Ainda que sem a pujança que a região merece (sendo esta, naturalmente, uma opinião estritamente pessoal), o Dão tem registado um crescente número de novos produtores, muitos deles focados na qualidade e num posicionamento estratégico alto. De uma década para cá, vimos nascer ou consolidar projetos como Taboadella, MOB, Textura, Quinta da Lomba e, mais recentemente, Domínio do Açor. E, antes destes, mas não tão distante, assistimos também ao renascimento da Quinta da Passarella que, em conjunto com dezenas de produtores implantados na região desde os anos 80 e 90, formam um significativo acervo de qualidade vínica. Mais recente ainda é o produtor Quinta da Perdonda, cuja figura principal é Paulo Nunes, enólogo que também oficia na já referida Quinta da Passarella, bem como noutros produtores de Trás-os-Montes ao Alentejo, passando pelo Douro e Bairrada.
Perdonda, palavra de pronunciamento arrevesado, quererá significar “pedra redonda”, não escondendo assim a sua origem na sub-região da Serra da Estrela, conhecida pelos solos graníticos, recortados por parcelas de floresta e pedras de grande dimensão. A propriedade é sita mais concretamente em Paços da Serra, entre Seia e Gouveia, com maior proximidade para esta última, um dos lugares mais a este da região vínica (mais a este e com maior altitude só existe pasto). Mais do que uma quinta propriamente dita, pelo menos no estado desprotegido em que os sócios a encontraram, falamos de uma pequena propriedade de quatro hectares a 700 m de altitude, quase toda em encosta.
Com solos relativamente férteis e predominância para os típicos graníticos da região, tem a particularidade de estes virem, a espaços, em barro, ou seja, e simplificando (não entrando nos detalhes da dimensão das partículas do solo), verdadeiras argilas graníticas. A existência de muita água em redor da propriedade é uma mais-valia, diz-nos o enólogo e produtor, garantindo que, assim, as vinhas estarão, no futuro, bem adaptadas ao aquecimento global cada vez mais sentido na região. Por falar em vinhas, estas remontam a 1948, data da plantação do talhão (n.º 1) com vinhas mais velhas. Também no que toca às castas, a diversidade é a palavra chave, encontrando-se, nos brancos, Barcelo, Semillon, Fernão Pires e Uva Cão, e, nos tintos, muita Jaen, Baga e Tinta Amarela, entre muitas outras brancas e tintas.
A propriedade foi comprada em 2016 com mais dois sócios: Paulo Pinheiro (dono do restaurante Casa Arouquesa em Viseu) e Francisco Batista. De lá para cá, e aos poucos, tem vindo a ser reconstruída a adega (os primeiros vinhos foram vinificados em produtores vizinhos), e tudo indica que a colheita de 2024 já será vinificada na nova adega que conta com cinco pequenos lagares, um por cada parcela ou talhão na quinta. Com efeito, a propriedade, apesar de pequena, com três hectares de vinha, tem cinco talhões todos diferentes – ao nível da altitude, do solo, o ano de plantação, e até do encepamento (uns com mais Baga, outros com mais Jaen e Tinta-Amarela) – tornando-se essencial vinificá-los em separado para melhor ir conhecendo o potencial de cada um. Em comum, todos os talhões têm uma mesma característica, que é a presença de muita uva branca, chegando a um máximo de quase 20%. Para já, provámos dois tintos de 2018 e dois brancos de 2020, todos muito promissores. Uma descoberta!
* Este autor escreve segundo o acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)