As mais loucas leis sobre álcool

Por esse mundo fora, há leis e costumes para todos os gostos. Algumas, claro, bastante abstrusas e que levantam a suspeita de terem sido aprovadas por gente em estado de discutível sobriedade… O sector do álcool, por si só, proporciona uma viagem alucinante. Apertem os cintos de segurança.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS DR

O mais normal quando ouvimos alguém mencionar as palavras “lei” e “álcool” na mesma frase é estarmos perante alguém que discorre sobre assuntos muito sérios e complexos, como fiscalidade, legislação aduaneira ou protecção de menores. São temas importantes e estruturais, mas não entram neste texto. O que nos traz aqui é o outro lado da “Força”, o lado mais obscuro, onde convivem o disparate, o ridículo e o inexplicável. Sabia que na Escócia é proibido cavalgar uma vaca em estado de embriaguez?

Pois. E antes que a nossa mente divague em excesso pelas rudes terras escocesas, fica desde já o aviso: da Alemanha à Austrália, de El Salvador à Índia, da Turquia à Bolívia, da Tailândia ao Canadá, encontramos leis que desafiam a lógica e o bom senso. Mas nesse pormenor não há país como os EUA, onde dois séculos e meio de pulverização da competência legislativa (leis federais, leis de cada estado, leis de cada condado…) criou um verdadeiro labirinto de obrigações, proibições e recomendações que vai resistindo teimosamente a todos os esforços de normalização…

Que fique desde já bem claro que não se misturam leis com tradições. Mas temos de ver as leis de cada país à luz da sua realidade social, religiosa e política. Pode parecer estranho que na Suécia só o Estado possa vender a retalho bebidas com mais de 3,5% de álcool, mas é assim mesmo. Em França, todos os condutores têm de possuir o seu próprio alcoolímetro. A importação de cerveja é proibida na Nigéria. A legislação sobre a venda de bebidas alcoólicas na cidade de Sydney, Austrália, é tão complicada e restritiva que justificaria um artigo por si só…

Mas tudo isto, embora possa soar estranho, não nos deixa propriamente incrédulos. Diferente é dizerem-nos que no Reino Unido é proibido estar bêbado num “pub”… Importa-se de repetir?! Cabe na cabeça de alguém que um barman não possa acrescentar nada a uma bebida de marca a não ser sob pedido expresso do cliente? No Canadá, decididamente, não se incentiva a criatividade atrás do balcão… Já na Tailândia, os funcionários dos estabelecimentos do ramo têm de estar sempre atentos ao relógio: é proibido comprar álcool entre a meia-noite e as 11 da manhã e entre as duas e as cinco da tarde. Imagina-se que o movimento há-de ser intenso nos intervalos…

Na Alemanha, andar de bicicleta sob a influência de álcool pode levar à perda da licença respectiva, acompanhada de uma ida compulsiva ao médico, para uma avaliação clínico-psicológica. E se a obrigatoriedade de, no estado indiano de Maharashtra, possuir uma licença para consumir bebidas alcoólicas parece uma legislação restritiva, o que dizer de El Salvador, onde se pode ser condenado à morte por conduzir alcoolizado?

Mas o “top 3” deste campeonato mundial da legislação estapafúrdia tem de ir para a Turquia (onde é proibido vender bebidas alcoólicas em dia de eleições), para a Bolívia (onde as mulheres casadas não podem beber mais de um copo de vinho em público por dia) e para a Austrália. Bom, da Austrália até já tínhamos falado. Mas ficou por dizer que é proibido esmagar latas de cerveja entre as mamas. Fica o aviso! Olhem que já houve uma mulher australiana multada por fazê-lo.

Balbúrdia no Oeste (e no Leste também)
Antes de embarcarmos na espantosa viagem pela legislação do álcool nos Estados Unidos da América, convém deixar aqui um aviso, para os mais distraídos: durante quase década e meia, entre 1920 e 1933, a produção, importação, transporte e venda de bebidas alcoólicas esteve estritamente proibida por uma lei federal. Na ressaca (passe o trocadilho fácil) desta era, a aprovação de novas leis sobre o álcool levou muitas vezes em conta a franja da opinião pública que defendia a “Lei Seca” (como ficou conhecida) e isso em muitos estados levou a concessões que, vistas à luz da modernidade, parecem anedóticas…

Exemplo disso é a proibição de venda de bebidas alcoólicas ao domingo (durante todo o dia, no Connecticut; só de manhã, na Carolina do Sul, Michigan e Nova Iorque), imagina-se que para não prejudicar a missa dominical. Mais radical: quem envie a alguém do Kentucky garrafas pelo correio – nem que seja uma mera cervejinha… – pode ser condenado a uma pena de até cinco anos de prisão. No Alabama, quase 40 por cento dos condados mantêm a “Lei Seca” no que respeita à venda, mas pode-se possuir e consumir. No Kentucky, conhecido pelas suas muitas destilarias, quase três quartos do território enfrentam leis restritivas no que respeita ao álcool, mas os “sítios históricos” (leia-se: destilarias) podem produzir. Em sentido contrário, ergam-se os copos à saúde do estado de Rhode Island, o único que nunca ratificou a “Lei Seca”!

