Vesúvio: 200 anos de erupção

A Quinta do Vesúvio tem uma situação geográfica única no Douro. Fica na margem Sul, perto de Numão, em frente a Carrazeda de Ansiães, na zona onde desagua a Ribeira da Teja. Tem uma enorme frente de rio, e foi uma quinta decisiva no avanço da Região Demarcada do Douro para o Douro Superior, área que anteriormente não era zona de vinho.

Rupert Symington, CEO da Symington Family Estates, explicou a história da quinta. Logo a abrir disse “2023 porquê? Porque nós queremos.” Realmente, a quinta já tinha registos desde 1565, e era conhecida pela produção de citrinos, amêndoas e figos. No Douro Superior praticamente não havia produção de vinho. Enormes maciços de granito dificultavam a construção dos terraços. Só no século XVIII começou a produção de vinho, graças à utilização de dinamite. Também a navegabilidade do rio foi construída a pulso, e os acessos ao Douro Superior transformaram-se decisivamente. Todos nos lembramos das imagens de barcos rabelos puxados em zonas rasas por carros de bois a partir da margem.
António Bernardo Ferreira, tio e sogro de D. Antónia “a Ferreirinha” comprou a quinta em 1823 e já com a visão e decisão de plantar vinha. Isto foi mesmo depois das invasões francesas e num período de grande instabilidade política. A revolução liberal ocorreu em 1820 e culminou em 1822 com a ratificação e implementação da primeira Constituição Portuguesa. Foi também em 1822 que foram retiradas algumas das limitações da Região Demarcada do Douro. António Bernardo Ferreira plantou em 1823 nada menos que 150ha de vinha, o que implicou a construção de milhares de muros. Em 1827 foi construída a casa, e em 1830 mudou o nome para Quinta do Vesúvio. A obra demorou 13 anos, e chegou a ter diariamente 500 trabalhadores envolvidos. Ainda não se chamavam “colaboradores.” Esta adega de 1827 permanece operacional e na essência igual à que foi construída. Mais tarde, D. Antónia construiu a escola expandiu a capela e a casa. O marido e primo de D. Antónia, António Bernardo Ferreira Filho, morreu em 1844 e ela assumiu a liderança. Durante a filoxera, para não ter de despedir os trabalhadores, ordenou a construção de um muro a toda a volta da propriedade, e plantou amendoais, laranjais e olivais. O Vesúvio foi das primeiras quintas a engarrafar Vinho do Porto com marca própria, em 1863. A estação de comboios foi inaugurada em 1887, facilitando a viagem, que era difícil e demorada.

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Rupert Symigton, CEO da Symington Family Estates, explicou a história da Quinta. Logo a abrir, disse: “2023 porquê? Porque nós queremos”.

Mais ou menos na mesma altura, 1890, a família Symington comprou uma quinta mesmo em frente ao Vesúvio, a Quinta da Senhora da Ribeira. A razão envolve o Vesúvio: havia a estação dos comboios a facilitar imenso a viagem desde o Porto, depois bastava atravessar o rio. Rupert Symington riu-se: “estivemos 100 anos a olhar o Vesúvio desde o outro lado do rio.” Os Symington têm a sua história bem documentada no seu website, que convido a visitar. Conta como Andrew James Symington chegou a Portugal em 1882, o que faz com que a actual administração seja a quarta geração à frente do grupo, com a quinta já a apontar-se para a sucessão. Mas através da herança da esposa de AJ, Beatrice Atkinson, são já 14 gerações que atravessam toda a história do Vinho do Porto, desde 1652. Os Symingtons acarinham este passado e também a sua ligação ao Douro e à terra. Os vários membros da família foram comprando quintas e casas no Douro. Quando, na sequência da II Guerra Mundial tiveram de vender a Quinta da Senhora da Ribeira, foi uma dor de alma, ferida que só foi curada em 1998, quando a recompraram para a Dow’s, uma das marcas do grupo. Entretanto, já tinham adquirido a Quinta do Vesúvio, em 1989. A venda do Vintage 1985 correu muito bem nos USA e no UK, e pela primeira vez em 30 anos havia alguma folga financeira.

Após séculos de lotes de diferentes sítios, o vinho do Porto explora agora o conceito de terroir. O do Vesúvio é único.

