A harmonização entre ostras e vinhos é uma das mais antigas e, talvez, uma das mais bem conseguidas à mesa. Praticada em todo o mundo, dá origem a momentos inequívocos de prazer, sobretudo para quem tiver, como eu, amigos com casa de praia virada para um dos lugares para onde gosto de olhar, a ria Formosa. Afinal, é daqui que saem algumas das melhores ostras que se produzem em Portugal. Acabadinhas de abrir por alguém que o saiba para fazer, na companhia do vinho certo e de amigos de longa data, que partilhem o apreço por estes moluscos, que gosto de usufruir com todo o tempo do mundo.
Mas nem todos os vinhos servem para acompanhar ostras na mesa. A escolha natural vai, como parece óbvio, para os brancos. A parceria com tintos iria proporcionar, aos aventureiros que a quisessem fazer, uma sensação de gosto a ferrugem, devida ao elevado teor de iodo contido nestes moluscos, em conjugação com os taninos do vinho, algo que, para mim, não é nada agradável e seria um desperdício de tempo. Por motivo semelhante, evitam-se os brancos estagiados em madeira de carvalho.
Estimular o sonho
Os aromas discretos das ostras impedem a sua associação com brancos pujantes, excessivamente aromáticos e muito estruturados na boca. Elas querem-nos leves, com aromas delicados, boa acidez e equilíbrio, para complementar os seus sabores e a salinidade.
Já sentiu o prazer de estar numa esplanada de beira praia, a saborear umas ostras abertas ao natural, com um pingo de limão, na companhia de um vinho Alvarinho? É uma sensação inolvidável e digna de muitas repetições. Vinhos como o Deu la Deu, Soalheiro ou Dona Paterna, de personalidades distintas, são três exemplos de boas companhias para as ostras, no final de tarde a olhar o mar. Pelo menos para mim. O vigor suave do aroma floral da casta Alvarinho, marcado também pelo odor leve a frutos frescos, o equilíbrio na boca e o prolongar da sensação de frescura complementam e completam os sabores a mar deste produto, para proporcionar momentos de prazer.
Há muitos bons exemplos de relações entre brancos e ostras, mas não há nada que pareça melhor que um copo de champagne ou espumante com uma ostra aberta no momento. Esta imagem elegante estimula, ilumina o espírito e provoca o sonho.
É provável que, há centenas de anos, ostras e champagnes sejam apreciados em conjunto, pois as primeiras grandes casas produtoras da região francesa que se desenvolvem em redor de Reims datam dos primórdios do século XVIII.
Inicialmente, a conjugação não seria, de certo, acessível a todos. Porém, agora, com a produção de espumantes de qualidade em Portugal, como os portugueses Côto de Mamoelas, dos Vinhos Verdes, Montanha Cá, da Bairrada, ou Quinta do Rol Blanc, de Blancs, de Lisboa (uma pequena amostra só para demonstrar que já há opções em quase todas as regiões), a união tornou-se mais acessível um pouco por todo o lado.
Os aromas discretos das ostras impedem a sua associação a brancos pujantes, excessivamente aromáticos e muito estruturados na boca
Ostras e champagne constituem um dos melhores exemplos de harmonizações entre comida e vinhos
Conjugação incoerente
No entanto, esta harmonização parece incoerente. As sensações predominantes de uma ostra fresca na boca são a suculência, salinidade intensa, falta de untuosidade, amargor, gosto a iodo e aroma medianamente intenso.
Por um lado, champagnes e espumantes são frescos e ácidos, porque são feitos com uvas colhidas pouco maduras e à presença de gás carbónico natural, que faz salientar o sabor e a sensação de acidez e atenua a macieza. Por isso, quando se aprecia ostras com champagne ou espumante há um conflito, na cavidade bucal, pelo realce da suculência e da dureza causada pela salinidade do molusco. O sabor forte das ostras é potenciado pelo impacto ácido do espumante e incrementado pelo picar do dióxido de carbono.
Por outro lado, não há macieza a opor-se, proporcionada por gorduras sólidas e alguma doçura. Parece não haver equilíbrio, o que é um contra-senso. Portanto, ostras e champagne constituem um dos melhores exemplos de harmonizações entre comida e vinhos. O seu sucesso é um facto demonstrado e irá certamente durar muitos mais anos.
O segredo da harmonização
De acordo com um estudo recente realizado na Universidade de Copenhaga (UCPH), na Dinamarca, o segredo que explica o prazer proporcionado pela combinação de espumante com ostras pode estar no sabor umami existente em certos tipos deste molusco e alguns espumantes. “Muitas pessoas associam umami ao sabor da carne, mas descobrimos que também é encontrado em ostras e champanhe”, esclarece o professor Ole G. Mouritsen, do Departamento de Ciência dos Alimentos da UCPH. “A resposta pode ser encontrada no chamado sabor umami que, junto com o doce e salgado, é um dos cinco sabores básicos detectáveis pelas papilas gustativas humanas”, acrescenta.
