20 tendências gastronómicas para 2020

O ano vai voltar a ter muitos vegetais no prato e podemos até ver entrar nos cardápios um inhame roxo raro, oriundo das Filipinas. Mas muitas outras coisas boas deverão acontecer, mesmo com o previsível arrefecimento do turismo. 

TEXTO Ricardo Dias Felner

  1. Vegetais e mais vegetais

Restaurantes vegetarianos que parecem alta cozinha, cheios de sabor. Cozinha vegetariana que não sabe a alface sobre rúcula. A tendência já começou no ano passado, com bons exemplos a Sul e a Norte. Quer em restaurantes ‘plant-based’ como o Fava Tonka (Porto) ou o Senhor Uva e o Arkhe (Lisboa), quer em restaurantes omnívoros como o Prado (Lisboa) ou o Apego (Porto), os vegetais são hoje muitas vezes o centro do prato e arrebatam até os clientes mais proteico-dependentes. A onda verde vai continuar a crescer.

  1. Carnes certificadas

Portugal tem um longo caminho a fazer no comércio de carnes de qualidade e certificadas. Noutros países europeus é frequente os talhos terem os certificados de origem, com raça, data de abate, região, etc. Por cá, com raras excepções, é “Novilho”, “Entrecosto”, “Borrego” — e pouco mais. Ora, alguma restauração já começou a mudar isto, vendendo carnes (sobretudo maturadas) com indicação da raça e da data de abate e espera-se que isso passe para a grande distribuição. Vamos comer menos carne em 2020, sobretudo de vaca, mas de melhor qualidade e de raças nacionais, como sejam a maronesa, mirandesa, arouquesa ou barrosã.

  1. Pão artesanal para todos

A padaria artesanal explodiu em 2019 e irá confirmar a tendência de crescimento em 2020. Cadeias como a Padaria Portuguesa viram crescer as vendas dos seus pães com farinhas antigas, como espelta; outro exemplo é a expansão do Copenhagen Coffee Lab, também com produção própria e a expectativa de abrir mais lojas em Lisboa e no Porto. As grandes superfícies também têm procurado acompanhar a tendência, nalguns casos fazendo as suas próprias massas e já integrando técnicas de fermentação lenta. A expectativa é a de vermos mais panificação com farinhas de cereais antigos (barbela, espelta) ou exóticas (como a teff etíope).

  1. Tudo se fuma

Os fumados existem desde que existe fogo, mas nunca como agora sentimos tanto sabor a fumo em tudo, desde chás a manteigas, passando por vegetais ou cocktails. Em alguns restaurantes, a excitação é tal que tudo sabe a fumo, criando-se um enjoo tóxico. A verdade, no entanto, é que o fumo traz complexidade e conforto à comida, sobretudo em pratos de vegetais.

  1. Dar fogo à peça

O fumo está ligado a uma outra moda. No caso, uma moda com dois milhões de anos. Terá sido por essa altura, mais milénio menos milénio, que alguém atirou um pedaço de comida para cima de uma fogueira e fez magia culinária. O combustível de eleição é a madeira e os equipamentos variam: fornos, grelhas, potes de ferro e outras estruturas mais complexas. Vale tudo, desde que o aroma do fumo e a combustão lenta e homogénea façam o seu trabalho. Para assistir ao vivo ao espectáculo, sugerem-se o Elemento, no Porto, e o recém-inaugurado Fogo, em Lisboa.

  1. Pizza de couve-flor

Ainda está para aparecer em força, mas alguns indicadores dizem-nos que este ano a moda chega a Portugal. Algumas aplicações móveis ligadas à entrega de comida em casa, como a Uber Eats e a Yelp, indicaram a pizza de couve-flor como uma das grandes tendências nos EUA em 2019. Reparem que não estamos a falar de uma pizza com couve-flor. Estamos a falar de uma base de couve-flor (e ovo e queijo e…), com outros ingredientes por cima. Sem glutén e sem hidratos.

