O Vale no topo do mundo vinícola

Edição nº11, Março 2018

Napa Valley

Desde a primeira vinha plantada com fins comerciais, em 1858, que Napa Valley amadurece num plano superior. Passou pela filoxera, pela Lei Seca e pela Grande Depressão. A recuperação destes reveses gerou uma das regiões vinícolas e enoturísticas mais distintas e lucrativas à face da Terra.

TEXTO Marco Cerdeira Pereira
FOTOS Marco Cerdeira Pereira e Sara Wong

Tenha em mente que estamos a abordar uma zona realmente virtuosa dos EUA. Outro vale, o de Silicon, e as suas incontáveis multinacionais multimilionárias situam-se a meros 150 quilómetros para sul. Adaptado à área ideal em termos geológicos e meteorológicos, o vizinho Napa Valley provou-se prodigioso a condizer.
O momento da confirmação foi uma prova de olhos vendados do Paris Wine Tasting de 1976. Vários rótulos franceses há muito reputados estavam em competição. Quatro deles, Chardonnay, foram batidos pelo vencedor Chateau Montelena Chardonnay de Calistoga. Dois outros Chardonnay dos EUA ficaram nos quatro primeiros lugares. Já o Cabernet Sauvignon Stag’s Leap Wine Cellars derrotou quatro contendentes franceses. Com este resultado, os vinhos dos Estados Unidos conquistaram também um respeito mundial que não mais viriam a perder. Boa parte do mérito pertenceu ao privilegiado Napa Valley.
O solo deste vale californiano ascende de forma suave desde o nível do mar do oceano Pacífico, a Oeste, aos meros 110 metros do sopé do Monte Santa Helena. Delimitam-no uma tal de cordilheira Mayacamas e a, a Leste, a vertente setentrional das Montanhas Vacas. Para sul, esse mesmo solo é feito de sedimentos acumulados por sucessivos avanços e recuos de uma baía baptizada San Pablo. A Norte, inclui uma boa percentagem de lava e cinza legadas pela mesma actividade vulcânica que produziu os outeiros comedidos no âmago da região.
Sem surpresa, a meteorologia de Napa Valley varia consoante a morfologia do terreno e das influências geográficas complementares. O lado Sul é aberto ao oceano e mais fresco durante a época de crescimento das uvas. A secção norte, fechada pelo terreno, é muito mais quente. O Leste, apartado das tempestades invernais pelas montanhas e colinas do Oeste, prova-se mais árido. E toda esta diversidade meteorológica, orológica e de composição de solos de Napa há muito que proporciona aos bons enólogos uma base criativa inesgotável.
Em Napa Valley, a produção comercial de vinho pioneira teve início em 1858, às mãos de John Patchett. Várias adegas familiares aproveitaram a boleia. As primeiras medalhas de ouro foram conquistados pela adega Inglewook, hoje propriedade de Francis Ford Coppola e família. Era a única na região dedicada a produzir vinhos estilo Bordeaux. Arrecadou as medalhas na Feira Mundial de Paris de 1889. Daí em diante, mesmo se a casta mais disseminada se mantinha a Zinfandel, a produção vinícola de qualidade pegou de estaca no vale.
No final do século XIX, as adegas eram já 140. Dessas produtoras, hoje seculares, várias continuam a maturar os seus vinhos: Charles Krug, Mayacamas, Beringer, Beaulieu, Markham Vineyeards e outras. E isto apesar de os tempos que se seguiram lhes terem reservado uma sequência de sérios revezes.
Na aurora do século XX, a filoxera destruiu muitas das vinhas. A Lei Seca (Proibição) de 1920 encerrou as adegas que não conseguiram justificar a sua actividade com uma falsa produção de vinho sacramental. A fechar uma era catastrófica, a Grande Depressão instalou-se nos EUA e atrasou ainda mais o desenvolvimento vinícola da região.

