante idade já pode ser mais difícil distinguir.” No entanto, em prova cega, o Moscatel de Setúbal tende sempre a ser mais extractivo e mais potente, com mais corpo e mais notas amargas; dominam as notas citrinas de laranja e mel. Já no Moscatel Roxo é sobretudo o lado mais elegante e fino que se mostra, com uma delicadeza que se conserva por muito tempo.
Dentro da adega, o Roxo não se distingue em relação ao Moscatel de Setúbal e a vinificação não tem particularidades de realce, como referiu Domingos Soares Franco (José Maria da Fonseca). Faz-se uma maceração pós-fermentativa entre dois a três meses – na Bacalhôa até Fevereiro do ano seguinte, mais longa na José Maria da Fonseca. Nos produtores antigos, quando em cada casa se fazia o generoso e só depois é que era vendido, acredita-se que a aguardente usada era a que era produzida pelo próprio. Na região era muito habitual que quem produzia vinho também destilava, mas hoje o rigor que se exige ao uso da aguardente é bem superior ao que acontecia outrora, quando proliferavam os alambiques locais.
Os moscatéis têm ainda um problema por resolver: muitos deles turvam na garrafa após algum tempo. É um problema sério que tem afectado muitos produtores e que Domingos Soares Franco confessa ter custado à sua empresa dois anos de investimento e investigação para se conseguir resolver a contento. No entanto, pela prova que fizemos foi evidente que, no conjunto, a região não tem o assunto resolvido e na própria Comissão Vitivinícola nos foi dito que não há qualquer programa neste momento pensado para encontrar soluções. Terão de ser os próprios produtores a assumir a resolução e a tarefa não se afigura nada fácil. A turbidez não tem reflexos no aroma ou sabor, mas o aspecto visual fica francamente prejudicado. Tive nesta prova várias gradações de turvação, embora a maioria das amostras se apresentasse com grande limpidez.
Mais do que chamar-se Moscatel de Setúbal ou Moscatel Roxo de Setúbal, é o nome Setúbal que deverá ser promovido, sobretudo a nível internacional. Tal como o nome Porto identifica um vinho fortificado, também Setúbal deverá identificar vinho do mesmo tipo, neste caso feito de Moscatel. E a verdade é que este magnífico vinho generoso português ainda não possui, dentro e fora de portas, o reconhecimento que a sua qualidade merece.
A legislação actual, de 2014, tipificou duas designações do Moscatel, como Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo de Setúbal. No entanto, para os vinhos rotulados antes de 2014, podemos encontrar unicamente a designação “Roxo”, até então autorizada.
Existem dois tipos de denominação (DO) que os vinhos podem ostentar: a DO Setúbal apenas obriga a que no lote de castas a Moscatel (quer seja de Setúbal, quer Roxo) esteja apenas presente em 67% do lote: para o uso da DO Moscatel de Setúbal ou Moscatel Roxo de Setúbal já tem de ter 85% da casta.
A aguardente a utilizar tem de ser vínica, com uma graduação compreendida entre 52 e 86%, podendo também ser usado álcool vínico a 96%. Com frequência é usada a aguardente a 77%, tal como é habitual no Vinho do Porto. No final, a graduação alcoólica tem de se situar no intervalo entre os 16 e os 22%.
A designação Superior obriga a aprovação específica na Câmara de Provadores e os vinhos têm de ter a idade mínima de 5 anos. Desde 2015 são permitidas as indicações de idade de 5, 10, 15, 20, 25, 30, 35 e 40 Anos, desde que os vinhos tenham no mínimo

Edição Nº20, Dezembro de 2018

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