Uma voltinha pelo Dão

O calor começa a apertar e a frescura do Dão torna-se ainda mais apelativa. Num breve périplo por Nelas, Tondela e Mangualde, visitámos três destinos de enoturismo e perdemos o olhar por paisagens tingidas de verde. Boa cama, boa mesa, belos vinhos. E a sensação de que as coisas estão a mexer na região.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

PARA quem não está familiarizado com a região ou não liga muito a essas coisas, o enorme mapa em relevo colocado na parede da recepção das no­vas instalações da Lusovini, em Nelas, é uma aju­da preciosa. Representa a região do Dão e nele são bem evidentes os vales cavados dos três rios (Dão, Mondego e Alva) que correm por estas terras, todos alinhados num eixo Nordeste/Sudoeste. Mas também salta à vista a ver­dadeira cerca de montanhas que rodeia estas paragens de planalto: Nave, Pereiro, Estrela, Açor, Lousã, Buçaco e Caramulo, listadas no sentido dos ponteiros do relógio começando pelo Norte. Protegidos por esta fortaleza de pedra e água, há muitos segredos por descobrir.

O isolamento do interior é, como tudo, uma moeda de duas faces. Se, por um lado, garante autenticidade e ca­rácter, por outro, traz consigo alheamento e imobilismo. Os vinhos do Dão e os seus agentes enfrentam a tarefa, sempre dura, de combater a segunda metade da equação sem hipotecarem a primeira, que é uma mais-valia pre­ciosa nestes tempos de perigosa normalização. Durante muito tempo identificada como a região por excelência para fazer vinhos tranquilos de grande qualidade, o Dão deixou-se atrasar quando o vinho português começou a acelerar na sua era moderna. Mas reagiu, reorganizou fi­leiras e está a dar passos seguros no sentido de recuperar e reforçar o seu prestígio.

Quando um vinho do Dão (o Villa Oliveira Touriga Nacio­nal 2011, da Casa da Passarella) conquista o título de me­lhor vinho português no concurso anual da ViniPortugal, a região enche o peito de orgulho. Tanto mais que a região conquistou ainda outro prémio, o de melhor blend bran­co (Quinta dos Carvalhais Reserva 2012), tornando-se a única a subir por duas vezes a um pódio que só tem seis vagas… A qualidade continua lá e as consistentes apostas de mercado de alguns dos seus maiores operadores re­forçam essa certeza. O Dão está a ganhar balanço.

A vertente turística tem a sua quota-parte nesta evolução. Ainda há muito para fazer, sim, e os sinais de melhoria continuam a conviver com realidades mais arcaicas; mas os sinais são positivos e, na sequência do lançamento da Rota dos Vinhos do Dão, em 2015, a região assumiu a aposta no enoturismo como um factor de valorização. A rota, com várias dezenas de produtores, está dividida em cinco roteiros, mas as distâncias são curtas (estamos no interior de uma fortaleza, lembram-se?) e os acessos bastante razoáveis, pelo que não é difícil compor a nossa própria “expedição”. Foi o que fizemos, alinhavando um périplo por terras de Nelas, Tondela e Mangualde.

Lusovini, Nelas
Para quem entra em Nelas vindo de Viseu (e já depois de passar por Santar, um dos nomes mais icónicos da vitivini­cultura portuguesa), há uma novidade do lado direito da estrada. Onde antes encontrávamos a silhueta caduca do complexo da antiga adega cooperativa, vemos agora um edifício de linhas clássicas mas recuperado com porme­nores modernos. E vemos também os cartazes que nos convidam a entrar para nos sentarmos à mesa. O convite é irresistível e a Tasca da Adega merece bem a visita.

Mas antes de brandirmos o garfo e enchermos o copo, vamos conhecer melhor o trabalho que foi feito pela Lu­sovini na recuperação destas vetustas instalações, ago­ra transformadas num moderno centro de recepção de visitantes. Inaugurado em Setembro de 2016, o espaço abre-se em tons leves, chão em padrão de cortiça, móveis de pinho claro, uma barrica transformada em gigantesco balde de gelo – e onde, realçadas pela luz azul de fun­do, repousam as garrafas de espumante para a bebida de cortesia que é servida a todos os visitantes. Com mais de 30 graus lá fora, isto soa a paraíso.

Do lado direito da recepção, num edifício moderno, es­tão a loja (que se prolonga numa pequena esplanada ex­terior) e o restaurante; do lado esquerdo, a antiga adega. É por lá que começa a visita, depois de passarmos sob um pórtico que nos saúda em 11 línguas diferentes – e se algum dos quase 3.000 visitantes mensais não perceber o que está escrito, há sempre a linguagem universal de um sorriso. O primeiro espaço da visita (que é gratuita se não incluir prova de vinhos) exibe painéis de azulejo alusivos à faina do vinho e da vinha e daí uma porta conduz-nos à adega, com pipas de madeira, depósitos de cimento, salas com garrafas de espumante e uma divisão onde se podem organizar provas à sombra de velhos alambiques.

