Os novos ventos do Levante

A cozinha do Mediterrâneo Oriental apareceu de mansinho e foi-se instalando em Lisboa. Nos últimos tempos, apareceram vários restaurantes dessa região, com o Líbano a liderar a tendência.

TEXTO Ricardo Dias Felner

Quando se fala em dieta mediterrânica, é da dieta do Médio Oriente que devíamos estar a falar. Portugal costuma entrar nesse gru­po, mas Portugal está cheio de carnes ver­melhas e fumeiro e gorduras poliinsaturadas. Portugal é muito bom. Mas não é o Levante. Não tem a leveza saborosa e completa de uma refeição libanesa, síria, israelita, jordana, palestina. Uma mesa de mezze — os petiscos levanti­nos — parece ter sido criada por uma nutricionista com bom senso e bom gosto, esse ser humano raro.

Está lá tudo e tudo parece complementar-se. Quando se pensa numa mesa libanesa, por exemplo, pensa-se em grãos, azeite cru e azeitonas, limão, ervas frescas e pós inventados por perfu­mistas, como o novo elixir dos chefs europeus, o za’atar, feito de especiarias várias, entre elas o extraordinário sumagre. Pensa-se em frutos secos, com o pinhão e o pistáchio à cabeça. Em tâma­ras. E, claro, acidez, limões e romãs. Há também depois as tex­turas, várias: têm de haver pastas, como o hummus, feito de grão e pasta de tahini (pasta de sésamo torrado); ou o baba gha­noush, cheio de fumados da beringela assada e do tahini; tem de haver saladas vibrantes como o tabbouleh: tomate, salsa e hortelã, claro. E têm de estar lá os pastelinhos: fritos, delicados, como o kibbeh, recheado de carne magras, borrego ou vaca magra, bulgur e especiarias; e o célebre falafel, prato de street food do mundo.

Infelizmente, Portugal demorou tempo a acolher esta culinária. Quando as capitais da Europa tinham já vários libaneses por onde escolher, em Lisboa, durante muito tempo, praticamente só o Fenício’s era um representante digno. Nos últimos anos, contudo, os mezze instalaram-se na capital, com proveniências diversas. Eis alguns dos nossos poisos preferidos, em Lisboa.

ZA’ATAR

Zaatar. Crédito: Grupo José Avillez

A fórmula já tinha sido usada por José Avillez, com sucesso, na Cantina Peruana. A ideia foi chamar um chef autóctone, pedir-lhe consulta­doria, afinar a ementa de acordo com o mercado e o paladar português, e dar-lhe um espaço boni­to. Aconteceu assim com o chef peruano Diego Muñoz, para a Cantina Peruana e, agora, com o libanês Joe Barza para este Za’atar, nome inspi­rado na célebre mistura de especiarias. Curiosa­mente, ambos os restaurantes, situados no Cais do Sodré, partilham a cozinha com as salas em zonas separadas e com decoração própria. A não perder o tajin arnabit, couve-flor marinada em curcuma e limão, depois assada e polvilhada de nozes; o frikeh bil lahmeh, cuscos de trigo ver­de, com perna de borrego e moleja, a glândula do timo do borrego; e a sopa de lentilhas com frutos secos.

SUMAYA

O Sumaya é da mesma família do Za’atar, no sentido em que é um restaurante sofisticado e cosmopolita, sem folclore, mas com comida au­têntica. Abriu pouco antes, em Setembro do ano passado, no Príncipe Real. O dono não precisou

Sumaya.

de um chef libanês de renome porque é libanês e tem na cabeça a cozinha de família, embora já viva em Portugal há alguns anos e se dedique a outras comidas, como carnes e hambúrgueres, presentes nos seus restaurantes do grupo Ata­lho. O Sumaya procura ter só produtos autênticos e tem praticamente todos os mezze clássicos da carta levantina. Um dos pontos altos é o muhallabiyeh, um pudim de leite, com pistáchio e amêndoa no topo.

MEZZE

Este restaurante do Mercado de Arroios, em Lisboa, foi dos primeiros a pôr a comida do Médio Oriente na moda. O arranque fez-se em jantares isolados, nomeadamente com pop ups no Mercado de Santa Clara, e teve como objectivo inicial ajudar na integração de refugiados sírios. O sucesso foi tal que os responsáveis pela associação Pão a Pão decidi­ram abrir um espaço permanente no Mercado de Arroios, ainda em 2017, mesmo que ninguém tivesse grande expe­riência em restauração, valendo-se de cidadãos dessa região para tratar da cozinha. O sucesso foi imediato e permanece. O pão árabe, achatado, é do melhor que vai encontrar e os mezze são todos fresquíssimos. Se ficar fã, pode sempre ten­tar reproduzir em casa os pratos que comeu, abastecendo-se na mercearia com produtos do Médio Oriente que entretan­to abriu mesmo ao lado.

Mezze.
Tantura.

TANTURA

Falham restaurantes bons no Bairro Alto, hoje mais do que nunca, mas este Tantura é desde 2017 um porto seguro numa zona cheia de barretes para turista enfiar. A metáfora do porto aqui é só meia metáfora, porque de facto Tantura é uma cidade portuária de Israel, precisamente o sítio de onde este casal partiu quando decidiu vir passar a lua-de-mel a Portugal — e não voltar à casa de partida. Há vários tipos de hummus, várias derivações do clássico shakshuka, com ovos estrelados em mo­lho de tomate e pimentos e outros clássicos com twist de chef. Uma das últimas criações a entrar na carta foi o malawach, um prato iemenita com camadas de massa, entremeadas de manteiga, fritas. O espaço é muito arty e luminoso.

THE SAJ BAKERY

The Saj Bakery.

Não é um restaurante, antes uma padaria liba­nesa que usa o saj, uma chapa aquecida de uma forma convexa, como uma crepeira que engravi­dou. Fica na Rua do Arsenal, também ao Cais do Sodré, e não tem lugares sentados, é pegar e largar. A dona é uma brasileira dona de uma co­nhecida padaria no Uruguai, casada com um li­banês. Um empregado português que nos aten­deu, recentemente, garantiu que este é o único saj em Portugal. Mas o que importa é que aos comandos está quem sabe do assunto, uma síria com anos a amassar o famoso pão árabe, sem fermentos artificiais nem outros aditivos. Os re­cheios podem ir dos mais simples, como Nutella ou za’atar, aos mais complexos, como o Libanês, recheado com labré, uma coalhada seca, tomate, hortelã e za’atar.

 

Edição Nº24, Abril 2019

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