Companhia Agrícola do Sanguinhal: Vinhos com história e terroir

A loja da Quinta das Cerejeiras, da Companhia Agrícola do Sanguinhal, fica nos antigos escritórios da empresa e proporciona, pela forma como está decorada, uma viagem para outro tempo, o da fundação da empresa, quando naquele local trabalhavam as suas primeiras pessoas. É o início de uma visita pela sua história, da família e de fazer o vinho, a um pequeno museu que nos leva a apetecer saber um pouco mais sobre esta casa.

Diogo Reis é o representante da 4ª geração da família à frente da Companhia Agrícola do Sanguinhal, fundada pelo seu bisavô, Abel Pereira da Fonseca, em 1928, para gerir três quintas no Bombarral, Quinta das Cerejeiras, Quinta do Sanguinhal e Quinta de S. Francisco. Todas estão integradas na DOC Óbidos e ficam a apenas alguns quilómetros umas das outras no concelho do Cadaval.

Abel Pereira da Fonseca tinha montado um negócio de distribuição de vinho e outros produtos no início do século 20, que fundou em 1906 com sede na zona de Marvila, em Lisboa. Criou depois as lojas Vale do Rio, para venda de vinho e, mais tarde, começou a comprar as propriedades, para assegurar a produção para abastecimento da empresa em Lisboa. Foi assim criada a Companhia Agrícola do Sanguinhal, que explora hoje 200 hectares de terra, dos quais 100 hectares de vinha. O resto é floresta, árvores de fruto e instalações.

Sanguinhal

Influência atlântica

Segundo Diogo Reis, a vinha da casa privilegia as castas autóctones da Região de Lisboa. “Com base nelas, o que tentamos exprimir, nos nossos vinhos, é o terroir da DOC Óbidos, que fica num anfiteatro bem exposto à influência Atlântica”, salienta o responsável.

Miguel Móteo, 59 anos, enólogo da Companhia Agrícola do Sanguinhal  com responsabilidade também na viticultura há mais de 30 anos, conta, por seu turno, que o primeiro desafio que teve, quando chegou à empresa, foi identificar as castas de menor valor enológico das suas vinhas, com o objectivo de as reestruturar e modernizar. Foi o início de um processo que levou à reconversão de mais de 70 hectares de vinha das três quintas nos últimos 30 anos. Para além da empresa ter apostado em castas regionais e nacionais, como as brancas Arinto, Vital e Fernão Pires, foram plantadas algumas internacionais “que poderiam contribuir para a valorização dos nossos vinhos não só no mercado nacional, mas também no internacional”, explica o enólogo. É o caso da casta Chardonnay “que se adaptou muito bem aos solos e clima da região e propriedade”, para além do Sauvignon Blanc e de uma pequena parcela de Viognier.

Nas tintas foi dada a primazia a castas específicas para a região, “que valorizam os nossos vinhos”, como o Castelão, a Tinta Roriz e a Touriga Nacional. Além delas foram plantadas variedades francesas, “como a Syrah, que se adaptou muito bem ao nosso terroir e, segundo a minha opinião, a toda a região dos vinhos de Lisboa”, salienta Miguel Móteo. Quando começou a trabalhar, as castas brancas já originavam vinhos com bastante acidez, ou seja, “com as características específicas para o que se pretende num vinho branco”. Mas percebeu, na altura, que nem todas as tintas seriam as melhores para as exigências do mercado e as consequências das alterações climáticas. “Por isso foi necessário fazer uma aposta forte na reconversão da vinha”, conta.

Os solos das três quintas são bastante diferentes e houve necessidade de se escolher correctamente os porta-enxertos e, a partir daí, fazer um trabalho quase de precisão ao nível da viticultura, “tendo em conta a condução da vinha, o controlo de vigor e as operações em verde e em seco”.  Foi essencial, acima de tudo, escolher, no início das plantações, as castas e os porta-enxertos melhor adaptadas para os solos e sistemas de drenagem, tendo em conta as características desejadas para os vinhos produzidos. Com esse objectivo, as castas brancas estão plantadas nas zonas mais frescas, de várzea, e as tintas em encostas. “As nossas produções são relativamente baixas em relação à média da região, porque procuramos potenciar a valorização da matéria-prima”, explica Miguel Móteo.