Vinho e Clark Gable

A Beringer Vineyards foi a primeira adega a reagir. Convidou os participantes na Golden Gate International Exhibition a visitar a sua propriedade e, ao mesmo tempo, uma série de vedetas de Hollywood, em que se incluiu o carismático Clark Gable. Esta acção promocional de 1939 é, ainda hoje, considerada a origem do turismo ennológico que sustenta parte da economia de Napa Valley. Daí em diante e sobretudo após a II Guerra Mundial, várias personalidades contribuíram para o estrelato que esta região vinícola ostenta: Timothy Christian, da Christian Brothers; ou o hoje icónico Robert Mondavi, que se separou da adega da família Charles Krug Estate e fundou a sua própria em Oakville.
Nos anos 80 – já no rescaldo do sucesso surpreendente do Judgement of Paris, como ficou também conhecido o emblemático Paris Wine Tasting – uma praga moderna de filoxera assolou o vale. Foi o pretexto de que precisavam cerca de três quartos dos proprietários para dotarem as suas vinhas de castas mais bem adaptadas aos cerca de trinta solos distintos e ao clima da região. Essa reacção e o facto de, a partir do ano 2000, empresas norte-americanas e internacionais de monta terem começado a comprar pequenas adegas, vinhas e marcas propulsionou o desenvolvimento ímpar de Napa Valley.
Nos dias que correm, o Napa Valley alberga cerca de 475 adegas e, destas, 95% são familiares. Em Napa, 700 produtores distintos cultivam diversas castas que dão origem a mais de 1000 marcas de vinho. Entre as castas destacam-se Cabernet Sauvignon (47 por cento da área), Chardonnay (15%), Merlot (11%), Pinot Noir (6%), Sauvignon Blanc (6%) e Zinfandel (3%). Os vinicultores, por sua vez, dividem-se por 16 sub-regiões que ocupam 17.500 hectares (175 km2) de vinhas. Muitos deles criam os seus vinhos como parte dessas sub-regiões específicas ou, em alternativa, resultado de uma mixagem de uvas cultivadas em diferentes sub-regiões do vale e das vertentes que o delimitam. Por norma, quando empregam uvas de duas ou mais sub-regiões, usam a denominação Napa County, em vez da mais abrangente Napa Valley AVA (Área Viticultural Americana).
A quantidade de combinações entre os terroirs peculiares do vale com cada uma das suas envolventes meteorológicas e climáticas e as castas usadas gera uma miríade de possíveis acentuações, aquilo a que o escritor Matt Kramer chamou de “somewherenesses” (lugaridades) vinícolas que cada “rótulo” de Napa Valley contém e que revela ao apreciador. Se concordarmos em considerar a Cabernet Sauvignon a casta-rainha de Napa Valley e a isolarmos em diversos lugares, de cada um deles desvendaremos vinhos saborosos, apimentados e defumados, se provenientes de vinhas das zonas mais montanhosas como o Stag’s Leap District e a Howell Mountain; ou opulentos, frutados, com tons de amora e de moca, se oriundos das terras mais baixas do vale.

Cabernet, Merlot, Chardonnay…

Os Cabernet Sauvignon mais prodigiosos de Napa Valley são tão bons ou melhores do que os vinhos sublimes de Bordéus. Se ainda tiver dúvidas, prove, por exemplo, os seguintes: Inglenook Rutherford Rubicon 2012, Cain Five Spring Mountain 2011, Spring Mountain Vineyard 2010, Laura Zahtila Vineyards 2007, Corison Cabernet Sauvignon 2006.
Merlot é a segunda casta tinta do vale. Como as restantes, beneficia da diversidade local dos solos e das práticas de cultivo evoluídas. Por si só, esta casta dá origem a alguns vinhos leves, encorpados e repletos de textura, que, snobismos vinícolas à parte, são aptos a acompanhar refeições como qualquer Cabernet Sauvignon faria. É o caso, por exemplo, do Cakebread Cellars 2013, o Duckhorn Vineyard 2013 e o Ridge Estate Merlot 2013.
Quanto aos brancos, o Chardonnay é de longe o predominante. Foi tornado famoso por enólogos que, mesmo partindo de fortes traços pessoais, confluíram numa direcção: restrição do carvalho, do açúcar e da manteiga por forma a deixar as frutas (principalmente os citrinos) resplandecerem em vinhos perfeitos para refeições. Entre os bons exemplos contam-se: Grgich Hills Estate 2013 Paris Tasting Commemorative. O’Shaughnessy Estate Winery 2014, Clos Pegase 2014 Mitsuko’s Vineyard Los Carneros, Anderson’s Conn Valley Vineyards 2013.
Esta diversidade e excelência vinícola e a tradição e dinâmica turística conseguida desde o convite a Clark Gable levaram a outra expressão de sucesso. Quase 4,5 milhões de pessoas visitam Napa Valley todos os anos. O vale destaca-se, assim, como um dos destinos californianos mais populares, com uma indústria turística que gerou, em 2016, quase dois mil milhões de euros de lucro.
Quase 90% do vinho produzido nos EUA tem origem na Califórnia. Cerca de um terço desta percentagem avassaladora são vinhos com origem em Napa Valley. Cinquenta por cento dos vinhos californianos que custam mais de 15 dólares são de Napa Valley. O retorno médio de uma tonelada das uvas de Napa Valley é de 3600 dólares, enquanto que a região dos Estados Unidos que se segue, a vizinha Sonoma, só atinge os 2200. Uma única garrafa de Screaming Eagle Cabernet Sauvignon pode custar para cima de 2000 dólares.
Sem surpresa, em 2016, a indústria vinícola do vale chegou a um impacto financeiro local de 13 mil milhões dólares. No que diz respeito ao P.I.B dos E.U.A., esse impacto ultrapassou os 50 mil milhões de dólares. O vinho e o enoturismo de Napa dão emprego a 46.000 pessoas só no vale. Em termos nacionais, o número passa os 300.000 empregos.
A reputação superior conquistada ao longo do tempo por esta zona demarcada dos Estados Unidos justifica sem mácula o valor incrível a que ascendeu e a reputação superior dos seus rótulos.

