A vinha tem mais de 100 anos e está incluída na quinta do Bom Retiro. Foi Adriano Ramos Pinto que a adquiriu em 1933. Frágil mas resistente, a vinha exige, de todos, os cuidados máximos para que a intervenção seja mínima. Uma carga de trabalhos que só a ideia, militante diríamos nós, da conservação do património, aliada à excelência vínica, pode justificar.
Texto: João Paulo Martins Fotos: Ramos Pinto
O Verão corria seco mas quando visitámos a vinha da Urtiga o céu resolveu dar um ar da sua graça e brindou-nos com chuva. Da boa e da necessária, embora, como se imagina, já tardia para o que se podia esperar da vindima. Foi ali, mesmo no meio da vinha da Urtiga – parcela que integra a quinta do Bom Retiro – que iniciámos a conversa com a equipa da Ramos Pinto. Para o efeito a empresa deslocou para o centro da vinha da Urtiga uma mesa e uns copos para que o vinho fosse apreciado em seu sitio. A ideia era boa mas não previa a chuva e lá teve de vir uma emissária com chapéus de chuva para que tudo corresse bem. O que ali se passou foi um verdadeiro encontro civilizacional. As cepas, ali à nossa beira, respiravam ainda saúde apesar de serem maioritariamente centenárias; para as interpretar, conhecer, reconhecer e preservar havia ali um tablet onde tudo estava registado, a começar pela geo-localização de cada pé de vinha e as informações adicionais que se revelam da maior importância para a equipa de cuidadores daquela parcela. Que casta é, que vigor tem, quantos cachos produz, em que estádio fenológico se encontra ou a resistência à secura e à seca. Esta tarefa é igual para cada um dos 12 500 pés de vinha que ocupam os 3,4 ha da Urtiga. Temos então patamares com 200 anos, cepas com 100 e tecnologia do séc. XXI que, num futuro próximo, irá também incluir drones de alguma dimensão que farão transporte (caixas de até 40 kg) entre a vinha e a adega.
Bem perto da vinha encontra-se uma mata de medronheiros, reconhecida hoje como a última mancha original das matas de medronheiros que outrora povoavam grandes áreas do Douro. Ali ninguém toca, ali não está previsto plantar nada; apenas numa zona que, entretanto, tinha ficado a descoberto, foram plantadados mais 0,5 ha em velhos patamares pré-filoxéricos, idênticos aqueles onde estivemos sentados a ouvir as histórias da Urtiga. Para quem não está familiarizado com o conceito, os patamares pré-filoxéricos são muito baixos e apresentam-se agora com uma grande “desorganização”, bem diferentes dos muros dos terraços feitos após a filoxera, com os da Quinta do Noval, bem visíveis para quem passa na estrada.
Carlos Peixoto trata das vinhas e, como nos confessou, “adoro este trabalho, já ando cá há 44 anos e não me vejo a fazer outra coisa; ainda me consigo entusiasmar com cada vindima, cada poda, cada nova plantação. Este trabalho que estamos a fazer na Urtiga é notável, é uma revolução que traz para a vinha todos os novos conhecimentos de informática.” A Urtiga, confessa, não estava abandonada mas estava esquecida; “não era colhida quando devia, não tínhamos noção do que aqui havia; foi a partir de 2015 e 2016 que começámos a olhar para esta parcela com olhos de ver”. Jorge Rosas, actual CEO da Ramos Pinto lembra-nos que “em tempos a empresa já teve um Vinho do Porto com o nome Urtiga e que esta vinha era, como todas as vinhas velhas do Douro, usada para fazer vinho para Porto. As castas eram muitas e contámos 63. No entanto a Tinta Amarela é a mais representada e há 7 variedades que, juntas, representam 90% dos encepamentos. Às restantes, chamamos hoje, o sal e pimenta”. Das variedades, muitas delas com nomes estranhos, é sempre possível descobrir mais algumas que nunca tínhamos ouvido falar, como São Saul, Carrega Branco, Tinta Aguiar e Caramela. Ficámos também a saber que “a Tinta Amarela é por norma a casta mais representada nestas vinhas muito velhas”, diz-nos Peixoto.
Nos tratamentos da vinha estão a ser usados preparados biodinâmicos que são importados de França. Conta Jorge Rosas, “é um modelo que queremos aprofundar, mas sem preocupação de certificação. O caos burocrático que a certificação obriga leva-nos a fazer escolhas: queremos e acreditamos nas práticas mas não nos impomos a certificação e não alinhamos em fundamentalismos. O que é que adianta a vinha ser bio se depois não temos uvas?”, comentou. Uma equipa pequena muito dedicada a esta vinha e muitos cuidados na prevenção das doenças ajudam a que, de uma vinha tão pouco produtiva, saia um tinto que se coloca de imediato no patamar mais alto dos vinhos da empresa. Sobre o tema, Jorge Rosas, secundado por Ana Rato, responsável comercial comentam: “é verdade que colocamos o vinho num patamar muito alto de ambição e preço mas é também porque queremos, exactamente, que ele seja entendido como vinho muito especial que é. Temos mais de 100 mercados para onde vendemos vinho e este será por alocação. Não vai ser nada difícil colocar o vinho, até já houve importadores que nos disseram que podíamos enviar a quantidade que quiséssemos e que o preço não seria problema.”
Na véspera da vindima a equipa faz uma passagem na vinha e retira logo tudo o que não estiver em condições de ser vindimado. No dia seguinte vindima-se, faz-se nova selecção à entrada da adega onde os trabalhos são coordenados pelo enólogo João Luis Baptista. Após desengace, as uvas vão para o lagar para o primeiro corte (lagar com pisa a pé) e depois a manta vai sendo movimentada até ao momento da prensagem. De seguida é conduzido para tonéis de pequenas dimensões e 10% do vinho vai para barricas novas e por lá fica durante 16 meses. É nesta altura que se decide se o vinho tem a qualidade pretendida para ser Urtiga. Caso se entenda que não tem, entrará noutros lotes. O estágio prolonga-se por dois anos depois do engarrafamento. Resultaram, nesta primeira edição, 3100 garrafas, disponibilizadas em caixa individual.
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