Escrevo esta crónica a partir da Irlanda. Começada no quarto de hotel, continuada numa esplanada e terminada já no aeroporto. Viajar é conhecer. E fiquei a conhecer melhor o mercado de vinhos irlandês, onde Portugal é quase um ilustre desconhecido.
SOL zul como há anos não se via, diz quem cá vive vai para cinco anos, ambiente primaveril, grande agitação na economia e finanças com empresas gigantes a mudarem-se de Inglaterra para Dublin por força do Brexit e uma pressão imobiliária enorme porque… não há casas que cheguem, o arrendamento urbano atinge preços incomportáveis e quem para cá vem trabalhar tem de se contentar com alojamento bem longe do centro (e é de carregar “longe” nisso). Mas nas ruas, e ao fim da tarde, vê-se o que sempre se viu, que isto de mudar de hábitos está cada vez mais difícil: bares cheios e passeios circundantes com gente a conviver com copos de cerveja na mão, falando alto e celebrando a vida.
Vinho? Não aqui, que os irlandeses são muito mais bebedores de cerveja, embora o consumo de vinho, para um país de apenas 4,7 milhões de habitantes, já seja muito significativo. Em 1990 foram vendidas 1,7 milhões de caixas de vinho (a medida internacional mais corrente é a caixa de 12 garrafas) e esse volume subiu para 8,5 milhões em 2007, mantendo-se desde então bastante estável. Apesar dos números animadores, 50% do consumo de álcool é ainda reservado para a cerveja e apenas 28% para o vinho. Para um jantar mais requintado e na restauração, os irlandeses tendem a consumir cada vez mais vinho. E o quê? Sem surpresa ficámos a saber que o Chile é responsável por 28% desse consumo, seguido pela Austrália (18%); num segundo nível estão França, Espanha e Itália. No “terceiro anel” vêm EUA, Af. Sul, Nova Zelândia, Argentina e Alemanha. Perdido no “resto do mundo”, Portugal é assim um parceiro sem relevo nem importância. Não faz sentido.
Fazer muito com pouco
Diz-se que é a nossa grande virtude e provavelmente será bem empregue também aqui na Irlanda. O destino não é prioritário e, por via disso, as campanhas de promoção do vinho português são inexistentes. Disso se queixaram os importadores que estiveram presentes na prova de vinhos portugueses que teve lugar no hotel mais bonito e charmoso da cidade – The Shelbourne Hotel – e que foi promovida e organizada pela embaixada portuguesa.
Foi-me colocado o desafio de ir ali falar e comentar uma selecção feita por mim de vinhos já disponíveis no mercado local, partindo das listas de existências que me foram fornecidas. Já se sabe que estas iniciativas têm preparação demorada, aqui com a embaixada e o seu staff a fazerem o papel de agência de comunicação, recolhendo informação sobre todos os importadores locais e identificando os convidados que seria interessante estarem presentes, desde sommeliers a wine writers, além dos próprios importadores.
A prova correu muito bem e o entusiasmo no final era evidente, com comentários do tipo “verdadeiramente surpreendia fiquei sobretudo com os brancos em prova, nunca pensei que Portugal tivesse esta delicadeza e finura em vinhos brancos”, ou outros que me comentaram o quanto melhor tinham ficado a perceber os nossos vinhos por terem sido explicados e contextualizados, nos climas,nos solos, com castas com nomes por vezes impronunciáveis mas que ajudam a perceber a originalidade dos nossos produtos.
A promoção é que está a falhar, redondamente. A Irlanda não é um mercado prioritário e, assim, em vez de se fazer alguma coisa, não se faz nada. Tal situação tem paralelo noutros mercados europeus onde a presença regular faria mais falta. Aqui, na ausência de uma agência que promova os nossos vinhos, têm sido alguns importadores que assumem esse papel. Ao que me dizem, apenas o Alentejo promove a Alentejo Wine Week. Já se sabe que neste tema, como noutros, estamos sempre com a pescadinha de rabo na boca: não se promove porque o negócio é pequeno e ele é pequeno porque ninguém se mexe. Existem fórmulas mais caras, mas há acções de baixo custo que podem e devem ser feitas com uma periodicidade anual.
Atenção aos mercados europeus
No fundo, e especialmente na Irlanda, não há uma tradição de consumo de vinho português que venha das gerações anteriores; dessas os irlandeses apenas herdaram a ideia do Port como vinho de sobremesa. Ora isto é uma vantagem, já que não há nem vencedores instalados, nem regiões que dominem, há campo aberto para que possam brilhar os menos conhecidos e badalados.
A Irlanda, apesar de país pequeno em número de habitantes, já é o 20º maior importador mundial de vinho e isso também nos deixa elementos de reflexão: com alguma promoção, ainda que não vá além de uma prova anual, podem criar-se condições para uma maior expansão do negócio. As embaixadas apenas dispõem de orçamento para as despesas correntes e não têm capacidade financeira para serem promotores. Fica assim a ideia que é de dentro que temos de criar programas que depois as embaixadas possam apoiar.
Os mercados europeus, que são nossos parceiros há décadas, não devem, penso eu, ser remetidos a 3º plano por troca com novos mercados que, aparentemente, são promissores, mas que depois se revelam verdadeiras “apostas no cavalo errado”. Sabemos que Londres continua a ser o centro da nossa presença no palco europeu dos vinhos mas será que só Londres vale a pena? Tenho imensas dúvidas e uma visita a garrafeiras em Londres ou grandes cadeias de supermercado também nos confirma que “falam, falam” mas depois a presença, até visual, nas prateleiras é bem menor do que se diz. Cabe naturalmente aos produtores a articulação com as agências de promoção e, claro, à Viniportugal, cujo orçamento tem origem na produção e na certificação de vinhos.