Em Portugal muitos conhecem a marca icónica Porta da Ravessa, mas talvez nem todos saibam que o vinho é produzido pela Adega de Redondo, pois a fama desta brand ultrapassou o seu criador. Sofreu uma transformação recentemente e agora apresenta uma nova imagem aliada a significativo acréscimo qualitativo.
Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Adega Coop. de Redondo
O moderno conceito de storytelling obriga hoje em dia muitos produtores a inventar histórias à volta das suas marcas para comunicar ao consumidor. Mas há empresas que não precisam de inventar nada, pois a história da sua marca é bem real e antiga. É o caso da icónica Porta da Ravessa responsável por cerca de 50% da faturação da empresa. Aliás, é um verdadeiro case study em como a popularidade da marca tornou célebre o lugar histórico em que foi inspirada. Mas vamos por partes.
A marca Porta da Ravessa surgiu na década de 90 do século passado, a seguir à Real Lavrador, lançada pela Adega de Redondo em 1985. Na altura foi uma inovação em relação à prática de colocar nos rótulos simplesmente o nome do produtor e da origem. A primeira marca homenageava o Rei D. Dinis, “O Lavrador”, figura incontornável na história de Portugal e particularmente de Redondo, concedendo à vila a carta de foral em 1318. Hoje a marca Real Lavrador já não tem conotação com realeza, mas com os verdadeiros lavradores, sendo a imagem do rei substituída pelas pegadas de botas, deixadas na terra.
A história da Porta da Ravessa está ligada ao Castelo de Redondo de traços góticos no centro da Vila. O acesso ao interior do recinto faz-se por duas portas, reforçadas por duas torres de cada lado: a Porta do Postigo virada a poente, por onde sai o caminho em direcção a Évora, e a Porta da Ravessa virada a nascente que dava acesso à feira da povoação. Em cima da porta fica o brasão das armas de Portugal e na pilastra que sustenta o arco do lado direito encontra-se gravado o padrão das medidas lineares utilizadas no Portugal medieval para comercializar tecidos: a vara, correspondente a cinco palmos (110 cm) e o côvado correspondente a três palmos (66 cm). Estas marcas do século XIV são bem visíveis ainda hoje.
No final dos anos 90 houve um grande investimento em comunicação e marketing incluindo anúncios na rádio e TV, patrocínio dos jogos de futebol e desportos motorizados (com Pedro Lamy nas competições de Fórmula 1 e Carlos Sousa no Paris Dakar). A adega tinha uma equipa de ciclismo profissional que em 2000 ganhou a Volta a Portugal com Vitor Gamito. Esta estratégia deu os seus resultados e em 2004 a Porta da Ravessa era uma super brand não só no Alentejo, mas em Portugal inteiro e claramente contribuiu para a popularidade dos vinhos do Alentejo no mercado interno. Os turistas, ao visitar o Castelo de Redondo, impreterivelmente procuram a tal Porta da Ravessa retratada no rótulo.
Na altura de 2010/2011 a Adega de Redondo passou por um período difícil e teve que fazer um saneamento financeiro e rever a sua estrutura de custos. Todo o reconhecimento que a marca ganhou, conseguiu-se manter ao longo dos anos, graças à excelente relação qualidade/preço. Ainda há 3 anos de acordo como índice Nielsen, a Porta da Ravessa era a terceira marca mais vendida em volume e quinta em valor.
No ano passado, no meio de pandemia, decorreu silenciosamente uma grande renovação da imagem de todas as marcas e da própria adega. A imagem da Porta da Ravessa no rótulo ficou mais estilizada com traço moderno, destacando os elementos gráficos do brasão das armas em cima e da vara e côvado. A nova apresentação visa ser apelativa na conquista do consumidor mais jovem.
Equipa jovem e dinâmica
A Adega de Redondo é o maior empregador privado do concelho e conta com 57 funcionários, entre os mais antigos, como o adegueiro que trabalha lá há 40 anos e dizem a brincar que “está casado com a adega”, e mais recentes, jovens e dinâmicos, competentes e dedicados como o Director Geral Nuno Pinheiro de Almeida e o Director Comercial Bernardo Malhador.
A enóloga Mariana Cavaca é responsável de produção. Ao finalizar o Mestrado em Enologia e Viticultura no ISA, estagiou na Quinta do Crasto e reconhece Manuel Lobo como o seu primeiro orientador na profissão escolhida. Depois trabalhou na Solar dos Lobos e Tiago Cabaço Winery. Em 2016 ingressou na Adega de Redondo, no início a trabalhar com Pedro Hipólito, que também considera seu mentor. Desde 2021 assumiu a responsabilidade como Directora de Enologia.
