Quem circula pela estrada N118 entre Almeirim e Alpiarça, aproximadamente a meio-caminho passa por umas portadas e um muro branco com símbolo da Quinta da Atela e vinhas dos dois lados da estrada. Por trás destas portadas encontra-se uma unidade de produção de vinhos com uma gama bastante completa, uma bem interessante oferta de enoturismo e várias salas para eventos de 70 a 500 pessoas, e ainda uma casa com quatro suites. Os 600 ha da quinta, dos quais 150 são de vinha, permitem uma exploração diversificada.
Tudo começou há 700 anos
A história da propriedade remonta ao século XIV, tendo os Condes de Ourém como os primeiros proprietários. Os tempos passavam, mudavam-se os donos, nem todos traziam benefício à propriedade. No final do século XX a quinta foi comprada por Isidoro Maria de Oliveira, empresário na área das carnes e fundador da icónica marca Salsichas Izidoro. A revolução de 25 de Abril em 1974 trouxe uma expropriação e ocupação da propriedade que durou uma década, até que foi devolvida ao legítimo proprietário num estado muito degradado. Nos anos 90 do século passado, um membro da família Oliveira, Joaquim Manuel de Oliveira, tomou conta da quinta, investindo na vinha e renovando as instalações. Após a sua morte, em 2012, a propriedade atravessou novamente um período de estagnação.
A mais interessante e promissora história da Quinta da Atela começou em 2017, quando a propriedade foi adquirida pelo casal de empresários Anabela Tereso e Fernando Vicente, administradores da Valgrupo, holding de peso do sector da agropecuária. Ao longo de quase 40 anos construiram praticamente um império verticalmente integrado, incluindo criação, abate e transformação animal, constituído por um total de 32 empresas. A produção de vinho é uma nova página nesta história empresarial.
Há, na propriedade, 20 hectares de uma vinha velha de Castelão com mais de 70 anos, a “Carvalhita”.
Uma referência do Tejo
Anabela Tereso ficou à frente do novo negócio. Não se deixou intimidar nem pela dimensão da quinta, nem pela quantidade de melhorias que precisavam de ser introduzidas, nem pelo facto de não ter nenhuma formação em vinhos. Arregaçou as mangas e agarrou o desafio. O objectivo era bem definido: fazer da Quinta da Atela uma referência na região do Tejo (e no país) em termos de enoturismo e produção de vinhos. E não se desviou dele. Quem se casou e começou a trabalhar aos 18 anos, está habituado a conjugar a vida familiar e profissional, tem força de vontade e resiliência suficiente para fazer tudo o que seja necessário para avançar. E a região do Tejo precisa de projectos destes.
Para assegurar a enologia contrataram novamente o reputado e experiente enólogo António Ventura. Novamente, porque o percurso do enólogo já passou pela Quinta da Atela ainda nos tempos do anterior proprietário, de 1997 até 2012, e ainda como consultor até 2016. Em 2020, António Ventura foi convidado por Anabela para assegurar o destino dos vinhos da propriedade, função que continua a assumir com a discrição, a elegância e a eficácia que lhe são conhecidos. Um autêntico “alfaiate” que faz vinhos por medida e ajudou repensar e redefinir a gama e o perfil dos vinhos, de acordo com as espectativas dos proprietários.
A função de enólogo residente e responsável de viticultura é assumida por Filipe Catarino.
O objectivo estava bem definido: fazer da Quinta da Atela uma referência na região do Tejo. Quando Anabela Tereso ficou à frente do novo negócio, não se deixou intimidar. Arregaçou as mangas e agarrou o desafio
Muitas castas e um Castelão especial
Um (longo) passeio pelas vinhas num atrelado de trator é uma experiência bem “autêntica”. O pó dos caminhos não alcatroados e o calor habitual para a zona da Charneca na região do Tejo lembra-nos que o trabalho de viticultura numa área com esta dimensão não é fácil. Para além das vinhas deu para apreciar os montados, ver criação de bovinos (que ficaram contentes ao ouvir o som do trator e a pensar que lhes trouxemos comida).
Mais de 20 castas estão plantadas na quinta, entre as típicas da região como a Castelão e Fernão Pires e as internacionais que incluem Chardonnay, Gewurztraminer, Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Syrah, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot, Marselan e Merlot. Há, também, 20 hectares de uma vinha velha de Castelão com mais de 70 anos (plantada em 1953), a “Carvalhita”. A vinha é antiga, mas nada tem de decrépita e mostra ainda um vigor admirável. É precisamente desta vinha que agora foi lançado o fantástico monovarietal que tivemos a oportunidade de provar durante a visita.
A quinta trabalha exclusivamente com uva própria. O portfólio de vinhos abrange várias gamas, desde Colheita até Grande Reserva, e todas as categorias, desde espumantes até licorosos e uma aguardente vínica velhíssima e mais de 10 vinhos monovarietais, brancos e tintos. No total a Quinta da Atela produz 1,2 milhões de litros, sendo 50% vendido a granel. Vendem praticamente tudo no mercado nacional, começando agora a explorar os mercados de exportação.
Dos lançamentos mais recentes provámos o monovarietal de Sauvignon Blanc, bem conseguido, fresco e crocante, um belíssimo Castelão das vinhas velhas e uma surpresa que a enologia fez à proprietária pela sua determinação e dedicação ao projecto; um vinho que se chama Anabela, com designação de Grande Reserva.
Um tinto de homenagem
António Ventura explicou que “numa prova rotineira das barricas com vinhos em estágio, destacaram-se algumas delas pela excelência dos vinhos que continham, e foi então que nós, equipa de enologia, decidimos que existia ali potencial para um Grande Reserva tinto.” O passo seguinte foi mais difícil: escolher o nome para este novo topo de gama da casa. “Eventualmente, concordámos que o vinho, pelas suas características de excelência, ao nível da qualidade, frescura, intensidade e persistência, tinha tudo para ser uma singela homenagem da equipa à mentora do projeto da Quinta da Atela. Desenvolvemos, assim, o lote em completo segredo, tendo sido apresentado a Anabela Tereso apenas na fase final, e para sua enorme surpresa, com a sugestão de usar o seu nome próprio no rótulo deste belíssimo tinto”. Este vinho obteve a designação de Grande Reserva na câmara dos provadores da CVR do Tejo.
O Sauvignon Blanc é produzido com uvas de duas vinhas – uma plantada em 1999 e a outra em 2018 – instaladas em solos arenosos, pobres e bem drenados. Fermentou e estagiou em inox para preservar os aromas primários típicos da casta, com bâtonnage semanal para conferir mais textura. O Castelão fermentou em pequenos lagares de inox após pré-maceração a frio, por 24h, com estágio de 12 meses em barricas de carvalho francês “Allier”, 50% novas e 50% de segunda utilização. O Anabela é um lote de Petit Verdot, Merlot e Syrah em partes iguais, com estágio de 16 meses em barricas de carvalho francês “Vosges” e “Allier”, 70% novas e 30% usadas.
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2024)