Vinhos e gentes da terra do mármore

Quando pensamos em Estremoz e Borba, há duas coisas que nos vêm imediatamente à cabeça: mármore e vinho. Ambas as “indústrias” marcam a paisagem deste recanto do Alentejo, mas enquanto a primeira enfrenta uma fase difícil, a outra está em franca expansão. Num breve roteiro enoturístico pela região, fica a sensação de que só falta criar uma dinâmica de conjunto para afirmar este verdadeiro “cluster” vitivinícola.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

No seu conjunto, a população dos municípios de Estremoz e Borba ronda os 22 mil habitantes. Contas feitas com base nos dados da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana dizem-nos que há, nestas duas terras, pelo menos 27 produtores de vinho – e muitos deles são nomes de peso no panorama nacional do sector. Não é difícil perceber a sua presença: hectares e hectares de vinha são uma das imagens de marca da região, a par das pedreiras (e respectivas escombreiras) de mármore. Apesar disso, e ao contrário do que sucede por outras paragens, parece não haver por aqui ainda uma lógica de afirmação colectiva do sector, pelo menos em termos turísticos.
A intenção, assuma-se desde já, era limitar a visita à zona de Estremoz, mas depressa se tornou evidente que a oferta de dormidas não correspondia à riqueza do panorama em termos de visitas. E, assim, depois de passarmos pela Herdade das Servas, rumámos ao concelho vizinho de Borba para conhecer a Herdade do Penedo Gordo, encerrando o périplo no dia seguinte com uma passagem pela Tiago Cabaço Wines. Há por aqui muito para conhecer e argumentos não faltam para nos cativar, desde as paisagens pinceladas pelas cores do Outono ao riquíssimo património histórico, não esquecendo, como convém, a excelência da mesa alentejana, que tem por aqui alguns dos seus templos.
O traçado da A6, a ligação mais directa entre o centro de Espanha e Lisboa, coloca Estremoz e Borba praticamente em linha de vista de quem circula pela auto-estrada. Os desvios são curtos, os marcos da paisagem apelativos (talvez o exemplo mais impressionante seja a silhueta maciça do castelo de Évora Monte, empoleirado num dos pontos mais altos da serra de Ossa) e, apesar de estarmos no Alentejo profundo, a cidade espanhola de Badajoz está a escassas dezenas de quilómetros, Évora fica a meia hora de distância e Lisboa a menos de duas horas…
O turismo, por aqui, é um desígnio inevitável. Com um apelo tanto maior quanto houver capacidade para criar uma identidade forte, uma mensagem directa, para cativar visitantes. E o vinho está na primeira linha para se afirmar como elemento definidor desta região. Assim haja vontade e surjam ideias. Nem é preciso sair do Alentejo para encontrar um bom exemplo desta dinâmica: nos últimos anos, as empresas vitivinícolas e as entidades oficiais têm unido esforços para afirmar a Vidigueira como destino enoturístico.
Mas façamo-nos à estrada, que há muito para ver. E provar.

O vinho já por ali “mora” há muito tempo, como o comprovam duas talhas existentes na propriedade e datadas de 1667. Mas o projecto Herdade das Servas tem apenas 20 anos. Em duas décadas a família Serrano Mira pegou na herança de 350 anos de tradição e assumiu um compromisso ético que já obrigou a casa a uma reformulação radical da sua gama, acabando com a marca de entrada por não ter uvas suficientes para responder às solicitações. Aqui não se facilita: são 350 hectares de vinha, toda não regada, e não se compram uvas nem vinho por fora. Apesar de não aparecer nas grandes superfícies, a verdade é que a marca Servas é praticamente omnipresente na restauração.
A propriedade recebe-nos com uma alameda onde crescem árvores, que nos leva a um terreiro decorado com um bonito miradouro, esplanada e uma vinha pedagógica, onde crescem todas as variedades trabalhadas na adega. Entramos para a loja/recepção e daí passamos imediatamente à adega, que conhecemos do alto de um passadiço superior. No final, uma grande janela em vidro permite uma visão geral sobre a área de armazém e linha de engarrafamento.
Fazem-se aqui mais de um milhão de garrafas por ano, de vinhos que podem fermentar em barricas, em lagares de mármore (com programas de pisa a pé na altura das vindimas), lagares de inox e depósitos de inox. Em muitos casos, os vinhos seguem depois para envelhecimento em madeira, juntando-se na sala de barricas, onde se juntam umas quatro centenas delas numa atmosfera de frescura e recato. Ali ao lado, a garrafeira particular, onde se conserva memória física de todos os vinhos da casa.
De volta ao andar superior, um olhar curioso às estantes com memórias destas duas décadas e saúda-se um grupo de espanholas que se instalou na sala de provas para conhecer os vinhos. Cá fora, uma vista praticamente a 360 graus recorda-nos que o mais importante de tudo isto é a terra, agora pintada em tons pastel pelo envelhecimento das folhas das videiras. Será do ar do campo, mas a fome aperta. E estamos no sítio certo: no restaurante das Servas a mesa está posta para um desfile de pitéus da cozinha tradicional alentejana que conduz a conversa pela tarde fora.
Um dia, prometem, será possível pernoitar por ali. Por enquanto, há que ganhar coragem e rumar a outras paragens. Com muita pena, porque, mesmo já não sendo Verão, aquele miradouro, com a silhueta de Estremoz de um lado e a de Évora Monte do outro, parece feito à medida para um pôr-do-sol épico. Um copo de vinho na mão e o Alentejo todo ali.

