Mal se dá por ela. A cave da Messias, em Gaia – onde repousam os stocks de Vinho do Porto – está longe do olhar do passante, não tem posto de vendas à beira-rio nem centro de visitas, não recebe estrangeiros em autocarros de turismo. Escondida nas Devesas, ali onde outras empresas também têm a sede, a Messias quer estar em sossego. Foi este mundo discreto que fomos conhecer. Até porque os vinhos justificam toda a atenção.
TEXTO João Paulo Martins FOTOS Anabela Trindade
A história da empresa já vem de longe mas conta-se depressa. Fundada em 1926, a Messias resulta da ligação de duas famílias, os Vigário e os Baptista. Messias é nome próprio, antigo na família, e que continua nas novas gerações. A história também se liga à aquisição de duas propriedades do Douro, a Quinta do Cachão (que, como o nome sugere, fica no cachão da Valeira) e a Quinta do Rei, que pega com o Cachão. Mesmo nos anos 20 e 30, a ideia dos então proprietários era ter terra e daí resultou também a aquisição das Quintas do Valdoeiro e S. Miguel, na Bairrada. Assim, ter produção própria a partir de propriedades suas foi a política seguida, bastante original para a época.
A empresa tem-se mantido num ambiente familiar (e todos sabemos o quão difícil é isso…) mas em 2006 houve uma herdeira que resolveu vender a sua quota e o comprador foi a Taylor’s, ou seja, a empresa Quinta & Vineyard Bottlers (QVB). Tal interesse foi percebido à época porque a Quinta do Cachão é vizinha da Quinta de Vargellas, que pertence à Taylor’s. Não tendo havido mais cedência de quotas, a QVB ficou-se naquela posição minoritária, agora detentora de 17% do capital mas sem intervenção ao nível da gestão ou orientação da Messias.
Pouco conhecida do grande público foi a ligação que existiu entre a Messias e a Gran Cruz, da qual foi sócia até 1983 e a quem vendia Vinho do Porto a granel. Foi também essa a época em que estavam em alta os BOB, ou seja, marcas que se faziam com o nome do comprador, uma prática habitual com as grandes cadeias de supermercado, quer nacionais quer estrangeiras. Este negócio chegou a representar 80% das vendas da Messias, mas a partir de 2005 passaram a investir sobretudo em marcas próprias e os BOB de Vinho do Porto não representam hoje mais de 30%. Interesse relativamente recente tem sido os L.B.V. (Late Bottled Vintage), que agora estão a produzir em quase todas as colheitas. São cerca de 30.000 litros anuais que lhe são destinados.
Quanto ao futuro, não há perspectivas de aquisições ou vendas. A Messias vai continuar discreta e longe dos olhares dos passantes. É caso para dizer: também no Vinho do Porto não há só um caminho e cada um decide o que quer fazer com o seu negócio. Vigários e Baptistas, os dois ramos da família, parecem estar de acordo quanto às linhas com que se cosem.
Aposta nos vinhos velhos
Como aconteceu com a generalidade das empresas portuguesas ligadas ao Vinho do Porto, a Messias começou a envelhecer vinhos em casco e por isso não se estranha que o negócio principal tenha sido, desde sempre, os tawnies, quer os que têm indicação de idade, quer os Colheita. Vinhos novos, vintages e L.B.V. não eram prioridade. Nada de espantar, por isso, que o primeiro vintage declarado tenha sido apenas o 1960.
Ana Urbano, a enóloga responsável pelo Porto da Messias, reconhece que nos anos 60 declararam demasiados vintages, com uma qualidade na qual actualmente não se reconhecem e as quantidades também eram exageradas, por norma 50.000 litros de vintage em cada declaração. “Mas”, disse, “isso teve de mudar porque percebemos que o nosso negócio era sobretudo de Porto Colheita e não fazia assim sentido não usar os melhores lotes para estes vinhos e estar a fazer Vintage que depois não tinham grande reconhecimento.” Foi assim que em finais dos anos 90 se tomou uma atitude que rompeu com o passado: para Vintage, a Messias passou a destinar apenas entre 5.000 e 10.000 litros, conforme o ano, e os melhores lotes puderam assim ser orientados para Colheita. O caminho está bem definido: “Neste momento é mais importante reforçar em qualidade os Colheita e por isso toda a nossa atenção e cuidado está no envelhecimento dos vinhos”, confirmou Ana Urbano. Assim, a Messias lançou como Vintage 1989 e 1997, e, depois, apenas os 2003, 2007 e 2011.
Os vinhos que envelhecem em casco exigem um trabalho atento de paciência e acompanhamento. De três em três anos é preciso enviar amostras para o IVDP e a sua qualidade reconfirmada na Câmara de Provadores do Instituto. E como é que se gere um Colheita? Não vai perdendo frescura? Não precisa de ser refrescado com vinhos mais jovens? Estas são algumas das habituais questões que esta categoria de Vinho do Porto costuma levantar. Ana Urbano defende que o melhor é mexer pouco nos vinhos e, assim, para conseguir uma boa harmonia de todo o lote, apostam sobretudo em tonéis de maior capacidade em vez de conservarem os vinhos em pipas. Assim, raramente fazem o chamado “refresco”, com vinhos mais jovens, só alguns arejamentos quando, através da prova, concluem que se torna necessário. O 1947, ainda em casco, é o Colheita mais antigo disponível para venda. Por norma, embora a lei permita a comercialização após 7 anos de estágio em madeira, os Messias Colheita são sempre postos à venda com pelo menos 10 anos de casco. Os vinhos muito velhos só são engarrafados a pedido, caso a caso.
Poder-se-ia pensar que seria sobretudo o mercado interno a consumir este tipo de vinho, sempre muito requisitado para aniversários. Isso é verdade, mas não se esgota por aqui. Os Estados Unidos, o Canadá e o Brasil são importantes destinos de exportação. Por cá fica apenas 20% da produção e os restantes 80% destinam-se ao mercado externo. Vamos assim continuar a encontrar os Messias Colheita em muitos pontos de venda e na restauração. Uma marca portuguesa que acolhe grandes vinhos debaixo de uma imagem propositadamente discreta…
Cuidados com um Colheita
Tratando-se de um vinho da categoria tawny, um Colheita deverá ser conservado na posição vertical. Não há que esperar evoluções significativas pelo facto de ter o vinho em casa há muitos anos. Poder-se-á detectar um aroma extra – o chamado cheiro a garrafa – caso o vinho tenha muitos anos de garrafa, mas mais nada. Desta maneira, e ao contrário dos vintages, os Colheita podem ser bebidos imediatamente a seguir à compra. Certifique-se da data de engarrafamento (indicada no contra-rótulo) e escolha, no local de compra, a data mais recente. Assim assegura que está a comprar um vinho mais fresco e com mais tempo de casco. Em casa, e algum tempo antes de servir, ponha a garrafa no frigorífico. A opção de decantar o vinho é meramente estética, já que por norma ele não requer aquele método. Mas, reconhecemos, fica mais bonito se servido num decantador de cristal.
No restaurante é difícil saber ao certo há quanto tempo o Colheita está aberto. Peça para ver a garrafa e se a data de engarrafamento for recente é provável que vá ter um Colheita na sua melhor forma. Se a data de engarrafamento já for antiga e a garrafa estiver aberta, entramos na zona do risco… (JPM)