QUINTA DA BADULA: Onde o tempo “manda” no vinho

Os antigos contam que, há 100 anos, a agora chamada Quinta da Badula, localizada em Arrouquelas, no concelho de Rio Maior, tinha vinha e ali se faziam grandes vinhos. Com a passagem do tempo e as demandas do Homem, aquela acabou por extinguir-se. Os octogenários António Filipe e José Diogo são os guardiões desta vetusta memória outrora partilhada com o amigo José Marques, o detentor desta propriedade vitivinícola inserida na região dos Vinhos do Tejo.
A designação advém do proprietário daquela época, conhecido pela alcunha de Badula. “Como queríamos um nome que fosse fácil de dizer em todas as línguas, porque, desde logo, apostamos na exportação, descobrimos que se trata de uma família de flores. Uma vez que não se via o laranja nos rótulos, e queríamos usar uma cor que chamasse a atenção por sermos novos no mercado, usamos a flor laranja, que é um hibisco, a imagem de marca, e fazer a analogia entre a badula e a espécie de flores”, explica a filha, Élia Marques Vitorino, responsável pelos departamentos administrativo e comercial da Quinta da Badula, negócio familiar, com origem em Rio Maior, no qual, cabem ainda a mulher, Lurdes Marques, e o genro, Emanuel Vitorino.

No início, eram tintos

Mas o que faz o proprietário de uma pequena fábrica de artefactos de cimento, situada em Rio Maior, no mundo do vinho? A pergunta é desmistificada de imediato por José Marques. A paixão pelo vinho foi o ponto de partida para muitas viagens pelo país, nomeadamente pelas regiões do Douro e do Alentejo, o que lhe permitiu reunir conhecimento acerca desta matéria. Tamanha curiosidade determinou ainda as múltiplas idas a Espanha e França, sempre com o objetivo de provar mais e mais vinho.
Destas rotas didáticas cá dentro e d’além fronteiras, resultou a compra gradual da atual propriedade em Arrouquelas, explorada, desde 1999, por José Marques, que ali tinha instalado uma central de lavagem de areia. Contudo, houve a necessidade de corrigir a orografia do terreno, para facilitar o trabalho de campo e, apesar do solo arenoso e consequentemente pobre, típico da zona da charneca da região do Tejo, decidiu avançar, em 2007, com a plantação de quatro variedades de uva tintas: Castelão, Touriga Nacional, Alicante Bouschet e Syrah. “As castas foram escolhidas por mim. Lia as revistas dos vinhos e via de onde saiam os grandes vinhos”, justifica o nosso anfitrião.

Mas quando, em 2009, a época da vindima estava quase à porta, não havia adega nem enólogo. Foi através de um amigo que conseguiu o contacto do enólogo António Ventura, que inicialmente, mostrou alguma relutância, mas quis conhecer o projeto in loco. “Quando passou aqui, provou as uvas e observou o terreno, que, apesar de pobre, denotava potencial para a colheita de matéria-prima de qualidade”, conta o proprietário da Quinta da Badula.
O Quinta da Badula Reserva tinto 2009, feito a partir de Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet, foi produzido em lagares, ainda em Rio Maior, e marcou a estreia no portefólio desta empresa familiar. Entra no mercado a 8 de março de 2012, ao mesmo tempo que é apresentado o Quinta da Badula Colheita Selecionada tinto 2010, elaborado com as castas Castelão, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, na primeira adega, instalada no espaço agora ocupado pela oficina da propriedade. Conta Élia Marques Vitorino que este último é distinguido, em maio de 2012, com uma medalha de ouro no Concurso Mundial de Bruxelas. “Foi uma notícia inacreditável!” O prémio deu alento à família, para prosseguir com o projeto, à época, com cinco anos.
Em 2012, chegou a vez da seleção das castas brancas, lista preenchida por Arinto, Fernão Pires, Moscatel Graúdo, Alvarinho e Gouveio. Esta nova etapa da Quinta da Badula obrigou o proprietário a avançar para as provas de vinho branco, vinho que não apreciava por aí além… “Neste caso, a escolha foi do engenheiro António Ventura”, confessa José Marques. Dois anos mais tarde, deu-se início ao portefólio de vinhos brancos, com o Quinta da Badula Reserva, feito a partir das variedades Alvarinho e Arinto. Em 2015, ocorreu a estreia do Badula rosé, com Touriga Nacional e Syrah.