Os níveis no champanhe podem não ser perceptíveis por si só. Todavia, quando consumidos com ostras, desenvolve-se uma “sinergia umami”, que torna o emparelhamento particularmente atraente, revela o estudo publicado nos “Scientific Reports da Nature”. As células de levedura mortas, as borras, contribuem com o sabor umami no champanhe via glutamato, enquanto o carácter umami pode ser encontrado nos músculos das ostras, via nucleotídeos, de acordo com os investigadores.
Muitas pessoas associam umami ao sabor da carne, mas também é encontrado em ostras e champanhe
As ostras portuguesas
Há quem diga que são de cá, contudo parece que as ostras portuguesas, conhecidas em França como Les Portugaises, são originárias da Índia ou do Japão. Descendem da ostra japonesa e viajaram até Portugal no fim do século XVI, nas quilhas dos barcos e como alimento rico em proteínas para as tripulações. Lançadas nos estuários do Tejo e do Sado, desenvolveram-se e evoluíram devido às boas condições daqueles que seriam mais tarde considerados os maiores bancos naturais de ostras da Europa. A apanha das ostras chegava a empregar mais de quatro mil pessoas na zona de Setúbal, mas a instalação de indústrias pesadas e de estaleiros no estuário do Sado causou o quase desaparecimento deste molusco.
Hoje, já há várias empresas a produzir ostras. “O Tejo tem um estuário muito amplo, com acesso a muita água fresca todos os dias e tem águas límpidas, ao contrário do que as pessoas pensam, por haver muitas cidades em volta, com zonas muito boas para captação de ostras”, expõe Hugo Castillo, 51 anos, proprietário da Bluetaste – Mariscos Sazonais, empresa que comercializa, para além de ostras, outros bivalves e perceves. Segundo este responsável, que produz ostras na ria Formosa e as comercializa em Portugal, França e na Holanda, a produção destes moluscos é sustentável a 100%. “Aquilo que fazemos é colocá-las dentro de sacos, que ficam sujeitos ao sabor do efeito das marés, que trazem o fitoplâncton essencial à sua alimentação, com o objectivo de produzir ostras de qualidade, calibradas e muito gordas quando são colocadas na mesa, sempre com foco na segurança alimentar”, informa.
As ostras são adquiridas em maternidades francesas, a vários fornecedores da região de La Rochelle. “Compramos aquilo que chamamos semente, no nosso caso com seis milímetros, que são colocadas num berçário até terem as condições certas, para serem colocadas em sacos com uma malha específica, que impede que as ostras se escapem enquanto crescem”. À medida que isso acontece, são colocadas em sacos com malha maior e em número reduzido de unidades por saco, como é evidente. Isso permite que entre mais água e comida, para se poderem alimentar. No final, as ostras têm de ser afinadas, processo “que as habitua a estarem mais tempo fora de água e ajuda-as a enrijecer, e a desenvolver o músculo”, conta Hugo Castilho. O empresário afirma, ainda, que a costa portuguesa tem condições muito especiais para a produção de ostras, bem como de outros bivalves e crustáceos, não só devido à existência copiosa de alimento nas águas, mas também à temperatura. “Isso permite que se produza uma ostra comercial, com qualidade, ao fim de 14 meses, em Portugal, enquanto, em França, o processo demora 36”, elucida Hugo Castilho.
A arte de bem saborear
Escolha
Na compra de ostras, há que verificar a origem e reparar se reagem à pressão dos dedos. Estão vivas se fechadas com firmeza. A carne interior deve ser consistente, não apresentando aspecto leitoso, fino ou demasiado aguado, e deve cheirar a maresia.
Abertura
Devem ser abertas com uma faca própria, inserida entre as duas conchas, no lado plano. Deve começar-se na zona mais estreita, cortando, primeiro, o músculo e, só depois, ir para a mais larga. O vértice delas deve estar virado para o manuseador e a parte côncava para baixo. Tem de se ter algum cuidado no seu manuseamento, devido às arestas cortantes das conchas.
Degustação
Para os apreciadores, a ostra consome-se crua ou, no máximo dos máximos, com uma gota de limão. Mas há também quem goste delas com molho vinagrento. Quando cozinhadas ao vapor, como é tradição no Algarve, devem ser colocadas num tacho de fundo largo, com um dedo travesso de água e a parte côncava para baixo. São levadas a lume forte até a fervura chegar à tampa, que se levanta e coloca novamente. Na segunda fervura, estão prontas para serem apreciadas quentes.
Por vezes, são cozinhadas na chapa. O resto das versões depende da imaginação dos cozinheiros, mas perderão quase sempre o aroma e gosto a mar, principal motivo da sua capacidade de sedução. Os que gostam de encontros inolvidáveis, podem apreciar as ostras cruas com Alvarinho de Melgaço, espumante ou champagne, de preferência com algum tempo de estágio.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)