HERDADE DAS SERVAS
Herdade das Servas, Estremoz
Tel: 268 322 949 / 268 098 080 (restaurante)
Mail: enoturismo@herdadedasservas.com / restaurante@herdadedasservas.com
Web: www.herdadedasservas.com
GPS: 38.836542, -7.678185
A herdade recebe visitas todos os dias, entre as 10h e as 12h30 e das 14h às 17h30. A visita à adega e cave sem prova de vinhos custa 5,50 euros por pessoa, o preço sobe para 7,50 com prova de dois vinhos. Há uma lista alargada de vinhos a copo e duas provas especiais: a Prova Cega, com três vinhos (9,80 euros; mínimo cinco pessoas); e a Prova Excelência, com vinhos topo de gama e conversa com o produtor/enólogo na garrafeira particular (55 euros; grupos entre seis e oito pessoas). O restaurante funciona entre as 12h30 e as 15h30 (almoços) e das 19h30 às 22h30 (jantares). Encerra à terça-feira.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Alguns quilómetros depois, o sol já vai baixo quando chegamos à Herdade do Pinheiro Gordo e nos encantamos com o suave ondular das vinhas até onde a vista alcança. Falar desta propriedade, que expande para o Alentejo a actividade da Quinta das Arcas (da região dos Vinhos Verdes), é um constante saltitar entre o passado, o presente e o futuro. Porque a dimensão do investimento e a magnitude das tarefas exigem que se trate o tempo com o respeito que merece.
Comecemos pelo que foi. Em 1999, António Esteves Monteiro encontrou no Alentejo o sítio que desejava para fazer grandes vinhos (os “vizinhos” são vinhas da Bacalhôa, de um lado; e da Herdade das Servas, do outro). Mas, lembra o filho, Mário, que nos recebe nesta visita, Esteves Monteiro encontrou mesmo só o sítio; não havia nem um pé de vinha. Nem um?! Nem um. Os mais de 400 mil que agora compõem uma herdade com 140 hectares de vinha têm sido plantados em campanhas sucessivas, compondo um mosaico de dez castas, cinco brancas e outras tantas tintas. O solo, de argila e pedra, é enriquecido com estrume de vaca e 12 furos alimentam um grande depósito de água para que toda a vinha seja regada. A adega, ao fundo do caminho que vem da entrada (decorada com muros de xisto – sim, é dominante nestes terrenos), vai este ano ser aumentada, remodelada e modernizada, abrindo também novos horizontes para o enoturismo (incluindo uma loja aberta ao público).
E lá estamos nós a saltitar na linha do tempo. A própria casa principal, umas duas centenas de metros mais abaixo, vive o presente já a pensar no futuro. Com construção de 2010, quatro quartos, três suítes, uma sala comum, piscina, zona de recreio para crianças e alpendre para churrascos constituem o núcleo de alojamento. Mas há planos para avançar com uma proposta ainda mais exclusiva e apelativa: casas individuais na encosta adjacente, com piscina própria e privacidade garantida.
O quarto é simples, mas prático, uma cama gigante, claraboia na casa de banho e uma pequena varanda de onde podemos contemplar o casario da aldeia de Orada. De manhã, ouve-se a passarada e o eco longínquo de um tractor. O resto é vastidão e silêncio. Os mais corajosos poderão sentir-se tentados a pegar numa das bicicletas eléctricas à disposição e pedalar até à aldeia para ir buscar pão fresco. Mas também podemos sentar-nos à beira da piscina para deixar a vista deslizar pelo olival e pelas vinhas, pelas linhas curvas das colinas e pelo traçado angular das parcelas que o Outono tinge de cores contrastantes. Seja como for, o pequeno-almoço está garantido.

HERDADE DO PENEDO GORDO
Herdade Penedo Gordo, Orada, Borba
Tel: 224 157 810
Mail: enoturimo@penedogordo.com
Web: www.penedogordo.com
GPS: 38º 52’45,2N / 7º26’47.5’’W
Com a adega a entrar em obras, a oferta enoturística concentra-se actualmente no alojamento, embora seja possível marcar provas de vinhos. Há quatro quartos e três suítes, com preços que vão dos 60 aos 76 euros por noite entre Outubro e Maio e dos 75 aos 95 euros de Junho a Setembro. O pequeno-almoço é pago à parte e custa 10 euros (quartos) ou 12,5 euros (suítes). As suítes estão equipadas com kitchenette e preparadas para “self-catering”.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): –
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17*
*Valor ponderado; a loja só ficará disponível após as obras na adega.