O trabalho de Mariana não tem nada a ver com glamour de estar numa propriedade com um nome sonante. Na altura de vindima, entram 600 toneladas de uva por dia! A produção de vinho em grande volume não deixa margem para passos arriscados, nem perdoa a falta de profissionalismo. A consistência é a palavra chave. Produzir cerca de 15 milhões de garrafas por ano, coerentes em diversas gamas, mantendo a consistência colheita após colheita, é obra. Juntemos aqui a dificuldade acrescida de trabalhar com duas centenas de sócios, sendo que para muitos deles a viticultura é uma actividade adicional. O que vale é que 40 sócios são responsáveis por 80% da produção (32 sócios têm mais de 20 ha cada). Estes já têm uma visão mais empresarial e noção que quanto melhor for a qualidade de uva que entregam, melhor será para a Adega e, consequentemente, para eles. A Adega de Redondo, por sua vez, tem uma atitude de acompanhamento e aconselhamento, não de imposição.
A equipa de viticultura levou a cabo o cadastro de vinhas e castas de todos os sócios, que é actualizado anualmente. Isto permite a gestão de perfis de vinhos, a consistência de qualidade e separação de uva logo na vindima por via de conhecimento sobre o potencial da matéria prima por parcela, por casta e por sócio.
Para assegurar a qualidade de colheita em cada ano, foi elaborado o Programa de Qualidade para vinhos tintos, brancos e rosés que estabelece requisitos de qualidade e os incentivos relacionados, que é actualizado todos os anos pela equipa de enologia e viticultura.
Por exemplo, de acordo com o Programa de Qualidade, as uvas deverão apresentar um bom estado sanitário e estar maduras, mas sem sobrematuração, ou seja as castas brancas têm de apresentar o álcool provável entre as 11 a as 12,5%, com excepção do Arinto que pode ser vindimado com 10,5% para contribuir com a sua acidez natural aos lotes; as referências para as castas tintas podem variar dos 13 às 15%. Privilegia-se a entrega por casta e não em conjunto, pois isto permite uma melhor gestão dos lotes na vinificação (a Tinta Caiada, por exemplo, está mesmo proibida de entrar misturada com outras castas). Se houver problemas fitossanitárias, a uva não vai para a produção de vinho, segue para destilação. Ao fazer lotes também é preciso paciência e concentração. Ensaiam primeiro tudo na sala de provas, pois “30-40 mil litros fazem diferença nos 4 milhões”, explica Mariana.
As instalações são bem equipadas e para além de cubas de cimento antigas de uma arquitectura bonita e pouco comum, dispõe de cubas de inox e 10 cubas com sistema Ganimede capazes de receber 120 toneladas de uva e que dão óptimos resultados – uma remontagem bem feita, extração de cor e parte aromática sem dilaceração de películas, fermentação rápida, grande poupança da energia, exigindo pouca mão-de-obra. Na unidade de acabamento de vinhos, brilha um filtro tangencial para uma filtração delicada e de baixo impacto ambiental. Também há uma sala de barricas para o estágio dos topos de gama da Adega.
Metodicamente investe-se na modernização. Os investimentos mais recentes incluem um novo armazem destinado a produto acabado, o que permite aumentar o tempo de estágio, e uma nova linha de engarrafamento com capacidade para 14 mil garrafas/hora.
É claro que há sempre mais algum “brinquedo” que Mariana gostava de ter na sua sala de vinificações para realizar novas ideias, porque há sempre espaço para introdução de melhorias nos processos enológicos. Contudo, está satisfeita com o seu trabalho. “Sinto-me orgulhosa a provar os vinhos da nossa adega” – diz a enóloga e tem toda a razão, pois as gamas são bem definidas, com consistentes patamares de qualidade dentro de diferentes referências (tem mais marcas para além da Porta da Ravessa e Real Lavrador). Alguns dos vinhos só têm um problema – são escandalosamente baratos. Por exemplo, se me dissessem que o Porta da Ravessa Reserva branco com PVP 6 euros, custava 10 ou 12 euros, não me sentiria defraudada pela qualidade que apresenta e prazer que proporciona. Infelizmente, a guerra de preços dos vinhos neste país, com a pressão dos hipermercados e a aplicação de “descontos” absurdos de 50-70%, deixa os produtores de mãos atados.
Com forte presença dos vinhos da Adega de Redondo no mercado nacional, a exportação corresponde apenas a 15-17% de produção. O mercado nº1 é o Brasil, e também há operações nos Estados Unidos, Rússia, Polónia e “mercado da saudade”. Curiosamente, é mais fácil vender os vinhos lá fora, nota Bernardo Malhador, porque não existe o “estigma” dos “vinhos de adegas cooperativas” e o consumidor não faz juízo de valor em relação ao produtor ser mais ou menos “nobre”: se gosta do vinho, compra-o.
(Artigo publicado na edição de Março de 2022)
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