Cinco semanas de vindima

A reconversão não teve apenas, como objectivo, a mudança de castas, mas também a modernização e mecanização de uma vinha com uma área já significativa, alteração essencial numa altura em que os custos de produção tem crescido cada vez mais e a mão-de-obra é cada vez mais escassa. São factores que têm levado “a constantes adaptações nas vinhas, quer ao nível dos sistemas de condução, que nas operações em verde e seco”, revela o enólogo. Diz, também, que a Região de Lisboa tem tudo para crescer e que tem sido surpreendente ver a evolução da qualidade da matéria-prima, essencialmente nos tintos.

Como as quintas da Companhia Agrícola do Sanguinhal distam a cerca de 10 km umas das outras, a produção foi centralizada na adega da Quinta de S. Francisco. As castas da empresa estão plantadas nas três, que têm características de solos diferentes, o que origina comportamentos diferentes das plantas, incluindo períodos de maturação diversos.

Segundo Miguel Móteo, as vindimas começam habitualmente na Quinta do Sanguinhal e na Quinta das Cerejeiras, e pelas castas mais precoces, como o Chardonnay, o Sauvignon Blanc e o Fernão Pires. “Nos primeiros anos vindimávamos a partir de meados de setembro e, agora, a partir de meio de agosto, também para conseguirmos apanhar as uvas com mais frescura e menor teor de açúcar”, conta, acrescentando que a principal dificuldade da vindima, que decorre durante cinco semanas, é conjugar os trabalhos em propriedades diferentes no mesmo dia, principalmente quando a colheita é feita à mão, o que acontece sobretudo para as castas brancas mais nobres.

Depois de os procedimentos feitos na adega para todas as uvas da empresa, que são colhidas casta a casta em cada quinta, é feita uma análise rigorosa a todas as 40 a 50 referências resultantes do processo para se poder definir, em função das suas características físico-químicas e organolépticas, “quais são os vinhos que vão para barrica, para as gamas quinta, Regional Lisboa no segmento médio e médio mais, num trabalho de precisão para cada perfil definido”, conta Miguel Móteo.

Sanguinhal

A Companhia Agrícola do Sanguinhal explora hoje 200 hectares de terra, dos quais 100 hectares de vinha

 

Referências centenárias

Mais de 30% do vinhos produzidos pela empresa são vendidos para exportação, tanto para o canal  ontrade como no offtrade, tanto com marcas diferenciados como com coincidentes. “A nossa preocupação é mantermos uma presença nacional e regional forte, com as marcas que também exportamos”, explica Diogo Reis, acrescentando que “é esse equilíbrio que nos permite ter o reconhecimento do mercado, após muitos anos a trabalhar o sector, com marcas e rótulos históricos”, numa casa que tem algumas referências centenárias. “É algo que também nos diferencia, até porque há, no país, poucos casos em que isso acontece”.

Segundo Diogo Reis, essa manutenção, ao longo de tantos anos, tem sido um caminho desafiante, com alguns choques entre gerações, como acontece por vezes nas famílias e nas empresas, “mas, aquilo que sentimos, é que é pelo classicismo que temos tido os nossos resultados”, afirma. Defende, também, que a sua empresa não precisa de se empenhar agora no aumento das produções em volume, mas sim na valorização daquilo que já tem. “Essa é a estratégia que temos vindo a seguir, e com excelentes resultados, porque temos muitos vinhos com indicação de data de colheita recorrentemente em ruptura, o que acontece um bocado em contraciclo com o que se está a passar no sector a nível nacional e mundial.” Diz também que é uma aposta na fidelização, que já está a acontecer e tem proporcionado a conquista de mais clientes. “Se estivermos sempre a mudar a imagem, mais dificilmente as marcas serão reconhecidas. Não é isso que nos interessa”, explica.

A qualidade e o perfil dos vinhos são mantidos com o trabalho do Miguel Móteo. “É essencial, para nós, que o perfil de cada um dos nossos vinhos se mantenha, mesmo que as suas características variem com os anos de colheita, com excepção dos licorosos, dos quais fazemos blends de média de anos, como um 20 anos, por exemplo”, salienta Diogo Reis, acrescentando que de vez em quando surge uma inovação, como um novo colheita tardia, que deverá surgir para breve.

Para além dos vinhos da Quinta das Cerejeiras, do Sanguinhal e de S. Francisco, que são colocados todos com data de colheita, de licorosos e de aguardentes, a empresa produz e comercializa a marca Casa Abel, trabalhada sobretudo para o canal ontrade, a Sotal, um branco leve da Quinta do Sanguinhal, cujo Moscatel Graúdo é de vinhas com quatro décadas da Quinta do Sanguinhal, apesar de ter Arinto das outras quintas.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)

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