Pescaria em terra com Diogo, Claiton e Fernão

O restaurante Pesca foi a abertura mais aguardada da rentrée. Ricardo Dias Felner jantou lá duas semanas depois, deu os seus bitaites e ouviu o que o chef, o pasteleiro e o barman tinham a dizer sobre o assunto.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Nuno Correia

DIOGO NORONHA andou meses a investigar produtos e técnicas e, em Outubro, o chef revelou finalmente o Pesca, um restaurante pequeno e mimoso, feito em parceria com a Multifood, mas com grandes ambições. No menu, não entram carnes e só se serve peixe da costa portuguesa e selvagem, acompanhado de legumes oriundos de pequenos produtores, boa parte deles biológicos.

A entrada tem janela para a rua, onde se pode começar a beber um dos cocktails que saem das mãos de Fernão Gonçalves. Depois há uma sala pequena e nas traseiras está a zona mais agradável, um quintal que se pode fechar com uma cobertura eléctrica em madeira. Na cozinha, para além de Diogo Noronha (ex-Pedro e o Lobo e ex-Casa de Pasto) está Claiton Ferreira, o chef pasteleiro que o acompanha (muito bem) desde sempre.

O restaurante quer jogar no campeonato dos ‘estrelas Michelin’, e isso pode ser visto em vários detalhes na sala e na cozinha mas também nos preços, que andam acima dos 50 euros por cabeça. Do que experimentei, num jantar recente, saíram boas notas e algumas lições. A prova foi cega e só no final se soube quais haviam sido os pratos servidos.

Pesca sem rede. Mas pesca opípara. Ora vejamos, prato-a-prato.

COCKTAIL ZOMBIE MEXICANO COM PIMENTOS E MALAGUETA (14€)
Antes de ir à boca
O copo lembra uma escarpa com espuma do mar e plantas marinhas.
Ao que sabe
Como se bebêssemos pimentos assados. Nota-se um leve picante, mas também notas frescas e salgadas da salicórnia. O álcool está só a dar intensidade, não queima nem perturba. Grande cocktail.
Nota: 90 pontos
O que diz o barman
“Assamos os pimentos e depois fazemos um sumo na centrifugadora. Acrescentamos xarope de malagueta e canela para ligar os sabores. O álcool é tequila e mezcal, depois temos ervas da costa e espuma do mar feita com água de camarão. O copo, desenhado pela Cátia Pessoa, leva no fim um pó de sal e alface-do-mar para dar aroma.”

PÃO COM MANTEIGA
Antes de ir à boca
A côdea do pão tem um bronze uniforme, tostado sem estar queimado. O miolo é esburacado, com alvéolos médios, mas ligado e brilhante. A manteiga vem em forma redonda, com um pó escuros.
Ao que sabe
Um dos melhores pães que comi este ano. Untuoso, elástico, ácido, equilibrado, complexo, a côdea crocante e caramelizada, ligeiramente doce e salgada. A manteiga boa, mas demasiado mole, talvez pouco fria, não desmereceu o conjunto.
Nota: 95 pontos
O que diz o pasteleiro
“Usamos três farinhas biológicas: centeio, trigo e um pouco de malte para dar o sabor a caramelo. Na nossa massa-mãe entra um centeio alentejano forte. Para conseguirmos aquela côdea deixamos o pão secar durante duas horas. Fizemos várias experiências até chegarmos a este resultado.”

OSTRA PANADA (17€)
Antes de ir à boca
Há um montículo de folhas sobre terra escura, que podia muito bem simbolizar uma laje da Ilha do Pico.
Ao que sabe
Os bivalves que se escondem sob a cama de folhas picantes (mizuna) levam-nos para o mar, e depois temos a frescura e a suavidade dos fiapos de cenoura e rábano a contrastar com os sabores fortes e crocantes da areia escura. Falta talvez um cremoso a ligar os elementos todos.
Nota: 75 pontos
O que diz o chef
“Usámos lingueirão, berbigão, percebes e fizemos um escabeche. A isso acresce a mizuna e outros legumes. Pelo meio há um panado de ostra. A terra são umas migas de morcela da Guarda, a que retirámos gordura e tornámos crocantes.”

GAMBAS DA COSTA ALGARVIA (17€)
Antes de ir à boca
Parece uma escultura contemporânea de uma artista plástica gourmet. Vê-se uma bolacha tufada, que podia ser de milho e lâminas de alcaparras. O que resta está tapado (e há-de ser o melhor).
Ao que sabe
Por baixo da bolacha, estaladiça, há gambas marinadas, praticamente cruas, tenras e suculentas de mar. Na base, está um cubo de beringela, fofa, cremosa, muito boa. O conjunto tem amargos, ácidos e várias texturas, e eleva a fasquia.
Nota: 85 pontos
O que diz o chef
“A bolacha não é de milho, mas de arroz com essência de camarão. A gamba foi marinada em molho ponzu. Cozemos a beringela no vapor com uma pasta de azeitona, e depois marcámo-la na brasa. Utilizamos também os sucos dos legumes assados para fazer um molho, com sabor a pimento. A maionese é de anchovas.”