Os Symingtons tinham relativamente poucos terrenos próprios. Quando soube que o Vesúvio estava à venda, Ian disse à família “não podemos perder esta oportunidade, é a quinta com mais história do Douro.” Era a ocasião para garantir fornecimento de uvas de grande qualidade. O Vesúvio foi das primeiras quintas a ter plantação por castas e tinha uma adega de boa qualidade. Mas na época tinha 56 accionistas, foi preciso ganhar um leilão por carta fechada, na segunda ronda, e a assinatura dos documentos demorou mais de um longo dia. A adega ficou como estava, na vinha foram replantadas grandes parcelas. A vinha assegurou logo vinhos de nível superior para as marcas do grupo, Graham’s, Dow’s, etc. Logo em 1989 engarrafaram um Vintage de quinta, sendo assim um dos primeiros Single Quintas, em particular, um dos primeiros a serem lançados todos os anos, em vez de apenas nos anos “não-clássicos.”

UM ASSOMBRO DURIENSE

O Vesúvio produzia anualmente já na altura 20 a 30 mil caixas (de 12 garrafas, 9 litros) de vinho, mas só engarrafava 2 a 3 mil. Era assim possível todos os anos engarrafar um vinho da melhor qualidade, permitindo focar a produção no conceito de terroir, fortíssimo em outras grandes regiões vinícolas do mundo, mas não a primeira prioridade na DOP Porto, que preferia enfatizar a virtude dos lotes (várias localizações, por vezes vários anos). O terroir foi assim espreitando devagar nas motivações dos enólogos do vinho do Porto, e as duas frentes vão ainda hoje avançando lado a lado. Até 2007 foi sempre assim. Charles Symington, o actual enólogo, fez ali o seu primeiro vintage em 1995. Mais tarde introduziu a refrigeração nos lagares, depois o desengaçador, mas a pisa a pé foi mantida até hoje. Em 1989 havia 60 hectares de vinha, hoje são 128ha. A quinta tem no total 326ha. No fim dos anos 1990, o novo Douro apareceu em força, com as mesmas vinhas a produzir Porto e DOC Douro. As novas plantações procuraram lugares mais frescos, com maior altitude, para possibilitar a produção de DOC Douro. Depois de anos de experiência, em 2007 foram lançados o primeiro tinto Quinta do Vesúvio e o seu irmão Pombal do Vesúvio, há dois anos foi lançado o primeiro Comboio do Vesúvio, um tinto sem madeira, para beber mais jovem. O Vintage continuou sempre a ser produzido a não ser em anos mesmo trágicos em qualidade (1993 e 2002). Os primeiros vintages, dos anos 1990, mostram ainda hoje muita envolvência e encanto, tal como os primeiros tintos se mostram jovens e voluptuosos, filhos do seu sítio, maduros e poderosos, mas cheios de juventude e frescura. São vinhos para envelhecer e apreciar com calma.

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O enólogo Charles Symington fez, na Quinta do Vesúvio, o seu primeiro Vintage, em 1995.

O lançamento do Quinta do Vesúvio Douro tinto de 2021 foi pontuado por esta efeméride, 200 anos de produção de vinho na quinta. Aqui faz-se uma viticultura heróica, há muito pouca água, apesar do rio logo ali ao lado. O ano de 2021 ajudou do ponto de vista climático, os vinhos têm frescura, com aroma levantado, e o estágio na madeira foi feito de forma equilibrada, subtil, de forma a mostrar a propriedade, as castas, o Douro. As barricas foram de 400 litros, 80% madeira nova, incorporação cuidadosa. São vinhos ainda na sua infância, precisam de tempo e paciência.

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Emblemática propriedade que pertenceu a D. Antónia “Ferreirinha”, a Quinta do Vesúvio foi comprada pela família Symington em 1989 a 56 diferentes accionistas.

 

200 anos não é brincadeira, e durante dois dias viajei acima-abaixo no rio Douro, apreciando o Vesúvio a partir da água, como em outras ocasiões apreciei a exploração dos seus caminhos em terra. Visitar o Douro é sempre suster a respiração em assombro, e não me canso de apreciar cada detalhe: é um muro, é um mortório, um recanto inóspito do rio que a força humana ao longo de muitos anos conquistou e domou, é um tomate provado acabado de apanhar, em sua época perfeita, como mais tarde será uma laranja que hoje aparece ainda como uma bola de golfe pequena e compacta de verde. E são as pessoas, o brilho nos olhos quando falam da sua herança com um misto de orgulho, responsabilidade e determinação. Não é só terra, é a vinha, são os vinhos, são as quintas, são as marcas, são as pessoas, que passam gerações, preenchem posições, permanecem. Os visitantes, como eu, ganham também carinho por estes sítios, procuram a sombra, provam um canapé do sempre excelente Pedro Lemos, dão uma bicada nos novos vinhos, aparecem agora muitos brancos, pequenas experiências que prevejo desaguem em breve em novas marcas fortes. Tenho a sorte de ter acompanhado este projecto do Vesúvio desde o seu princípio, logo em 1989, e tenho um sereno orgulho alheio no que os bravos Symington conseguiram. Agora, venham mais 200…

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

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