À sombra da serra d’Ossa

Por terras de Redondo, nas faldas da serra d’Ossa, encontramos um Alentejo especial, abrigado na sombra das montanhas e virado para a pecuária, o montado e, claro, o vinho. Entre ícones de arquitectura, alojamentos semi-familiares e grandes produtores se fez um roteiro por terras de história, paisagem e boa mesa.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A sul do Tejo só há dois locais mais altos: a serra de S. Mamede, em Portalegre, e a serra de Monchique, no Algarve. Não se menospreze, portanto, a importância na paisagem desta serra d’Ossa e dos seus 653 metros de altitude, num Alentejo mais habituado a ondulações suaves do terreno. Estendendo-se numa orientação NW/SE, entre Estremoz e Redondo, o maciço alberga um convento quase milenar (1182) e uma variada fauna e flora, num cenário que mistura o recém-chegado eucalipto com o ancestral montado. O flanco norte integra a bacia hidrográfica do Tejo, a vertente sul drena para o Guadiana. E é por este lado que vamos estar.
A região é rica em património histórico – entre outros pontos de interesse, a fortaleza de Juromenha, os castelos de Alandroal e Terena, os palácios de Vila Viçosa, monumentos megalíticos – e artesanato – olaria do Redondo e de S. Pedro do Corval, por exemplo. O casario branco e o verde dos campos (com as chuvas recentes, as flores prometem uma Primavera colorida) fornecem um cenário relaxante para uns dias bem passados. E, depois, claro, há o vinho. Redondo é uma das DOC Alentejo e por aqui encontramos nomes tradicionais e bem cotados do panorama vitivinícola português. Mas comecemos por um recém-chegado.

O enoturismo da Herdade do Freixo só abriu em finais de 2016, data recente, mas praticamente coincidente com a divulgação dos primeiros vinhos do projecto. Implantada numa área de 300 hectares, dos quais 50 são de vinha, a adega é aqui o centro das atenções. Não que dê nas vistas, antes pelo contrário: a adega da Herdade do Freixo é a única completamente subterrânea da Europa. Vista de fora, é um monte plantado com vinha onde só se detectam os pórticos das duas entradas e a silhueta dos respiradores e clarabóias. Visto por dentro, é um enorme poço central com uma rampa em espiral que dá acesso aos quatro pisos.
Já lhe chamaram o “Guggenheim do Alentejo”, mas as palavras não fazem justiça a esta espantosa obra de arquitectura, da autoria do arquitecto Frederico Valsassina, recentemente distinguida com o primeiro prémio do site ArchDaily na categoria Industrial Architecture dos 2018 Building of the Year Awards. Cada um dos quatro pisos tem 1.000 metros quadrados e a altura total do edifício, que está quase totalmente enterrado, ronda os 40 metros. Foi preciso fazer um grande buraco, mas os ganhos em funcionalidade (a adega funciona por gravidade e o controlo de temperatura e humidade torna-se muito mais eficiente) e arrojo estético fizeram esse esforço valer a pena.
Hoje, a Herdade do Freixo é um projecto em plena consolidação, com vinhos de elevado nível que procuram conciliar a estrutura e concentração do Alentejo com elegância e longevidade. E não se pense que o betão ou a qualidade dos vinhos são os únicos argumentos para justificar uma visita. Sim, há a vertigem do poço central, a incrível sala de barricas com um rochedo que pode ser um meteorito (!), a elegante sala de provas e o pátio interior. Há tudo isso e mais.
Mas cá fora espera-nos uma paisagem sem fim. Do marco geodésico que assinala o ponto mais alto das vinhas (450m) contemplamos um mar de montado e manchas agrícolas, a parede escura da serra d’Ossa, o “farol” branco das torres de Evoramonte, a silhueta de Évora no horizonte longínquo. A Herdade do Freixo foi desenhada para não manchar este ecossistema onde a cegonha-preta nidifica e oliveiras centenárias vigiam pastagens e vinhas. Missão cumprida com brilhantismo.

