Se é na Bairrada que as Caves Messias nascem há quase um século (completam 100 anos em 2026), aí fixando a sua sede, certo foi que, bem cedo, estenderam os seus domínios ao Douro e aos vinhos do Porto. Em 1929, Messias Baptista, o fundador das Caves, já era um dos maiores fornecedores de aguardente vínica ao comércio e lavoura duriense para benefício do vinho do Porto. Na década de 30 do século passado, as operações negociais estendiam-se ao Douro e, sobretudo, a Gaia, onde já possuía diversos armazéns onde envelhecia largas centenas de pipas de vinho do Porto. A 5 de Fevereiro de 1943, o Grémio de Exportadores de Vinho do Porto revela, numa publicação, os 84 sócios que o compõem, e Messias Baptista faz parte dessa lista de ilustres comerciantes de vinho do Porto, tendo uma posição que se destaca no Brasil desde 1944, mercado que, para a empresa, sempre foi referencial e, ainda hoje, é um dos mais importantes destinos das suas marcas.
A produção própria de vinho do Porto começa a ser desenhada em 1958, com a aquisição da Quinta do Cachão, em Vale Figueira, São João da Pesqueira, aos herdeiros de Afonso do Vale Coelho Pereira Cabral, entre os quais figuravam nomes como Van Zeller, Olazabal e Sarsfield Cabral. No verão do mesmo ano, a Gonzalez Byass & Companhia compromete-se a vender a Quinta do Rei e, aos cerca de 100 hectares de vinhas do Cachão, a empresa alia as propriedades onde podem ser hoje encontradas a adega e as casas das Caves Messias na Ferradosa.
Casa clássica, onde reinam maioritariamente o Porto Colheita e com indicação de idade, as Caves Messias lançam agora mão do seu espólio de brancos e, de uma só assentada, apresentam cinco referências Porto Messias Branco, respetivamente, 10, 20, 30, 40 e, a categoria mais recentemente aprovada pelo IVDP, o 50 anos. Um espólio que sempre fez parte do seu vasto património de Portos envelhecidos e que, se nalgum momento deixaram de ser enquadrados em estratégias comerciais, passaram a ser guardados até surgir a oportunidade certa para serem dados a conhecer. A intenção aqui, para além da tendência de mercado de uma maior procura dos brancos, foi a valorização estratégica de vinho do Porto, mostrando a sua versatilidade e riqueza intrínseca, associada ao nobre envelhecimento que sofre nos armazéns de Gaia e da Ferradosa.
20 anos de enologia
Ana Urbano, natural de Sangalhos, Bairrada, chega às Caves Messias em 2004. Recém-licenciada em Engenharia Agrícola, pela UTAD, e com uma pós-graduação em enologia, na Universidade Católica, inicia o seu percurso profissional com estágio de vindima nas Caves Borlido e, logo em 2003, acompanha a primeira vindima da Messias na Bairrada, com a supervisão do enólogo sénior António Dias Cardoso. Em fevereiro de 2004 dá-se a sua estreia, sendo contratada pela empresa para os vinhos do Porto, onde chega sem qualquer experiência nesta tipologia de vinhos, o que lhe causa natural ansiedade e insegurança. Era todo um mundo novo com que se deparava e, sobretudo, uma enorme responsabilidade face ao vasto património de vinhos existentes, nas caves de Gaia e nos armazéns da Ferradosa. Como mentora, à data, teve Elizete Beirão, responsável por todo o sector de enologia dos vinhos do Porto da casa, que lhe transmitiu os ensinamentos na definição de perfis, elaboração de lotes e procedimentos específicos de vinificação tendo em conta o estilo da casa. Com ela tinha também Carlos Soeiro, técnico de prova com formação à antiga, ele que tinha desempenhado essas mesmas funções no IVDP. Ali era um pouco o guardador dos segredos e dos tesouros, personificados nos milhões de litros de Porto envelhecidos em casco.
Ana Urbano é, também, e logo desde 2004, a principal coordenadora das vindimas no Douro, sempre em estreita colaboração com João Soares, o responsável por toda a produção e enologia dos vinhos tranquilos da empresa familiar.
O desafio constante e o receio de errar são as forças motrizes da sua permanente busca de formação e conhecimento, que a levam a dedicar-se à investigação sobre vinhos do Porto, não obstante a escassez de bibliografia científica, necessitando de recorrer às investigações e inovações técnicas nos vinhos tranquilos, que depois adapta aos Portos, sua única e intensa devoção.
Num sector tão clássico, entende que há sempre margem para melhorar, sobretudo quando se inicia todo o processo de elaboração a montante, através da escolha da melhor uva, das vinhas mais aptas à produção de uva de qualidade para vinho do Porto. O equilíbrio, traduzido num perfil que se define na frescura e num teor alcoólico não demasiado elevado, é o parâmetro que define a qualidade e singularidade dos Porto Messias. Para obter este resultado, Ana Urbano vai articulando a tradição com as mais inovadoras técnicas que foi desenvolvendo ao longo das últimas duas décadas. Depois, é toda uma arte de alquimia para alcançar a profundidade e complexidade.
O portefólio de Portos brancos resulta também de uma mudança nos hábitos de consumo e da necessidade de cativar novas gerações
O advento do Porto branco
O surgimento e alargamento do portefólio de Portos brancos resulta também de uma mudança nos hábitos de consumo e da necessidade de cativar novas gerações para um vinho fino distinto e nobre que, sem mudar a sua essência, adapta-se aos novos tempos. Sente-se uma maior procura pelos brancos, sobretudo com mais idade e evolução. E mesmo essa busca por vinhos mais complexos, reflecte a existência de um consumidor mais experimentado e cada vez mais jovem, desmistificando o conceito de que o Porto era apenas um vinho de elites. O Porto Rosé e a tendência Porto Tónico são o exemplo manifesto da democratização do consumo.
O lançamento dos Porto Messias Branco, em cinco referências resulta de uma interpretação do mercado e das suas novas necessidades. Da busca de uma experiência única, de prova de vinhos que envelhecem em casco durante dezenas de anos, criando singularidades de prova inéditas, vinhos que resultam de um enorme poder de previsão do futuro, daquilo em que o vinho se transformará no fim de todo o processo de envelhecimento. Nesta seleção dos melhores lotes, a enóloga olha para o vinho como um todo, procurando captar todas as suas virtudes e fragilidades. O perfeccionismo latente ao modo como encara a arte de lotear, leva-a a uma constante busca pela excelência, que é sempre uma utopia inalcançável, sendo assombrada pela constante dúvida de saber se o apreciador compreenderá o que pretende transmitir com cada vinho. Neste lançamento conjunto, realça a revolução tranquila que se opera com as novas categorias 50 anos e Very Very Old (VVO), esta para vinhos cuja idade média é igual ou superior a 80 anos.
O prestígio internacional do vinho do Porto passa pela qualidade expressa nas diversas categorias, mas com especial ênfase nas categorias especiais, pois serão elas que definirão o vinho do Porto como produto único no mundo.
Ana Urbano assume a enorme responsabilidade que lhe é confiada há 20 anos. Ser a guardiã de um espólio que conta com cinco milhões de litros, cabendo-lhe, não apenas a sua elaboração, mas, igualmente, a sua preservação para que as gerações de enólogos que lhe seguirão possam dar continuidade a este trabalho nas quase centenárias Caves Messias.
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)