Recentemente, em conversa com um viticólogo, este dizia-me, em tom alarmado, que as análises de solo de uma vinha biológica a que prestava consultoria técnica apontavam para uma quantidade de cobre 10 vezes superior ao máximo aconselhado. Literalmente, o solo estava, desde há muito, intoxicado com cobre.
TEXTO João Afonso
Para quem não está dentro do assunto “tratamentos de vinha”, o cobre é um dos principais produtos usados em Modo de Produção Biológico (MPB) e, juntamente com o enxofre, forma a famosa calda bordalesa (bouille-bordelaise, descoberta por Alexis Millardet ainda no séc. XIX), a primeira mistela ou cura a ser descoberta para as doenças criptogâmicas do oídio e do míldio chegadas à Europa em meados do século XIX.
O cobre é um bactericida, algicida e fungicida com aptidão especial para combater o míldio, um fungo que tem algo de alga, já que necessita de água (e não humidade) para se desenvolver. Mas tal como o enxofre, não tem qualquer poder de penetração na planta, como o têm os químicos de síntese usados na actual viticultura convencional. Uma boa chuvada (mais de 10 l/m2) lava estes produtos arrastando-os para o solo ficando a planta desprotegida à espera de nova e urgente pulverização, em especial se o tempo húmido ou chuvoso se mantêm.
Em anos como o 2016 ou 2018, com primaveras extremamente chuvosas e húmidas, um viticultor Bio, consciencioso e previdente, poderá ter feito até 12 tratamentos preventivos, mas, se este viticultor conhecesse o impacto destes tratamentos na vida do solo da sua vinha, teria feito bastante menos. Mas, claro está, arriscava-se a perder parte ou a totalidade da produção ou teria de intercalar tratamentos preventivos com químicos sistémicos (que penetram na planta e são curativos) e perder assim a chancela de “Modo de Produção Biológico”.
Todos os tratamentos, biológicos, biodinâmicos ou convencionais são moléstia para as videiras. São intrusivos: para a defender, atacam-na também, além de acrescentarem compostos e componentes quase sempre indesejáveis ao mosto e vinho final. O ideal para o viticultor, e para os vinhos na generalidade, seria não haver qualquer necessidade de tratamento nas vinhas. Mas tal não é possível, pelo menos em anos de primavera húmida e chuvosa como 2016 ou 2018.
Com a crescente pressão ambiental criada pelo uso de químicos de síntese nos tratamentos fitossanitários da vinha e pela cada vez maior adesão do consumidor a produtos vindos de agricultura “Biológica” (*), tem havido uma lenta mas consistente transição da viticultura convencional, feita com base em químicos de síntese produzidos por multinacionais gigantescas como a Monsanto, Bayer ou Belchim, para uma viticultura dita Biológica com muito menos impacto ambiental com base nos tradicionais e, à partida inócuos, enxofre e cobre. Mas a verdade poderá ser um pouco diferente…
A ameaça cobre
Segundo o número de Abril 2019 da Revue des Vins de France, que transcrevemos aqui em parte, a França da vinha “Biológica” anda de candeias às avessas com a Comunidade Europeia que legislou a partir de 1 de Fevereiro de 2019 a permissão de utilização de um máximo de 4 Kg de cobre por hectare e por ano, com um total de 28 kg em 7 anos. Ou seja, pode usar mais cobre nuns anos do que noutros, mas em 7 anos não pode ultrapassar os 28 kg/hectare. A legislação anterior permitia os 6 kg hectare com um máximo de 30 kg em 5 anos.
Esta significativa redução (feita sem avisar ninguém), vem colocar algumas regiões limítrofes, como o Jura, fora da luta biológica contra fungos em anos como o de 2016 que exigem maior quantidade de cobre do que o agora permitido.
A guerra contra o tradicionalíssimo cobre assume proporções políticas e muitos “vignerons” chegam a acusar a EFSA (European Food Safety Authority) de estar mais pronta a proibir o cobre que o tristemente célebre e cancerígeno herbicida glifosato. Quando os viticultores Bio eram 3% dos vignerons franceses, o cobre nunca foi problema. Mas hoje que são 18% o cobre é um veneno a abater – sublinha Patrick Guiraud, presidente da Sudvinbio. E nos corredores de Bruxelas os lobbys da indústria fitossanitária não param de tentar mexer os cordelinhos para acabar com o cobre na vinha – esta é a acusação feita pela vanguarda Bio francesa. Todos teriam preferido uma redução para os 5 kg/ hectare, mas a legislação europeia foi mais castradora.
Longe vão os tempos, da primeira metade do século passado, em que os viticultores franceses chegavam aos 50 kg por hectare de cobre ao ano. Não fora o surgimento dos novos produtos de síntese e o uso e abuso do cobre poderia ter envenenado todos os solos vitícolas de França. No final dos anos 90 a União Europeia legislou e limitou o seu uso a 8 kg / hectare. Em 2006 baixou para os 6 kg e agora para os 4 kg.
Proteger ou envenenar?
Para termos uma ideia do que significam estes números, segundo o Manual de Fertilização das Culturas do nosso INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária), um terreno com valores muito baixos de cobre tem menos de 0,3 mg de cobre por Kg de solo. Com valores baixos, de 0,4 a 0,9 mg, médios de 0,9 a 7 mg, altos de 7,1 a 15 mg e muito altos acima de 15 mg por Kg de solo.
Em França, o organismo publico Groupement d’Interet Scientifique (GIS) SOL, analisou, entre 1998 e 2010, dezenas de milhares de amostra de solos das diversas regiões francesas e concluiu que os solos com mais cobre são os vitícolas e os solos da Bretanha (neste caso por causa do estrume usado na fertilização).
Dos solos vitícolas, os campeões do cobre são Bordéus e o Languedoc-Roussillon, com taxas para lá dos 322 mg/Kg (cerca de 20 vezes acima do máximo aconselhável!). Mas análises mais recentes nos solos da última região, feitas pelo INRA (Institut Nacional de la Recherche Agronomique) de Montpellier, encontraram mais de 1 000 mg/Kg de solo. Muito assustador!
Do cobre que entra no solo, 5 a 10% é absorvido pelos organismos que nele habitam (bactérias, animais, cogumelos, plantas). É o chamado cobre bio disponível. Se a proporção de mg de cobre por quilo de solo é desproporcionada e excessiva, o cobre torna-se tóxico para a vida que ele sustenta.
A natureza do solo também é crucial para a toxicidade do cobre: solos calcários e argilosos têm menos cobre bio disponível pois este liga-se ao mineral, mas nos solos arenosos ou graníticos o cobre solubiliza-se e encontra-se mais bio disponível.
Segundo o INRA, verifica-se uma diminuição da vida microbiana a partir de 30 a 50 mg de cobre bio disponível por quilo de solo ácido e a partir de 50 a 100 mg sobre solos calcários ou argilosos. E é por esta razão que o Biológico pode ser, em anos climáticos extremos, pouco lógico.
Há vários métodos para diminuir a utilização de cobre (tisanas de cavalinha, urtiga e consolda em biodinâmica, ou uso de substâncias que estimulam as defesas da planta) mas nenhum o evita na totalidade. Há que saber gerir o cobre. Ser Bio lógico é ainda mais importante que ser Biológico.