  1. Cozinha coreana

De entre as cozinhas asiáticas, a coreana ainda é relativamente desconhecida por cá, mas das mais célebres em cidades como Nova-Iorque ou Londres. Muitas das bases são chinesas, frequentemente com pastas de chiles vermelhos adicionados, e nota-se uma propensão para o barbecue. Ora é precisamente através do barbecue que ela se está a introduzir em Lisboa. O exemplo mais recomendável é o Han Table Barbecue, mas também o restaurante do Mercado Oriental, no Martim Moniz (a especialidade é o bimbibap), ambos em Lisboa.

  1. Chefs-agricultores

    Foto de Anabela Trindade

A cozinha de produto local e sazonal vai continuar a florescer, mas pode-se esperar a subida a um outro patamar: restaurantes em que os próprios cozinheiros/chefs produzem parte dos seus produtos. O cultivo de ervas aromáticas, mesmo dentro das instalações de restaurantes, sobretudo de fine dining, já existe há algum tempo, mas a existência de horta própria, em que o chef é uma espécie de curador ou mete mesmo as mãos na terra, ainda está por concretizar de forma consistente. 2020 pode ser o ano do chef-agricultor.

  1. Japão, Japão e Japão

O Japão está na moda e vai estar mais ainda, com os Jogos Olímpicos de Tóquio a começar em Julho. Toda a gente parece querer viajar até ao Japão, conhecer tudo sobre o Japão. Da arquitectura à jardinagem, do feng shui ao cinema, há um modo delicado e uma ética no fazer que cativa o mundo — e a comida não escapa a essa admiração. As sopas ramen deverão crescer e irão aparecer muitos outros petiscos que têm estado mais ou menos bloqueados pela febre do sushi.

  1. Sandes katsu sando

Um desses petiscos japoneses por descobrir são as sandes katsu sando. Podíamos aliás alargar a tendência para todo o tipo de sandes gastronómicas, em que se usa pão especial, recheio feito de ingredientes seleccionados, fermentados, picles caseiros — ou seja, sandes com técnica de alta cozinha. O Porto tem uma longa tradição a fazer bem sandes, mas em Lisboa há escassez de bons exemplares. Uma das pedradas no charco são estas katsu sando, que vão aparecendo em casas asiáticas modernas, restaurantes de autor (Plano Restaurante), ou em lojas de street food (Mercado Oriental).

  1. Ube halaya, a nova beterraba

A ube halaya é muito popular nas Filipinas, e foi a partir daí que chegou aos EUA, onde se tornou um dos alvos favoritos dos instagrammers, sobretudo quando na forma de gelado. A razão tem a ver com a cor. É que a ube halaya é um inhame roxo, que depois de processado em pasta ou pó transforma tudo o que toca em foto bonitinha. A avaliar pela inventividade das gelatarias em Portugal, é bem possível que a ube entre nos cardápios muito em breve.

  1. Cozinha regional de chef

    Taberna Albricoque

Os chefs andam cada vez mais a olhar para o receituário tradicional. Mas agora não tanto para transformá-lo, mas procurando ser fiéis aos sabores regionais, dando muito menos ênfase a criatividades espúrias. Um exemplo é Bertílio Gomes, chef que já andou no fine dining e que abriu agora a Taberna Albricoque, onde se notam influências algarvias; outro é Leopoldo Garcia Calhau, que na sua Taberna do Calhau pratica sobretudo sabores alentejanos. Mas faltam ainda bons restaurantes que cubram toda a nossa diversidade regional, dos Açores a Trás-os-Montes, do Minho às Beiras.

  1. Fine dining social

     

    The Art Gate

Apesar da crise do fine dining clássico, continuará a haver espaço para restaurantes excepcionais, onde podemos ter refeições únicas. Dito isto, o ambiente dos restaurantes de alta cozinha deverá deixar de ser tão protocolar e passar a ser mais social. Exemplos disso são o Ceia, que faz uso de uma mesa comunitária, ou o novo pop up do projecto We Are Ona (ver texto nestas páginas). Não surpreenderia, igualmente, que no futuro aparecessem restaurantes de fine dining só com um balcão.