A Cabernet Sauvignon e a Chardonnay, respetivamente, tinta e branca, foram as eleitas da última plantação, em 2018. “Quando plantar mais vinha, irei plantar mais Castelão”, garante José Marques, que, ao longo destes 18 anos, contabilizados desde a plantação da vinha, tem vindo a absorver o saber-fazer com o mestre da enologia da casa. No entanto, é António Ventura quem determina o dia da vindima, com base nas análises feitas às uvas em laboratório e prova das uvas no terreno.
Hoje, a vinha ocupa uma área de 25 hectares, estendendo-se numa encosta suave e rodeada maioritariamente por floresta. A parte voltada a nascente ficou reservada às castas tintas, “porque os tintos precisam de mais grau e de mais estrutura”; as videiras das variedades de uva branca estão expostas a norte, uma vez que, segundo o nosso anfitrião, “os brancos não precisam de tanto grau”.

Entreajuda nas vindimas

José Marques marca presença assídua na vinha e faz questão de, entre outros trabalhos, coordenar e colaborar na monda, que entra em ação na fase do pintor. “Chego a tirar 20 cachos de cepa”, diz, e deixa apenas um quando se tratam das parcelas de uvas tintas com potencial para os vinhos Reserva e Grande Reserva.
A minúcia com que se dedica a esta atividade traduz-se numa ação morosa. Esta seleção tem como finalidade diminuir a produção de uva por hectare, para garantir a qualidade da matéria-prima. Caso contrário, “não temos grau, não temos estrutura, não temos nada”, elucida o proprietário da Quinta da Badula, dando como exemplo o comportamento da casta Castelão. Paralelamente, a fertilidade baixa causada pelo solo arenoso, permite, por si só, que esta variedade de uva produza em quantidades reduzidas.

A vinha, situada a cerca de 20 quilómetros do mar, em linha reta e desenhada com base no sistema de condução bilateral, tem cerca de 1,5 metros de altura. O excesso de folhagem é propositado, acima de tudo, no topo e no lado em que a exposição solar é direta. Serve para proteger os cachos, sobretudo à hora em que o termómetro mostra maior risco de calor.
“Gostamos de ver aqui os ninhos dos passarinhos, as lebres, os coelhos e as perdizes, e os meus netos andam por aqui sem qualquer perigo. Por isso, não usamos herbicidas”, assegura. Sem seguir os parâmetros da viticultura biológica, José Marques prefere optar por “produtos menos ofensivos”. É o caso da calda bordalesa e enxofre. “O enxofre é usado contra o oídio e a calda bordalesa é para o míldio”, descreve.

A humidade não é um problema, graças ao vento, que ajuda a secar as videiras, e a exposição favorável a norte. Mesmo assim, há a necessidade de recorrer ao sistema de rega gota a gota, suportada pela charca da propriedade, para manter a humidade do solo durante o verão. “Quando está muito sol, o sol incide nos seixos, vai espelhar e, consequentemente, queimar os cachos. Portanto, a água mantém a humidade, o que impede a acumulação de calor no solo. É dispendioso e dá trabalho, mas compensa na qualidade das uvas.”
Em contrapartida, as noites frescas permitem que os vinhos sejam mais frescos e tenham acidez, característica enaltecida por José Marques. “Foi por isso que escolhemos este terreno, para plantar vinha.” Além disso, são um bom pretexto para iniciar a vindima mais cedo, pelas seis da manhã, de modo a colher as uvas a baixa temperatura.

Uma parte da vindima é feita com o auxílio de uma máquina vinda de França. Os cachos destinados aos Grande Reserva e Reserva tinto, bem como para o Reserva branco e o espumante, são colhidos à mão, mas “como não conseguimos apanhar tudo de noite, colocamos em caixas, dentro do frio, e as uvas só são processadas quando estiverem mesmo frias. Se esmagarmos as uvas quentes, perdemos parte dos aromas que precisamos no vinho”, esclarece José Marques. “O nosso objetivo é produzir vinhos de grande qualidade. Para o efeito, temos de controlar as uvas”, acrescenta Élia Marques Vitorino.
Todos os anos, esta fase da cultura da vinha e do vinho é apoiada pela população de Arrouquelas, que faz questão de participar na colheita das uvas. Entre crianças, jovens e mais velhos, há um enorme espírito de entreajuda, e até há uma espécie de horta comunitária, com uma variedade considerável de hortícolas e fruta. E, claro, os amigos António Filipe e José Diogo não faltam!