HERDADE DO FREIXO
Freixo, 7170-001 Redondo
Tel: 266 094 830
Mail: freixo@herdadedofreixo.pt
Web: www.herdadedofreixo.pt
A adega está aberta todos os dias excepto aos domingos e tem duas visitas guiadas (11h e 15h) de terça a sábado. Recomenda-se marcação prévia. A visita custa 6,50 euros por pessoa, valor que sobe para 15 ou 20 euros conforme se opte por uma das modalidades de prova de vinhos (um ou dois vinhos), acrescidos de outros 5 euros para degustar uma tábua de queijos e enchidos. A visita com almoço (mínimo de seis participantes) custa 135 euros por pessoa. A loja está aberta de segunda a sábado, das 9 às 17h.

Ali bem perto, na estrada que sobe para a serra, a Herdade da Maroteira não tem pergaminhos de arquitectura moderna para exibir (se exceptuarmos a bela piscina de horizonte infinito), mas a envolvência natural é ainda mais impressionante. O monte fica no centro de uma vasta propriedade (540 hectares) quase totalmente ocupada por montado (há também 13ha de vinha). A criação de uma empresa de passeios na natureza (a Corktrekking) transformou a herdade num dos mais populares destinos turísticos da região.
A pé ou de jipe (descapotável ou fechado), há toda uma imensa área para descobrir, desde as planuras agora alagadas pelas chuvas até ao ponto mais alto, o Cabeço da Águia, um miradouro a 400 metros de altitude de onde se contempla a planície central do Alentejo com a serra nas nossas costas. Ao fundo, vinhas, o plano de água de uma barragem, alguns eucaliptais flanqueando as encostas, pastagens sem fim. Percebe-se a serra de Portel no horizonte e distingue-se, a 30km de distância, a mancha branca do casario de Évora.
A vida animal é abundante, mas os reis são mesmo os cães da Maroteira, que acompanham invariavelmente os passeios em galopes entusiásticos e saltos artísticos por cima das vedações. Aliás, vale a pena deixar o aviso: se não gosta de cães, este não é sítio para si. Se gosta, fantástico. Eles estão por todo o lado e são uns pacholas. Abrir a porta do quarto logo pela manhã e ter a cabeça maciça de um rafeiro alentejano a saudar-nos de língua pendurada é todo um poema.
A primeira casa destinada a alojamento turístico começou a funcionar em 2004, na sequência das obras feitas no monte. Depois, em 2007, a casa principal também foi adaptada. Entretanto juntou-se uma terceira casa, em madeira, ali perto, mas isolada, no meio do montado, com vista para a serra. Todos os alojamentos têm kitchenette e a ideia é proporcionar o máximo de autonomia a quem aqui pernoita. Reservando de véspera, o pequeno-almoço é entregue à porta e quando o calor aperta imagina-se que a piscina seja um bálsamo irresistível.
Por agora, são a nobreza dos sobreiros, o colorido das flores e a omnipresença de água que desenham a paisagem e a experiência. Beleza e silêncio, saudados lá do alto por um arco-íris duplo.