ATUM RABILHO E CECINA (19€)
Antes de ir à boca
Vêem-se folhas de capuchinhas, quais guarda-sol, sobre o que parece ser um rolo de presunto pata negra, por causa do marmoreado e da cor escura e brilhante (estava enganado, como se verá) e carne, com destroços de pão seco e vegetais.
Ao que sabe
Os pinhões ligam bem com a carne curada. A carne fresca é atum e o pão seco é adocicado e sem grande expressão. Muito bons os pickles de chalota assados. Volta a faltar um molho que una os elementos, demasiado dispersos e desgarrados.
Nota: 65 pontos
O que diz o chef
“A carne curada é cecina [o chamado presunto de vaca italiano] e não pata negra. Usamos raízes chamuscadas e uns pickles de vinagre de chalota. O bolo seco é uma madalena desidratada.”

PARGO LEGÍTIMO BRASEADO (39€)
Antes de ir à boca
Começamos a salivar só de olhar para a pele tostada e para as lascas do peixe. E sabemos que aquele puré e os bocados de laranja estão lá para ajudar a que seja tudo ainda mais emocionante.
Ao que sabe
O peixe está perfeito, húmido por dentro, caramelizado por fora, e é logo evidente que se trata de um lombinho de pargo de qualidade. O puré suavíssimo e doce, com amargo ligeiro de tupinambur, a laranja dá frescura e há um gel do fruto logo ao lado que não acrescenta grande coisa.
Nota: 85 pontos
O que diz o chef
“Falta falar no espinafre que leva um molho de sésamo e saké, com uma emulsão de alho negro.”

SALMONETE BRASEADO (39€)
Antes de ir à boca
A arrumação no prato é apertada mas cabe lá muita coisa. Pela aparência do filete vemos logo que é um salmonete e depois há vários montículos, favinhas e ervas.
Ao que sabe
O filete está magnífico, com a elasticidade típica do salmonete. A salicórnia acrescenta sal e acidez e há ainda um puré avinagrado. Escondida está também uma gema de ovo, talvez com uma cura leve, toca-se e ela espalha-se por cima das favas, misturando-se com outro molho, acastanhado e intenso. Em separado nada a apontar, mas o conjunto sofre por ter demasiados elementos e intensos.
Nota: 75 pontos
O que diz o chef
“A gema é só cozida a baixa temperatura e fazemos um puré de alcachofras. O molho acastanhado é dos fígados do salmonete — há quem diga que é a melhor parte deste peixe e eu concordo.”

CHOCOLATE DE PIURA 65% (11€)
Antes de ir à boca
Voltamos às instalações de arte contemporânea. Desta feita é outra vez um cruzamento de bolachas a dar um ar dramático ao prato. Por baixo, esconde-se uma bola de chocolate.
Ao que sabe
O chocolate tem intensidade e acidez, sem ser amargo, e percebemos que pelo meio há avelãs trituradas. Uma Nutella. Em bom.
Nota: 80 pontos
O que diz o pasteleiro
“A minha paixão é o chocolate. Este chocolate Puria é dos melhores do mundo. Tem notas a framboesa. Vem da Amazónia e é selvagem. No interior tem avelãs tostadas.”

SEIXOS DE PISTÁCHIO, FRAMBOESA E BAUNILHA
Antes de ir à boca
Quase uma palete de pintura, multicolorida. Três ovinhos, um montículo de amoras e framboesas, gelado de morango. Vai ser fresco.
Ao que sabe
Foi fresco mas também doce, cremoso, crocante. Os ovinhos tinham cada um o seu recheio, num deles uma extraordinária panacota com a baunilha (de vagem, certamente) bem marcada; noutro bombom notas a amêndoa amarga. Muito bom também o gelado de morango. Nada excessivamente doce, muito elegante.
Nota: 85 pontos
O que diz o pasteleiro
“Usamos amoras selvagens e framboesas desidratadas. Os bombons são feitos com umas natas incríveis. Um deles leva pasta de pistáchio e essa pasta às vezes leva amêndoa amarga [leva sim]. O gelado de morango só tem 45 por cento de açúcar. Foi feito na Primavera, quando os morangos estão mais doces e, depois, guardado.”

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