No andar superior podemos caminhar por cima das enor­mes cubas de cimento e debaixo de outras, novamente barricas em fundo e sempre, sempre, um ambiente de limpeza impecável, ainda mais notável quando falamos de um edifício antigo, que teve de ser milimetricamente recuperado e higienizado. É um local de trabalho – e para os visitantes tem esse apelo extra: o de mergulhar verda­deiramente numa adega e na sua vida quotidiana.

Regressamos ao restaurante e sentamo-nos para uma re­feição cuidada e informal. Servem-se apenas os vinhos da casa (ao preço da loja, com alteração do IVA), mas se alguém trouxer uma garrafa de fora também não há problema. Executivos de fato e gravata ou turistas de cal­ções e chinelos, todos se sentem à vontade neste espaço, explorado em parceria com a equipa do grupo Dux. O nome “Tasca da Adega” foi escolhido exactamente para dar o tom desta abertura de conceito: refeições ou petis­co, aqui toda a gente tem lugar.

Morada: Avenida da Liberdade, nº15, Areal, 3520-061 Nelas
Tel: 232 942 153 / 936 830 020
(Taberna da Adega: 919 001 166)
Mail: lusovini@lusovini.com; enoturismo@lusovini.com; tabernadaadega@lusovini.com
www.lusovini.com
GPS: 40°32’10.7 N; 7°51’17.7 W
A visita simples à adega (com bebida de cortesia – espumante) é gratuita; com prova de dois vinhos fica em três euros por pessoa, subindo para 5€ com mais um Vinho do Porto e para 7,50€ com petisco. Estas verbas são reembolsáveis em compras na loja (a partir de 30, 50 e 75 euros, respectivamente). Solicita-se marcação antecipada para grupos com mais de 15 pessoas. A taberna da Adega senta 45 pessoas e serve almoços e jantares todos os dias (jantares ao domingo apenas para grupos sob reserva). Durante a semana existe um menu executivo por 9,90 euros e o menu à carta tem um preço médio de 25 euros por pessoa. Servem-se petiscos.

Quintas de Sirlyn, Tondela
Mas se na Lusovini o ambiente se pretende despreocu­pado e informal, não há nada como a atmosfera de uma quinta familiar para nos sentirmos parte do local onde nos encontramos. Alguns quilómetros de estradas mais ou menos sinuosas por entre casas, bosques, vinhas e hortas e aproximamo-nos de Tondela. Rumamos às Quintas de Sirlyn, um nome que evoca contos de fadas por entre as brumas irlandesas, mas que, pragmaticamente, represen­ta apenas a contracção dos nomes das duas propriedades unidas nesta unidade: a Quinta das Cerejeiras e a Quinta de Linhar.

São seis hectares, 4,5 dos quais plantados com vinha, e uma casa (mais um anexo) no ponto mais elevado da sua­ve encosta que se estende a partir do IP3. Ainda não fize­mos as apresentações e já somos saudados pelo Faneco, o gato da casa que mais parece um cão, pela imediata relação de proximidade que estabelece com os forastei­ros. Augusto Teixeira e a mulher, Rosário, perceberam há algum tempo que a saída dos filhos para estudarem fora (agora estão ambos em Londres) lhes oferecia espaço dis­ponível na casa e decidiram abrir portas a quem quiser pernoitar na propriedade.

O movimento ainda não é muito, até porque Tondela não é bem o epicentro do enoturismo na região, e o que falta­rá em aprimoramento das instalações é largamente com­pensado pelo carácter genuíno da experiência. Jantamos ao fresco, no pátio da casa com vista para as vinhas, uma brisa contínua a sacudir os calores do dia. Rosário vive aqui com os filhos desde 2002, o marido só em 2009 en­cerrou uma carreira que o obrigava a viajar com regulari­dade (aliás, a família chegou a residir dois anos em meio em Sydney, na Austrália) e assentou armas e bagagens na propriedade que herdou dos pais.

Augusto, que era engenheiro na Alcatel, não se limita a tratar da vinha e dos vinhos e a gerir uma garrafeira em Tondela. Plantou árvores, organizou a quinta, promove (com a mulher) activamente os seus vinhos. E mantém vivo o “bichinho” da robótica… Garante que dentro de um ano poderá estar em condições de apresentar uma máquina de controlo remoto capaz de fazer muito do tra­balho “chato” nas vinhas, como cortar as ervas por entre as videiras.