GUIA DE VIAGEM

Como ir

Pode viajar para São Francisco com a Star Alliance www.staralliance.com numa combinação de voos da TAP www.flytap.com e da American Airlines www.aa.com via Londres e Chicago. Os preços começam nos 900 euros. De Frisco, uma hora de carro é suficiente para chegar a Napa Valley.

Onde Ficar

Napa Valley está dotado de cerca de 70 hotéis, resorts, pousadas e B&B. Não espere do vale o mesmo acesso democrático às adegas e ao alojamento que as regiões vinícolas australianas concedem aos visitantes.

Sugerimos-lhe:

Sem Olhar a Gastos:
Calistoga Ranch (Auberge Resort)
www.calistogaranch.aubergeresorts.com
Intermédio:
Carneros Resort & SPA
www.carnerosresort.com
Mais Acessível:
Craftsman Inn
www.craftsmaninn.com

Adegas a Não Perder

Algumas das mais famosas – Mondavi (robertmondaviwinery.com),Opus One (opusonewinery.com), Beringer (beringer.com) e Beaulieu Vineyards (bvwines.com) foram adquiridas por enormes grupos empresariais e tornaram-se mais comerciais e provavelmente demasiado procuradas.
Outras adegas – como a Frogsleap Winery (frogsleap.com) propuseram-se a desenvolver vinhas sustentáveis e produzem os seus vinhos de forma orgânica e com recurso apenas a energia solar.
Ou – caso da cliffledevineyars (cliffledevineyars.com) – combinam vinho e arte e complementam a oferta da sua adega com galerias de arte moderna e jardins com esculturas.
A de Francis Ford Coppola (www.francisfordcoppolawinery.com) é procurada pela curiosidade do visitante de ficar a conhecer o universo vinícola do realizador.
À parte das adegas, pode, ainda, explorar as diversas sub-regiões de Napa Valley a bordo do histórico Napa Valley Wine Train.
www.winetrain.com

INFORMAÇÕES ÚTEIS

Documentos

Para viajar para os Estados Unidos é necessário pedir e obter uma ESTA (Electronic System for Travel Authorization), o que pode ser feito através do site www.esta.cbp.dhs.gov. Além disso, o passaporte deve ser electrónico e ter uma validade superior a 6 meses.

Moeda

Dólar dos Estados Unidos (USA) – 1 dólar vale actualmente 0,73 euros. A maior parte dos estabelecimentos aceita pagamentos com cartão de crédito.

Indicativo

001 (para os Estados Unidos) + 707 (região de Napa Valley)

Quando ir

Qualquer altura do ano é boa para visitar a região. O estado da Califórnia, no geral, tem um clima temperado e, na zona de Napa Valley, em específico, o clima é de tipo mediterrânico.

MAIS INFORMAÇÕES

Embaixada dos EUA em Portugal
Embaixada dos E.U.A.
Avenida das Forças Armadas
1600-081 Lisboa
Tel.: + 351 21 7273300
Email: lisbonweb@state.gov

Turismo da Região de Napa Valley
www.visitnapavalley.com

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