  1. Cozinhas abertas

A apetência por espaços que propiciem o convívio e os intercâmbios está relacionada com outra tendência: as cozinhas abertas. Os restaurantes são cada vez mais montras de showcooking, como se os clientes quisessem estar dentro de um programa de culinária e poder fazer perguntas directamente aos seus anfitriões. Não interessa já só o que está no prato, mas como a comida chega ao prato, quem a faz, como a faz, como a serve. O restaurante não é mais só a sala, é tudo, da recepção às casas de banho, e é sobretudo a cozinha.

  1. Empratamentos simples

Os empratamentos muito desenhados, trabalhados como joalharia ou jardinagem, com florzinhas decorativas, bolinhas de gel e risquinhos, estão a cair em desuso. A ideia é cada vez mais o foco estar nos ingredientes e no sabor. Muitas vezes, para se fazer um empratamento complexo é preciso ter uma mise en place gigante, o que acaba muitas vezes por fazer com que a comida saiba a prato requentado. Poucos elementos, pouca confusão, máximo sabor. É esse o caminho.

  1. Restaurantes ambientalistas

As preocupações ambientais são uma tendência em todas as áreas e a cozinha não será excepção. Procurar produtos sustentáveis ou biológicos, diminuir a pegada ecológica, acabar com o desperdício, reciclar. Ainda não há em Portugal nenhum restaurante que se comprometa com todas estas questões ao mesmo tempo (como há o Silos, em Londres, por exemplo), mas cada vez há mais gente a esforçar-se por isso.

  1. A vez da cozinha africana

Alguns gastrónomos gostam de arredar a culinária africana das grandes cozinhas do mundo. Muitos são os mesmos eurocêntricos que também desdenhavam do que se fazia na China e um pouco por toda a Ásia. Podem estar enganados. O continente africano é grande demais para caber numa tendência, mas a verdade é que esse enorme território desconhecido tem despertado cada vez mais interesse no Ocidente, não apenas por ser origem de alguns super-alimentos como por ter uma culinária própria. Basta ver que o vencedor de O Melhor Restaurante do Mundo em 2019, eleito pelo World Restaurant Awards, fica na África do Sul.

  1. Sopas de massa

Há mais de 15 anos, quando o saudoso restaurante Assuka começou a fazer ramen para uns poucos de clientes estrangeirados, pouca gente vaticinava que a famosa sopa japonesa se tornasse num caso de sucesso. Ainda hoje, não há uma casa de ramen com a categoria que tinha o Assuka, entretanto desaparecido por causa de problemas financeiros, mas há várias boas e, aparentemente, muito procuradas, no Porto e sobretudo em Lisboa. E não são só os noodles japoneses que vencem, mas sim todas as sopas asiáticas que têm na sua essência noodles e caldos filtrados de carne e ossos, de que é também exemplo o pho vietnamita.

  1. Hambúrgueres sem carne

Os mais ortodoxos dirão que um hambúrguer tem de ser feito com carne de vaca e conter nunca menos de 30 por cento de gordura animal. Mas a maior parte do mundo parece não estar de acordo. É impressionante o sucesso dos hambúrgueres vegetarianos, ao ponto de as grandes cadeias multinacionais, como a Burger King, estarem a apostar cada vez mais neste mercado. Vamos ter rodelas de muita coisa sem ser carne, dentro de pão, em 2020.

   20. Restaurantes na periferia

Restaurante Tutto Combinato, Ramada – Odivelas. Foto de Mariana Lopes

Com as grandes cidades, sobretudo de Lisboa e do Porto, a verem as rendas subir exponencialmente nos últimos tempos, irão aparecer restaurantes ambiciosos e interessantes também em bairros periféricos ou mesmo noutras localidades em redor dos grandes núcleos urbanos. Já vimos isso acontecer em Lisboa, com grandes actores a tomarem Alvalade ou Marvila. Previsivelmente esse movimento vai continuar a deslocar-se para terrenos ainda mais baratos.

 

Edição nº 34, Fevereiro de 2020

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