Enquanto falamos à volta de um copo de vinho, a passa­rada recolhe-se nos arbustos que sombreiam a pequena piscina e a noite impõe a sua lei fresca e silenciosa. O olhar perde-se nas silhuetas das casas, bosques e vinhas – esta noite, os vestígios de fumo não permitem vislum­brar a horizonte de serranias que enquadra estes retalhos de Dão. Após uma noite tranquila no quarto simples mas bem arranjado, acordamos para a manhã nublada e faze­mo-nos novamente à estrada.

Morada: Avenida da Belavista, Santa Ovaia de Cima, 3460-020 Tondela
Tel: 965 130 695 / 232 848 176
Mail: geral@sirlyn.com
Web: www.sirlyn.com
GPS: 40,5501944; -8,056
A visita às vinhas com prova de um vinho custa 2,5€ por pessoa, subindo para 5€ com dois vinhos. Requer-se marcação prévia, para assegurar disponibilidade da família para receber. Pode-se pernoitar num quarto duplo (60 euros) ou numa suíte com dois quartos (80€), preços que, em qualquer dos casos englobam pequeno-almoço e prova de um vinho.

Centro Interpretativo da Vinha e do Vinho, Mangualde
Este lote de experiências de Dão vai completar-se com uma visita ao Centro Interpretativo da Vinha e do Vinho, encaixado nas instalações da Adega Cooperativa de Mangualde, um projecto que custou 100 mil euros (finan­ciado pelo Proder, o Programa de Desenvolvimento Rural) e foi inaugurado em 2015. Para quem não está muito por dentro deste mundo fascinante, o conselho é mesmo que se passe por aqui antes de entrar no circuito das quintas.

Uma parte das caves da adega, cuja gigantesca capaci­dade de armazenamento (7 milhões de litros) se distri­bui pelo edifício principal e por depósitos exteriores (uns antigos, de cimento, outros modernos, em inox), foi re­convertida para proporcionar um circuito didáctico que, numa linguagem extremamente acessível e directa, nos conduz pelo “bê-á-bá” da vitivinicultura.

Os visitantes, que entram por um salão onde se organizam encontros e conferências, são conduzidos pelos corredo­res da cave, por entre depósitos de cimento e vetustas paredes com mais de meio século, por onde circulam, quando é caso disso, os trabalhadores que se ocupam das tarefas normais de uma adega. Nas paredes, vários quadros temáticos abordam temas como o “Ciclo Vegeta­tivo da Vinha”, “Viticultura ou Cultivo da Vinha”, “Castas da Região”, “Doenças da Vinha”, “Vinificação de Vinhos Tintos”, “Vinificação de Brancos e Rosés” e por aí fora.

Escritos e ilustrados num estilo extremamente eficaz e linear (“Trabalhamos muito com o parque escolar da re­gião”, explica o presidente da Adega Cooperativa, An­tónio Mendes), os quadros são a introdução perfeita ao mundo dos vinhos para não iniciados. E o último, inti­tulado “A Prova”, pode mesmo servir de guia a quem acha que já sabe tudo, porque nos guia pela “Roda dos Aromas”, “Terminologia da Prova” e “Palete de Tonali­dades”…

De quadro em quadro, passamos por um corredor históri­co com fotos dos anos 40, decorado com uma linha de vi­deiras; apreciamos a antiga destilaria, com os alambiques e a caldeira; respiramos o peso dos grandes depósitos de cimento (25.000 litros), neste andar e no superior; viaja­mos no tempo levados pelas alfaias de outrora. À saída, encontramos a loja, espaçosa e de ambiente rústico, cuja localização – bem à beira da estrada N234, que liga Man­gualde a Nelas – garante um fluxo constante de clientes habituais, visitantes organizados e passantes ocasionais.

Apesar de ter perdido algum movimento desde que as entradas passaram a ser pagas, o Centro Interpretativo da Vinha e do Vinho recebe, ainda assim, mais de um milhar de visitas anuais. E merece ter muitas mais.

Adega Cooperativa de Mangualde
Morada: Zona Industrial do Salgueiro, 3530-259 Mangualde
Tel: 232 623 845 / 964 768 754
Mail: enoturismo@acmang.com
Web: www.acmang.com/enoturismo
GPS: 40°36’10.0”N; 7°47’17.0”W
Existem cinco programas definidos de visita, com preços que vão dos dois aos nove euros por visitante (mínimo: 9 pessoas), sempre com oferta de uma garrafa de vinho ou brinde; e também a possibilidade de desenhar um programa à medida, mediante consulta prévia. É possível fazer as reservas on-line. Só o programa mais simples não carece de marcação antecipada – há visitas às 10h15, 11h30, 15h e 16h30 de segunda a sexta-feira. A loja está aberta aos dias de semana das 8h30 às 12h30 e das 14h30 às 17h, aos sábados das 9h às 13h.

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