Não era um objectivo à partida, mas agora que nos dirigimos para a última etapa do nosso périplo por terras do mármore fica bem claro que o panorama vitivinícola desta região mudou drasticamente nas últimas duas décadas. Porque a nossa próxima etapa tem uma história ainda mais recente do que as duas anteriores: foi em 2004 que Tiago Cabaço, nado, criado e “vindimado” em Estremoz, lançou o seu projecto pessoal. Hoje, é um dos nomes-ícone da região e a sua adega, mesmo às portas de Estremoz, produz quase um milhão de garrafas/ano.
A estrada nacional que rodeia Estremoz passa mesmo junto às vinhas e o movimento de camiões é intenso. Espanha aqui tão perto. Com acessos tão directos, não espanta que o enoturismo seja aqui levado muito a sério – a estimativa aponta para 8 a 10 mil visitantes por ano. Os três hectares de Alicante Bouschet plantados junto à adega fornecem um enquadramento espantoso para o casario da cidade, o castelo lá no alto, a célebre torre de mármore branco reluzindo ao sol. Tiago Cabaço tem mais 135 hectares de vinha, ali a 10km, em Santa Vitória do Ameixial, e só trabalha com uvas próprias.
Nesta propriedade junto à estrada não havia nada a não ser a placa “Vende-se”, que Tiago ia tirando sempre que passava, para ganhar tempo enquanto preparava a aquisição. Hoje, para além da vinha, há um edifício mais pequeno onde se destilam os “espíritos” da casa e uma adega moderna, de linhas arredondadas, inaugurada em 2012. Lá dentro, iniciando o percurso visitável, encontramos a loja e recepção, com vista para adega através de um janelão de vidro.
Passamos depois pela adega, espreitamos o laboratório e a linha de engarrafamento, entramos na sala de barricas. Em breve, este percurso será diferente, porque está planeada uma remodelação interna dos espaços, melhorando a capacidade de resposta à procura turística, ao mesmo tempo que se optimizam os circuitos de produção. É que o espaço já não abunda, ao ponto de a antiga zona reservada a eventos estar agora ocupada pelo armazém. O que não mudará é a sala de provas, colocada em plano superior à adega, inox de um lado, barricas do outro e uma parede de vidro com vista para Estremoz.
É aqui que nos sentamos, em ambiente descontraído, para provar alguns vinhos, com nomes modernos e internacionais como Blog ou .Com mas que indiscutivelmente nos falam de Alentejo. Um Alentejo rico de tradições e saberes ancestrais, sábio na sua relação com o tempo e, no entanto, capaz de apontar ao futuro. Na Tiago Cabaço Winery, a média de idades ronda os 30 anos.

IAGO CABAÇO WINERY
Quinta da Berlica – Mártires, Estremoz
Tel: 268 323 233
Mail: geral@tiagocabacowinery.com / enoturismo@tiagocabacowinery.com
Web: www.tiagocabacowinery.com
A adega está aberta para visitas e provas (mínimo: duas pessoas) todos os dias, entre as 10h e as 13h e das 14h às 18h. As opções começam na visita e prova de um vinho durante o percurso (5 euros) e vão até à Prova Excelência, que permite provar cinco vinhos (24 euros). Pelo meio temos a Prova Premium (três vinhos; 10 euros) e a Prova Selection (quatro vinhos; 14 euros).

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Apesar da proximidade de Évora, epicentro da cozinha alentejana, os restaurantes de Estremoz sempre conseguiram manter uma fama muito própria. Por todo o Alentejo, não é difícil encontrar onde bem comer, mas ao registo tradicional aliam-se agora propostas que conciliam a tradição e um certo cosmopolitismo. Aqui ficam três sugestões, duas em Estremoz e uma por terras de Borba.
MERCEARIA GADANHA – Largo Dragões de Olivença, 84 A, Estremoz; 268 333 262 / mercearia@merceariagadanha.pt
ALECRIM – Rossio Marquês de Pombal, 31-32, Estremoz; 268 324 189 / 925 352 995 / www.alecrimestremoz.pt
ESPALHA BRASAS – Monte das Naves de Cima, Alcaraviça, Borba; 963 555 191

Edição nº20, Dezembro 2018

 

SIGA-NOS NO INSTAGRAM
SIGA-NOS NO FACEBOOK
SIGA-NOS NO LINKEDIN
APP GRANDES ESCOLHAS
SUBSCREVA A NOSSA NEWSLETTER
Fique a par de todas as novidades sobre vinhos, eventos, promoções e muito mais.