À medida que se ia abrindo a torneira (outro trocadilho óbvio, pedimos desculpa), multiplicavam-se as alíneas destinadas a tranquilizar os espíritos mais puritanos. Alaska, Carolina do Norte, Delaware, Hawai, Indiana, Maine, Massachussets, Oklahoma, Rhode Island, Utah e Vermont proíbem a venda de bebidas em bares a preços abaixo da tabela – e lá se foram as Happy Hour… Os homens casados da Pensilvânia têm outros problemas para enfrentar: neste estado, só podem comprar bebidas alcoólicas com permissão escrita da mulher. E no condado de Lynden, estado de Washington, não se pode beber e dançar no mesmo estabelecimento! Já em Pullman, Ohio, a coisa parece fazer algum sentido: não se pode beber cerveja de um balde sentado na berma na estrada.

As intenções podem ser as melhores, mas nalguns casos deram origem a uma verdadeira salganhada (entre parenteses, os pontos de exclamação exprimem o nosso grau de estupefacção; faça você mesmo a sua escala). Vamos a isto: no Utah, os restaurantes só podem servir vinho se este for escolhido da carta (!) e a quem estiver a consumir uma refeição (!!); na Califórnia, é ilegal vender bebidas alcoólicas a menos de 1,5 metros de uma caixa registadora onde se façam transacções de combustível e bebidas alcoólicas (!!!); no Iowa, é ilegal abrir conta num bar (!), tudo tem de ser pago no acto da entrega; no Nebraska, os bares só podem vender álcool se também disponibilizarem sopa (!!) e em Indiana têm de ter um serviço de comida para um mínimo de 25 pessoas (!); em Nyala, Nebraska, ninguém pode pagar bebidas a mais de três pessoas por dia (!).

Mais uma voltinha: no New Hampshire só se pode beber sentado (!); no Texas, essa proibição só é válida a partir do terceiro golo no copo de cerveja (!!); no Dakota do Norte não se podem servir simultaneamente bebidas alcoólicas e pretzel no mesmo estabelecimento (!!); no Wyoming, uma mulher não pode estar de pé a menos de 1,5 metros de um bar enquanto bebe (!!!); no Oklahoma, tudo o que tiver mais de 4% de álcool tem de ser vendido no retalho à temperatura ambiente (!); no Utah, as bebidas têm de ser preparadas por trás de uma parede opaca ou translúcida, para não influenciar os menores (!!); e em Topeka, Kansas, é proibido servir vinho em chávenas de chá (!!!).

Pai Natal, Capuchinho Vermelho…
Se ainda se está a rir da lei britânica que proíbe estar bêbado em “pubs”, fique a saber que no Alaska existe uma moldura legal semelhante; e se os turcos não podem comprar álcool em dia de eleições, o mesmo sucedia em vários estados norte-americanos até 2008. Em 2012 já foram só dois e desde então o Kentucky (2013) e a Carolina do Sul (2014) aboliram esta lei.

Mesmo passando por cima da intrincada regulamentação relativa ao vasilhame, há ainda muito por onde pegar. No sempre sensível campo do pudor, muitos americanos têm uma lógica puritana que pode soar a bafio para os europeus, mas, lá está, cada um sabe de si. No Alabama, imagens “imodestas ou sensuais” estão proibidas nas lojas de vinho e rótulos das garrafas; o Idaho aprovou em 2000 uma lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos cinemas onde esteja em cena um filme com cenas de sexo; no Ohio e no Texas, o vinho Fat Bastard foi banido devido à linguagem imprópria; no Ohio, a figura do Pai Natal não pode ser usada em publicidade a vinhos; em 1990, o livro “Capuchinho Vermelho” foi banido na Califórnia porque o cesto de piquenique que a menina levava à avó continha uma garrafa de vinho… Finalmente, algo que faz sentido: na cidade de Lebanon, New Hampshire, não se pode fazer piquenique ou consumir bebidas alcoólicas os cemitérios; no Wyoming e no Colorado é ilegal esquiar em estado de embriaguês.

Os menores de idade (nos EUA a maioridade é reconhecida aos 21) mereceram ao longo dos tempos cuidada atenção dos legisladores – uns mais liberais do que outros, é certo. Em vários estados (Oregon, Luisiana e Dakota do Sul, por exemplo), os pais podem dar bebidas alcoólicas a menores desde que seja por motivos “religiosos, médicos ou educacionais”… Um menor que esteja casado com alguém com 21 anos ou mais pode consumir na companhia do cônjuge (Wisconsin), mas no Missuri um jovem que esteja a despejar o saco do lixo pode ser multado por posse ilegal de álcool se for detectada alguma embalagem…

Sabia que…
Na Escócia, existe uma lei que estipula em duas cervejas a multa para quem usar roupa interior por baixo do kilt. Abstemo-nos de imaginar como é controlado o seu cumprimento…

Os animais também têm os seus direitos. É, por exemplo, proibido dar álcool a alces (Fairbanks, Alaska); andar a cavalo em estado de embriaguez (Colorado); dar whisky a um cão (Chicago, Illinois); embebedar peixes (Utah e Ohio). E, sobretudo, nada de anunciar a intenção de ter sexo com um búfalo (Oklahoma)!

É muita areia para a nossa camioneta. Mais a mais, há leis que parecem feitas à medida para aborrecer quem trabalha nesta área da imprensa especializada. No Maryland, quem escreve sobre bebidas alcoólicas precisa de um certificado de uma agência estatal para poder receber amostras – e, mesmo assim, nunca mais de três garrafas por marca. É uma seca (mais um trocadilho lamentável, perdão), mas há muito pior no Utah, onde é estritamente proibido engolir o vinho durante as provas. Mais do que uma violação da liberdade de imprensa, isto é um verdadeiro atentado aos direitos do homem!

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