Dez anos não é muito tempo. Mas foi o suficiente para os vinhos da Herdade do Rocim deixarem uma forte marca de qualidade e singularidade entre os seus congéneres alentejanos. Não chegou, porém, para contentar Catarina Vieira e Pedro Ribeiro. A cada ano que passa, novos vinhos e projectos vão surgindo.
TEXTO Luís Lopes FOTOS Cortesia do produtor
ANTES de ir mais longe, uma declaração de interesse, ainda que muito indirecto: Cuba é o conselho alentejano onde nasceram a minha mãe, os meus avós e bisavós maternos. Ali, numa pequena aldeia, mantenho uma minúscula casa, onde durmo com muito menos frequência do que desejaria e que me serve de base para explorar esse triângulo mágico formado por Vidigueira, Cuba e Alvito. É um Alentejo com uma paisagem que foge aos estereótipos, um Alentejo de espaços reduzidos, feito de colinas e hortas, oliveiras e pomares. E vinha, claro.
Vidigueira de alguma forma açambarcou (com inteira justiça, diga-se) a fama vinícola, deixando na sombra os dois vizinhos, Cuba e Alvito. Se as vinhas se distribuem pelos três concelhos, as adegas famosas (Paulo Laureano, Cortes de Cima, Herdade do Peso, Pousio, Herdade do Sobroso, Quetzal, Paço dos Infantes, Ribafreixo e a Cooperativa local, entre outras) concentram-se na Vidigueira. Foi por isso com um certo contentamento bairrista que em 2007 fui convidado para a inauguração da adega da Herdade do Rocim, na “minha” Cuba. A beleza arquitectónica do edifício, a qualidade e ambição do projecto vinícola, a visão e a cultura do empresário José Ribeiro Vieira (que construiu tudo aquilo para materializar a vontade de sua filha Catarina em retomar o ofício agrícola do avô leiriense), deixaram-me encantado. Cuba tinha finalmente uma adega, um conceito e um conjunto de vinhos de que se podia orgulhar.
Voltei ao Rocim apenas mais duas ou três vezes desde então. Uma delas, foi logo em 2008 ou 2009. Na verdade, fui lá apenas para tomar um café com a família no bonito bar (aberto ao público) da adega. Estávamos em plena vindima e calhou passar Catarina Vieira, com quem estive dois minutos à conversa. Deu para ver que estava super-cansada, após várias noites mal dormidas, e (literalmente) coberta de uvas e mosto. Após as despedidas, lembro-me perfeitamente de comentar para quem me acompanhava qualquer coisa como: “Está aqui esta miúda [desculpe lá, Catarina] a trabalhar no duro, quando podia estar na praia em qualquer destino paradisíaco. Com esta força e ambição, isto só pode dar certo?
Sabia que…
Rocim foi buscar o seu novo símbolo a uma planta rara, de que existem apenas algumas centenas de exemplares
Planta rara como símbolo
E a verdade é que deu mesmo, apesar de, entretanto, o mentor do Rocim, José Ribeiro Vieira, ter desaparecido prematuramente. Mas desde 2013 Catarina tem a ajuda do também enólogo (e marido) Pedro Ribeiro e com a paixão e labor de ambos os vinhos da empresa cresceram, espalharam-se pelo mundo e vão surgindo novidades quase todos os anos. Não apenas estritamente vínicas. Apreciadores e jornalistas já se acostumaram ao enorme sentido de rigor e inovação que a empresa coloca em tudo o que respeita à comunicação da marca, ao nível do design e dos materiais utilizados. Agora, no décimo aniversário da Herdade do Rocim, o símbolo passa a ser a Linaria Ricardoi, nome científico de uma planta hoje em dia raríssima (existem algumas centenas de exemplares em dois núcleos populacionais) mas outrora comum nos barros de Beja e Cuba. A Quercus instalou ali mesmo ao lado, em Alvito, uma micro-reserva desta planta de lindas flores azuis e o Rocim foi lá buscar a inspiração para a sua imagem, reafirmando ao mesmo tempo a sua cada vez maior aposta na sustentabilidade e biodiversidade.
Os 70 hectares de vinha, dos quais 22 em produção orgânica/bio, têm sido fonte de matéria-prima para vinhos inspirados, produzidos com castas regionais, nacionais ou internacionais. Das uvas mais tradicionais do Alentejo são feitos os vinhos de talha, na pequena adega original da herdade, e sob orientação do feitor, o “senhor Pedro”. Ali, a intervenção enológica é quase inexistente, sem leveduras adicionadas ou correção ácida de mostos. Tudo como manda a tradição. Os Rocim Amphora, branco e tinto, conciliam carácter, qualidade e longevidade, características que nem sempre andam juntas neste tipo de vinho.
Sabia que…
Desde 2007, a casta que em cada colheita mais impressiona os enólogos do Rocim é a Alicante Bouschet
No topo da hierarquia dos vinhos da casa mantém-se o Grande Rocim, habitualmente feito de Alicante Bouschet, seguido do Olho de Mocho Reserva, branco e tinto. Nos últimos anos, tem surgido ao lado destes uma linha de monovarietais Herdade do Rocim (Alvarinho, Touriga Nacional, Alicante Bouschet…), marca que é apresentada igualmente em vinhos de lote, branco, tinto e tinto reserva. Até ao final de 2017 irá aparecer mais uma novidade, o Herdade do Rocim Terracota, da colheita de 2015. Pensado para homenagear José Ribeiro Vieira, foi pisado e fermentado em lagar e estagiado em pequenas ânforas de barro de 140 litros. Pude prová-lo em antestreia na comemoração do décimo aniversário da Herdade do Rocim e o vinho mostrou-se pleno de fruto bonito e elegante, muito complexo nos seus sabores de terra molhada, vegetal seco, especiarias, um tinto cheio de personalidade. Acho que o pai de Catarina iria gostar.
Rocim vertical
Para comemorar os 10 anos de actividade, a Herdade do Rocim proporcionou uma prova vertical de Olho de Mocho branco, Vale da Mata Reserva tinto (da pequena vinha que possuem em Cortes, Leiria) e Grande Rocim. Foi muito interessante apreciar longevidade do branco Olho de Mocho, feito sobretudo a partir das vinhas velhas (40 anos) de Antão Vaz, já existentes quando da aquisição da propriedade. Provei todas as colheitas desde 2007 e a mineralidade revelou-se um traço comum, notas de sílex e fósforo a darem carácter e complexidade à fruta. Gostei particularmente dos 2008, 2009, 2011, 2013 e 2014, com a barrica a mostrar-se cada vez mais discreta e bem integrada nos vinhos mais recentes. As sete colheitas do Vale da Mata provadas realçam a expressão de terroir do vinho (vinha replantada em 2005, sobretudo Touriga Nacional e Tinta Roriz), a sua elegância e frescura. Pontos mais altos no polimento do 2011 e na vibração atlântica do 2013. Finalmente, o Grande Rocim. Produzido apenas nos melhores anos (2007, 2009, 2011 e 2013) e da melhor casta (tem sido sempre Alicante Bouschet…), pisado a pés com algum engaço, é difícil não gostar muito de todos eles. Destaco a raça do 2007, a fruta do 2008, a concentração do 2011 e, sobretudo, o perfeito compromisso entre poder e elegância do 2013.