Herdade da Maroteira
Caixa Postal 267, Aldeia da Serra, 7170-120 Redondo
Tel: 911 760 486 / 266 909 823
Mail: info@maroteira.com
Web: www.maroteira.com
A herdade dispõe de três casas para alojamento, duas no núcleo do monte e outra, de madeira, no meio do montado. Os preços oscilam entre os 75 euros por noite (casa de madeira, época baixa, mais de três noites) e os 160 euros (casa principal, época alta, só uma noite). O pequeno-almoço (7,5 euros por pessoa), as refeições (20 euros por pessoa) e o cesto de boas-vindas (20 euros) são extras. A prova de vinhos custa seis euros por pessoa. Há passeios a pé e de jipe (organizados pela Corktrekking – jose.inverno@maroteira.com; 962 831 053) a preços entre os 25 e os 35 euros. Depois de um ícone arquitectónico e de um mergulho na paisagem, o roteiro completa-se já nas planuras junto a São Miguel de Machede, num produtor de grande dimensão. A Casa Agrícola Alexandre Relvas (CAAR) fez em 2017 mais de cinco milhões de garrafas, a partir dos 150 hectares de vinha própria e outros 250 de produtores a quem compra uva. É um crescimento verdadeiramente exponencial desde que foi criada: em 2003, foram 24.000 garrafas…
Mas esta presença maciça no mercado não tem correspondência com a sua estratégia no enoturismo. Na Herdade da Pimenta, uma das três da empresa (as outras são a Herdade de S. Miguel, ali ao lado, e a Herdade dos Pisões, na Vidigueira), tudo está preparado para receber com atendimento personalizado – e isso não se coaduna com a presença de grandes grupos. Aposta-se, essencialmente, num cliente mais conhecedor e interessado, na sua maioria estrangeiros. Em 2017, este perfil significou cerca de 1.400 visitantes, a que se juntam mais 900 participantes em eventos de cariz público (como concertos na vinha), que a CAAR faz questão de organizar com regularidade.
A prova, confirma-se, é o momento alto da visita. Andamos pela adega ao longo de passadiços de metal, vimos cubas de inox, talhas de barro, barricas de madeira, prateleiras onde se faz o arquivo das colheitas. Ficamos a saber que há bicicletas para passear na vinha e roteiros organizados para visitar as duas herdades e confirmar as diferenças entre elas – uma pista é logo dada pelas colunas transparentes à entrada com amostras do solo de cada uma das propriedades da empresa. Mas é a prova que a memória retém com mais intensidade.
O “cardápio” contempla uma série de opções, incluindo, em breve, uma prova cega que promete ser desafiante. Instalados numa das mesas do grande átrio de entrada (enquanto vemos os trabalhos para a instalação de uma esplanada no jardim central do edifício), entramos pelos vinhos orgânicos e de talha e seguimos pelos varietais de castas portuguesas. A conversa flui, o tempo passa sem se dar por ele. Aqui não há horários rígidos. Tinha mesmo de ser, porque o vinho é muito bom e seria pecado não lhe prestar a homenagem que merece.

CASA AGRÍCOLA ALEXANDRE RELVAS
Herdade da Pimenta, 7005-752 São Miguel de Machede
Tel: 917 295 358 / 266 988 034
Mail: enoturismo@herdadesaomiguel.com
Web: www.herdadesaomiguel.com
GPS: 38º38’26.5’’N / 7º44’25,9’’W
A adega está aberta aos dias de semana, entre as 10 e as 17h; visitas noutros horários, ao fim-de-semana ou feriados requerem marcação antecipada. A visita com prova de três vinhos + snack custa 10 euros; o preço sobre para 20, 30 ou 40 euros noutras modalidades de prova (cinco vinhos; castas portuguesas; vertical de cinco colheitas). Os programas customizados começam em 30 euros por pessoa.

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Isto de andar na estrada de enoturismo em enoturismo gasta muito “combustível”. Por isso, nada como atestar regularmente o depósito numa das muitas “estações de serviço” para humanos que a região tem para oferecer. Nesta região da serra d’Ossa, ficam duas sugestões, ambas com o selo da autenticidade e o bónus da simpatia de quem recebe. No Redondo, recomenda-se o Porfírios’s, ali a 50 metros da entrada do castelo. Mais para a serra, na Aldeia da Serra d’Ossa, fica o Serra d’Ossa, à beira da estrada. Dois bons exemplos de que o Alentejo genuíno ainda respira simplicidade. E é delicioso.
PORFÍRIOS’S
Rua de Montoito, 59 e 61, Fra. A, Redondo; 963 336 675/266 909 737; www.porfirioss.webnode.com
SERRA D’OSSA
Rua Principal, 77, Aldeia da Serra d’Ossa; 266 909 037; coordenadas: 38.70986 / -7.565567

Edição nº12, Abril 2018

SIGA-NOS NO INSTAGRAM
SIGA-NOS NO FACEBOOK
SIGA-NOS NO LINKEDIN
APP GRANDES ESCOLHAS
SUBSCREVA A NOSSA NEWSLETTER
Fique a par de todas as novidades sobre vinhos, eventos, promoções e muito mais.