QUINTA DA BADULA

 

José Marques mostra as madeiras de maior qualidade das tanoarias francesa Seguin Moreau e portuguesa J.M.Gonçalves

 

Tanoaria de topo

Sobre as duas últimas castas plantada na propriedade, aguarda-se a estreia do vinho, cujo lote incluirá a Cabernet Sauvignon, visto que os monovarietais não têm lugar cativo no portefólio da Quinta da Badula. “Talvez um dia…” Já a Chardonnay foi plantada com o pretexto de se fazer espumantes, cuja estreia aconteceu em 2020, com o Quinta da Badula Espumante Reserva Brut Nature. Esta primeira edição inclui 10% de Arinto, enquanto na segunda, de 2022, a percentagem desta casta branca subiu para os 20%. “Só fazemos espumante quando temos uvas de muita qualidade. É feito de uma forma muito especial, em que o cacho vai inteiro para a prensa pneumática, daí que tenha de estar em perfeitas condições”, afirma José Marques.

O proprietário da Quinta da Badula compara a produção do espumante, em que o dégorgement é feito por uma empresa externa, com o vinho maior do portefólio, o Quinta da Badula Grande Reserva tinto, com o registo de apenas três colheitas: 2014, 2015 e 2017. “Temos colheitas de 2017 a 2024. São vinhos de grande qualidade, alguns ainda estão em barrica, mas ainda não decidimos o que vai para Grande Reserva”, revela o nosso anfitrião, ou não fosse a enologia comandada pelo tempo. Some-se o contentor com aproximadamente 600 garrafas de Quinta da Badula Reserva 2016 colocado, em 2021, na charca, o qual gera expectativa aos proprietários.

Com o propósito de aprofundar a diferença entre os tintos, no que ao tempo de estágios diz respeito, José Marques revela que o Grande Reserva permanece por 21 meses em barricas novas e o Reserva é submetido a 12 meses em madeira de segundo ano, enquanto o Colheita Selecionada está nove meses. A par com a aposta em descansos longevos nestes vinhos, o nosso anfitrião enfatiza a importância da pisa a pé, em lagar, nas uvas tintas, “para que o vinho tenha mais extração e estrutura”. A “qualidade de excelência” realçada por Élia Marques Vitorino tem como marco o prémio “Excelência”, na categoria dos tintos, atribuído ao Quinta da Badula Grande Reserva tinto 2017, por ocasião do XV Concurso dos Vinhos do Tejo. “Esteve dois anos em barrica, de onde tiramos, para ir decantando, porque não fazemos colagens nos vinhos, daí que mantenhamos os vinhos por mais tempo na adega. Fazemos uma ligeira filtração de placa aberta, para evitar a passagem de impurezas, mas é o menos filtrado possível, para que não haja interferência na cor e na estrutura do vinho”, fundamenta José Marques.

Nos brancos, o topo de gama é o Quinta da Badula Reserva, com um tempo de estágio de seis meses em barricas novas. Mas nem sempre há colheitas desta referência. Quando não acontece, fica a garantia da produção de um Quinta da Badula Colheita Selecionada, submetido a três meses em madeira usada. Nos dois casos, o vinho estagia em barricas de madeira “topo de gama”.
Na adega da propriedade, concebida em 2012 para trabalhar por gravidade, onde está instalada, a 10 metros de profundidade, a cave das atuais 300 barricas, José Marques mostra as madeiras de maior qualidade das tanoarias francesa Seguin Moreau e portuguesa J.M. Gonçalves. “Cada uma é usada em 50%”, afirma o nosso anfitrião, que distingue ambas da seguinte forma: “a tanoaria portuguesa dá mais estrutura aos vinhos, enquanto a francesa, dá mais elegância.”

Quer nas barricas, quer nos depósitos de inox, os vinhos estão separados por castas. O lote, que difere de ano para ano, é feito no final. Posteriormente, é colocado nas cubas destinadas para o efeito e engarrafado na máquina, também preparada para a rotulagem. “Nós fazemos todo o trabalho internamente. Se corre alguma coisa mal, a responsabilidade é nossa, mas a se a máquina for de fora, nunca saberemos de onde veio o problema”, remata José Marques.
A capacidade de produção anual ultrapassa os 100.000 litros e destina-se às lojas gourmet, garrafeiras e restaurantes. No âmbito da exportação, constam os Países Baixos, considerado o melhor mercado no universo da Quinta da Badula, bem como a Bélgica, a Suíça, a Alemanha, o Brasil e, “esperamos nós”, novamente a China, mercado outrora importante na casa.

Nota: A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico.

 

 

SIGA-NOS NO INSTAGRAM
SIGA-NOS NO FACEBOOK
SIGA-NOS NO LINKEDIN
APP GRANDES ESCOLHAS
SUBSCREVA A NOSSA NEWSLETTER
Fique a par de todas as novidades sobre vinhos, eventos, promoções e muito mais.